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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

"O INOPORTUNO"

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Daniel Dantas interpretando Davies em "O Inoportuno", de Harold Pinter (Foto Divulgação)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
"O  INOPORTUNO"

     Dessa vez está em cartaz, no Teatro dos 4, O Inoportuno, de Harold Pinter, dirigido por Ary Coslov, e tendo no papel de Davies o ator Daniel Dantas. Há mais três personagens, nesta história: Aston, interpretado por André Junqueira  e Mick, seu irmão, interpretado por Well Aguiar. No caso de O Inoportuno, o oponente ( Davies)  é alguém que muito prontamente se sente dono da situação pelo fato de ser bem recebido entre dois irmãos, que não o rejeitam nem o expulsam de seu “mukifo”.  
... E assim se inicia o jogo teatral.
     Podemos dizer que foram dois autores, um russo e um inglês, Tchecov e Pinter, os que abriram a rota para este tipo de cirurgia na alma do ser humano. Um inglês e um russo...  Há diferença? Nem tanto... e  Coslov sabe disso. O fato é que ele desperta a nossa atenção!
     Montar Pinter é denunciar a cultura da exploração, mesmo entre os excluídos. Na peça, o mendigo falastrão e mentiroso, Davies, ao abrir “a porta pinteriana”, vê o que se expande a seus olhos e quer se apropriar do que vê, mas, ao atravessar aquela porta ele estará se despedindo do que lhe restou de humano: os dois irmãos o destruirão. Coslov, ao desvendar as armadilhas que os homens colocam uns contra os outros, constata que o texto de Harold Pinter leva o público a pensar. O pobre coitado morador de rua é acolhido por alguém que já passou por uma “casa de regeneração” mental (Aston) ... e mesmo assim continua com a sua alma generosa. Tal generosidade é traduzida pelo mendigo “como algo que lhe é devido”, e a facilidade com que aceita a bondade do outro revela a sua alma perturbada. Aston possui um irmão, Mick, que também acolhe com bons olhos o desconhecido e, em torno dessa acolhida se desenvolve a peça.
  Aos poucos Davies começa a agir incorretamente. Na maioria dos casos, quando somos “donos da situação” começamos a agir incorretamente, mostrando falta de caráter.  Será que é esse um atributo do ser humano? Segundo Pinter, sim! O desenho do caráter de Davies revela o autor magnífico.
     O núcleo da peça de Pinter é o ser humano, seu caráter, ou a falta dele. No caso, Davies, o mendigo sem caráter é interpretado, com sutileza, acerto e sensibilidade por Daniel Dantas. Os momentos de mudança, a sofreguidão, a manipulação (inconsciente) dos que o cercam, está tudo lá, de maneira natural, o ator está impregnado do mendigo, em uma interpretação  excepcional. 
     Vejamos o que acontece com os seus companheiros de cena. O “generoso” (por deficiência mental? por natureza?) Aston (André Junqueira) desdobra-se em gentileza para amenizar a vida do mendigo. Como sabemos, é inútil, pois a cupidez humana acaba vencendo. O outro irmão, forte e agressivo, Mick (Well Aguiar), age como agiria um ser humano comum que se pensa forte, magnânimo, e cheio de "ideias". Diante destes três aspectos do ser humano vemos desdobrar-se a análise do que somos feitos: vaidade, loucura e irrealismo. Então estes três “predicados” são um só? E assim constatamos a genialidade de Harold Pinter.    
NÃO PERCAM! Compõe o espetáculo a bem urdida cenografia de Marcos Flaksman. A parafernália que cerca os dois irmãos lhes revela a alma. A iluminação, dando vida ao que o cenário proporciona, é de Paulo César Medeiros. Como podemos ver, Ary Coslov cercou-se de técnicos de primeira linha: nos figurinos temos Kika Lopes, que acerta, nos mínimos detalhes, com a ironia que atravessa a cena! A trilha sonora é do próprio diretor: Ary Coslov. Tradução: Alexande Tenorio. E Assistência de Direção de Rodrigo de Bonis e Bel Lobo. Mídias Sociais: João Gabriel Solle. Assessoria de Imprensa JSPontes Comunicação              




   

sábado, 17 de novembro de 2018

"GALAXIAS I : TODO ESSE CÉU É UM DESERTO DE CORAÇÕES PULVERIZADOS"

Resultado de imagem para peça teatro Galaxias - FOTOS

"Galaxias I: todo esse céu é um deserto de corações pulverizados". Da esquerda para a direita: Leo Wainer, Ciro Sales e Julia Lund. (Foto Leo Aversa)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     Um dia um amigo muito querido lendo uma de minhas críticas comentou: “Você está se colocando muito, o importante não é o crítico, mas o criticado”. E realmente, a partir de um momento, que não consigo localizar, a minha atividade como crítica começou a ser das menos interessantes... e, das mais de seiscentas visitas dos leitores passei a contar com apenas quarenta (ou até menos...), interessados no que eu escrevia! Algo estranho estava acontecendo comigo, mas até hoje não sei localizar o que. Meu primeiro impulso foi deixar de registrar as impressões que os espetáculos me causavam, e comecei a espaçar as visitas ao meu blog. Mas acabei compreendendo que escrever é um vício... Pior para mim, que sou uma viciada! Sei que tal observação é uma demonstração de derrota, mas mesmo assim estou voltando! Desta vez o impacto foi tanto, a respeito de “Galaxias I: todo esse céu é um deserto de corações pulverizados”, que resolvi descobrir quem é Luiz Felipe Reis. Impossível. Tem cantor, doutor, dentista, mas não consigo saber quem é, realmente, Luiz Felipe Reis, que dirigiu “Galaxias”... Sei que é jornalista e que já dirigiu “Estamos indo Embora”. Talvez eu esteja viciada também no Google!  É no que dá essa tal geração internet...

     O que posso dizer sobre o espetáculo que estará presente até o dia 2 de dezembro na Sala Multiuso do SESC Copacabana é que ele é uma amostra do que será o teatro do futuro: direto, racional e hiperrealista. Não sabemos ainda que nome dar ao que se passa atualmente em cena, principalmente no caso deste argentino J.P. Zooey (pseudônimo de Juan Pablo Ringelhein, o autor),  porém sim observar que Juan Pablo é o resultado de uma mente ligada ao presente e suas novas tecnologias. “Existe um conflito com unidades do tempo e do mundo. Conflito do homem contra ele mesmo”, diz o diretor Luiz Felipe, no que é apoiado pelo longo monólogo do autor. Esta é a terceira peça dirigida por Luiz Felipe. A segunda foi “Estamos indo embora”, sobre as condições de nosso estar no mundo, e sobre o amor. O atual texto em cartaz, encenado pela primeira vez no Brasil pela Polifônica Cia, de Luiz Felipe, utiliza em cena recursos do mundo moderno (em matéria de linguagem técnica e artística), com  projeções em vídeo, palcos dentro do palco, músicas (e músicos ao vivo) seguidos por um texto ligado ao que há de mais  impactante em matéria de comunicação e visão do  mundo.

     Destacamos, como grande momento teatral o desnudamente espiritual da atriz Julia Lund (quem é ela? quem é ela?), em seu monólogo constatação sobre a capacidade-negativa-dos-homens-de-nossa-época-de-poder-modificar-a-vida-no-planeta-Terra. 

     Essa impossibilidade, apresentada pela Polifônica Cia. de Luiz Felipe é uma das características da humanidade “antropocêntrica” de hoje, que localiza o conflito do homem contra ele mesmo. Sua segunda peça “Estamos indo embora” (texto e direção de Luiz Felipe), já leva à direção que seu trabalho iria tomar.

     Mas o texto da personagem Zooey, de Julia Lund, destaca, em forte monólogo, o prazer maculado do homem ao derramar o seu veneno sobre a Terra, visando a sua  destruição...  (Como eu gostaria de ter o monólogo de Julia Lund, para poder  reproduzi-lo!). “Galaxias” chegou para nos tirar do que costumamos chamar de “a zona de conforto” e fazer com que constatemos que estamos indo para “a way of no return”.

     Há dois atores em cena, além de Julia: Leo Wainer, que interpreta o “mestre”, o professor-filósofo que investiga a fragilidade do mundo através de sua pesquisa em cartas, e reproduz palestras sobre acontecimentos geológicos que estremecem o nosso planeta. Tudo muito a propósito, veja-se este mundo “egótico” – nas palavras do diretor - que estamos experimentando agora. O ator Ciro Sales completa o casal de irmãos – formado com Julia Lund  – que se envolve no enigma da existência, assistindo ou ouvindo as palestras do professor. O texto mistura ciência e tecnologia em uma “investigação distópica”, e às vezes é pura poesia, como: “A vida é um rasgo de luz que a gente surfa na escuridão do cosmos”: contribuição de Luiz Felipe Reis para o texto de J.P. Zooey.  
N Ã O   P E R C A M!    

     A ficha técnica é composta por músicos, ao vivo, e em cena. O Diretor Musical é Pedro Sodré, que também toca piano e guitarra.  As composições são dos músicos, e há alguns clássicos. Rudah toca sax, clarinete e guitarra e Rogerio da Costa Jr sintetizador e guitarra. As músicas e os músicos são excelentes. O cenário, de Julio Parente, trás uma mobilidade surpreendente à cena, acompanhado pela luz de Projeções Corja (não há destaque para Iluminador). Figurinos atuais de Luiza Mitidieri.  Colaborações em vídeo: Gabriela Gaia Meirelles e Frederico Sampaio.