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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

"ROMA"

Juliana Lohmann e Linn Jardim, em "Roma", texto de Guilherme Prates, direção Renato Farias.
(Foto Carol Beiriz)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

      O beijo, entre as belas mulheres, é estético. O beijo, entre os belos homens, é escândalo. Dois pesos, duas medidas? O homem é penalizado: o macho deve ser o reprodutor, na sociedade patriarcal (a nossa) ... e a mulher, o estimulo a essa reprodução! Simples assim: o beijo entre mulheres é um excitante para os homens. Isso tudo todos nós sabemos...
     ... Entretanto, no Teatro Sergio Porto (não percam!) podemos assistir a um acontecimento peculiar, que nos traz uma visão bastante independente do que seja a sexualidade feminina. Trata-se de "Roma" (o espetáculo voltará à cena, no Sergio Porto,  depois das festas de fim de ano).  Dirigido por Renato Farias, que já nos deu o belo "João Cabral", sobre a obra do poeta pernambucano. "Roma" é um espetáculo repleto de poesia, amor e sensualidade, saído das mãos desse diretor cuja sensibilidade é a de  um poeta.
     Complementando o acerto, temos  o texto do carioca - um jovem de 22 anos! - Guilherme Prates, que em boa hora optou pela carreira de dramaturgo. "Roma" é o seu primeiro texto encenado, inspirado no filme "Um Quarto em Roma", de Julio Medem. O dramaturgo estreante mostrou uma surpreendente compreensão da alma feminina em seu texto selvagem, agudo, que vai direto ao alvo, com a independência dos jovens talentos. É ver para crer. E nada de rótulos, é teatro puro.
     Complementando a cena, temos o 'espaço cênico', que torna possível o contato com a platéia. Criou-se, na galeria de arte do Sérgio Porto, algo que respira transcendência. Ao entrarmos no local temos a sensação de imaterialidade, como nos sonhos. Aos poucos essa cortina irreal (provocada pelo "gelo seco" que impera na área), vai aos poucos se dissipando, e somos recepcionados por algo inusitado. Nada de rótulos, nada de teatro pós-moderno. Sim, é com se estivéssemos dentro de um quarto de hotel (como quer o texto), e as duas belas mulheres estivessem vivendo, sob o nosso testemunho, a descoberta de algo novo em suas vidas. O curioso é que vamos sendo tomados por uma sensação de "pertencimento".  
     E somos apresentados a duas personalidades de atriz,  trabalhando uma sexualidade natural que brota de seus desempenhos e da sensibilidade do autor. São elas Linn Jardim, que interpreta "Ana ou Helena" - e Juliana Lohmann, no papel de Isabella. Há grande entrosamento entre as duas atrizes, interpretando personagens antagônicas. A verdadeira "Helena" (de Linn Jardim) atinge momentos de tragédia grega, em seu temperamento apaixonado, com rompantes que nos aproximam  de seu destino: "Tem gente que nasce com a tragedia no sangue!"  Interessante "Helena", a grega, como o nome o diz ...
     A doçura de Isabella tentando escapar ao "assedio irresistível", nos dá a oportunidade de testemunhar o  trabalho de "nuances de personagem" estabelecido pela mão segura do diretor. Um belo trabalho. Nesta produção - bem cuidada - uniram-se dois grupos: a Cia de Teatro Íntimo, de Renato Farias, e a Cia "Por Acaso", e a "idealização" do espetáculo, de Linn Jardim. Essa Companhia funciona "ao acaso" dos convites feitos aos atores, a cada montagem. Essa foi a vez de Linn, Lohmann e Prates que, por sua vez, convidaram Renato Farias para dirigir.
     A idéia é a "fuga" de uma festa de réveillon.
     Assistente de Direção Fernanda Boechat; Cenografia (excelente), de Gigi Barreto (Renato nos diz que eles criaram um novo espaço cênico, dentro da galeria). Figurinos (apropriados para a ocasião!) de Thiago Mendonça. Iluminação, Rafael Sieg. A Trilha Sonora de Pedro Gracindo é um espetáculo à parte. Destaque-se a interpretação de Linn Jardim para "Don't let me down", de John Lennon. Linn possui também a qualidade de uma performer  (não parecia "playback", ao menos...)

NÃO PERCAM "ROMA" !!!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

"A SANTA JOANA DOS MATADOUROS"


Adassa Martins, Vilma Melo e Luisa Arraes em 'A Santa Joana dos Matadouros', de Bertold Brecht. Tradução Roberto Schwarz. Direção Marina Vianna e Diogo Liberano. (Foto Thaís Grechi)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

      Enfim estamos recomeçando o ciclo Bertold Brecht! Esperamos que este A SANTA JOANA DOS MATADOUROS seja o primeiro de muitos que virão. Engraçado, já tão acostumados estamos com o título "Santa Joana dos Matadouros" que pensamos ser o "artigo" "A" antes do título apenas uma maneira de caracterizar a diferença dessa montagem. Não é. Fica a dúvida.
     O texto escrito por Brecht e traduzido por Roberto Schwarz está um pouco alterado, digamos, na versão dramatúrgica de Diogo Liberano, mas reconhecemos que a criatividade da presente montagem torna mais acessível a estrutura do texto do alemão. Percebemos um Brecht mais "palatável" (leia-se atualizado), para as gerações menos sofridas, politicamente, na direção de Marina Vianna e Diogo Liberano. Unindo a bem sucedida direção temos a atualização, principalmente estética (em uma criação absolutamente genial de Bia Junqueira e Laura Samy, respectivamente Arte e Movimento), deixando-nos cheios de esperança no possível fascínio imorredouro do teatro épico.  
     Mas não é só de estética que vive o atual espetáculo. O texto, escrito entre o final da década de 20 e início dos anos 30, do século passado, nos reporta ao momento em que Bertold Brecht "vivia" a mais desesperada aula de capitalismo, em seu exílio estadunidense. O personagem Mauler, o capitalista (interpretado por João Velho), apresenta-se, inteiro, em seu dualismo sentimental. Ele é o retrato do "homem do capital" norte-americano, personagem que pensa se justificar através de ações magnânimas.    
     Mauler é o "Comandante" de um momento exemplar do capitalismo selvagem. Dizem que o dramaturgo alemão inspirou-se em J. D. Rockfeller para criar esse Mauler que se sentia um nobre idealista, a se preocupar com os sentimentos dos menos privilegiados. Embora "o rei dos matadouros de Chicago" tivesse um temor insano da proximidade "dessa gente de pouca moral", ele sempre dá um jeito de raciocinar que "é no trabalho que se entendem proletariado e capital!" Na adaptação (excelente) de Liberano, há momentos que Mauler chega a se inspirar em Ijucapirama, de Gonçalves Dias, para cantar a  força de seus subordinados. Non sense! Mas João Velho o faz com tal seriedade que ficamos em dúvida se é Gonçalves Dias, mesmo, que está sendo citado...
     Brecht escreveu as seguintes palavras para Mauler: "Pobre de mim! Um duplo desejo remói meu coração. Sinto-me  atraído por um nobre ideal e, inexplicavelmente, também o lucro chama por mim!". No texto, o tresloucado gestor encontra em quem personificar seu "nobre ideal": nada menos do que na idealista, santa e louca, Joana Dark, a líder dos Boinas Negras, que pensa enfrentar a crise de 1929 com sopa e hinos religiosos para os desempregados. Joana é interpretada por Luisa Arraes, em entrega emocionante.
     A peça é uma sequência de momentos essenciais, tendo ótimas interpretações, como a de Leonardo Netto dando vida ao astuto corretor Slift; ou Vilma Melo, uma excepcional atriz, interpretando a viúva Luckernidle. Ou ainda Gunnar Borges e Leandro Santanna, cujas interpretações se destacam em vários momentos. Porém Sávio Moll, o Cridle, "herdeiro" das idéias de Mauler, acaba dirigindo-se à platéia, em um quase monólogo sobre o desvario do mercado  -  e o faz com tal intensidade, que nos recorda 'um certo senador Marco Antonio' às avessas. Esse defende "um homem honrado", Julio Cesar: Cridle defende o pouco honrado "jogo do capital".
     A peça é uma avalanche de acontecimentos, sem repouso ou compaixão. E é isso mesmo o que o nosso Brecht queria. Desde o início do espetáculo, com as palavras da devota Marta, dos Boinas Negras, interpretada pela doce Adassa Martins, palavras nas quais comenta a pirâmide humana que é a nossa sociedade - até o final do espetáculo, quando dois atores unem-se, em reconhecimento e dúvida, sobre os acontecimentos que acabaram de presenciar, e jogam para a platéia, em um final "brechtiano":
     - Mas  isso  um  dia  vai  mudar" - diz um dos atores.
     E o outro responde:  - "Sim. Um dia". 
     ... esse comentário é feito muito discretamente, como "um piscar de olhos de brechtianos para brechtianos". Imaginamos que a platéia pensa no que está acontecendo em nossos dias, e na possibilidade de tudo mudar. Está em nossas mãos. O desejo de Brecht - 'mudar o mundo', através de um  público pensante, continua cada vez mais vivo, neste espetáculo.
     E, ainda: estamos na presença de uma celebração do teatro moderno, ou pós-moderno (como queiram), cuja leveza e mobilidade solucionam os possíveis problemas de multidão e suporte, dos espetáculos de Brecht. Para isso, contamos com a Arte de Bia Junqueira, principalmente o recurso das camisetas representando o povo e os trabalhadores, e o das caixas  representando o movimento concreto da fábrica, e de outras cenas. Impossível não mencioná-los. Esses recursos, em especial o das camisetas, que oferece várias possibilidades de interpretação, uma vez que podem representar os trabalhadores, a massa humana do povo, ou ainda ilustrar pensamentos e momentos. Muito bom.

     A Iluminação de Paulo Cesar Medeiros. A Direção Musical de Rodrigo Marçal e Arthur Braganti - que está presente, em cena, fazendo música - e a Direção de Movimento de Laura Samy (a registrar o encadeamento e a força dessa direção de Laura), são  todos eles momentos de extrema beleza e sincronia, nesse espetáculo tão incomum. ACONSELHA-SE, COM VEEMÊNCIA, ASSISTI-LO!                   

domingo, 13 de dezembro de 2015

"IDEIA FIXA"


"Ideia Fixa", texto de Adriana Falcão, direção Henrique Tavares. Com Rodrigo Penna, Silvia Buarque e Guta Stresser. (Foto: Nil Caniné)   


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     "Ilações". São muitas as ilações que fazemos, ao assistir "Ideia Fixa", um texto de Adriana Falcão, dirigido por Henrique Tavares. Duas mulheres (interpretadas por Guta Stresser e Silvia Buarque), são abandonadas pelo mesmo homem (Rodrigo Penna) e, por causa desse abandono, passam a viver em um limbo, esperando que algo aconteça. Durante essa espera, muitas coisas acontecem... em direção ao nada. Ou em direção à liberdade! Sim, porque elas estão, há 5 anos, presas a uma mesma esperança, a volta do homem amado.
      Em seus movimentos delicados, quase de balé (a direção é de  Johayne Hildefonso), e nas músicas ocultas que elas dizem ouvir, ficamos pensando, e fazendo "ilações" entre as nossas heroínas e as mulheres esquimós, em seus iglus! Será que, naquele continente gelado, quando abandonadas pelos seus homens, elas também percebem musiquinhas "estalando nas suas cabeças", como as  mulheres de "Ideia Fixa"? Talvez a música das esquimós seja o ruído das focas e o bater do mar de encontro ao gelo ... Deve ser um ritmo lindo. 
     E são muitas as ilações a que o texto de Falcão nos remete. As duas mulheres, vestidas em decadentes trajes de época, relembram a "Sra. Havisham", aquela velhinha que vivia envolta em "trajes anacrônicos" esperando a volta de seu amor, ou se vingando do seu desamor (adoro este romance de Dickens, "Grandes Esperanças", o Brasil ainda está naquela época...). Também os trajes das mulheres apaixonadas, nesta nossa atualidade, cheiram a mofo; e o ambiente (o do amor rejeitado) é o mesmo, repleto de lembranças.
     E o que se levanta, como uma surpresa, é que estas duas mulheres do presente não se odeiam, e, aos poucos, vão entrando em simbiose. No decorrer da historia, a dualidade existencial vai perdendo o seu contorno, e as duas criaturas se transformam em uma só! Por sua vez, o personagem de Rodrigo Penna, sobre o qual caem as idealizações das duas mulheres, mostra-se um ser que só quer o óbvio, um bom uísque, paz, e viver a sua própria vida. Talvez isso seja inteligência, mas seu eventual "colocar-se" perante a situação revela uma falta de compreensão do outro. E revela, surpreendentemente, a "banalidade do amor". O homem simplesmente não entende o que está acontecendo com as duas mulheres, para ele, o romantismo não tem fundamento. Talvez tenha razão, mas o que se revela ao público, em contraste com a avassaladora paixão que desperta, é um homem bem banal. Complicado, não?
     Pois é através dessa "conflituação do banal" que a autora nos remete ao que considera '"o fim do romantismo": aquele "ser resplandecente" que as duas evocam, não passa de um homem comum, inventado por elas. E o que se inicia como uma cena esfuziante, nas mãos de Guta Stresser - buscando os recursos cômicos de sua personalidade de atriz - e de Silvia Buarque, contida e interiorizada em sua personagem que representa, no caso, a mulher consciente (em sua interpretação, a surpresa de uma atriz madura,  interiorizada). Enfim, em cenas paralelas, acontece o desvendamento do homem. 
      A presença do personagem masculino (interpretado por Rodrigo Penna), repositario da fantasia feminina, não se mostra a altura daqueles "corações desvairados". Aliás, as coisas, para ele, em relação àquelas mulheres, são inescrutáveis, pois tudo é muito mais simples: trata-se de viver. Será que estamos na presença da superioridade masculina? Em todo caso, é decepcionante, essa superioridade. 
     Essas são apenas algumas das muitas interpretações do interessante mergulho na verdade feminina, que o texto de Adriana Falcão e a direção de Henrique Tavares - através de seu acertado caminho - nos permitem.  
      Na Iluminação de Beto Bruel temos o reforço dos limites em que vivem aquelas duas mulheres "aprisionadas" pelo amor. As luzes marcam a sua "prisão". Como elas nascem da imaginação, uma vez concretizada a escolha da liberdade, as "luzes carcerárias" desaparecem... O cenário, e figurinos, marcam a época psicológica em que as duas persongens se movimentam. O figurino é responsável também pelo "desnudar da lagarta em borboleta" da última cena.        

     Música Tema de Clarice Falcão e Ricco Vianna (Rick de La Torre, bateria); Assistência de Direção: Alfredo Boneff.  NÃO PERCAM ESSA SUTIL HISTORIA DE DESAMOR!   

domingo, 6 de dezembro de 2015

"JULIETTE CASTIGADA & JUSTINE RECOMPENSADA"

"Juliette Castigada & Justine Recompensada", texto Roberto Athayde, direção Paula Sandroni.  Em cena, Betina Pons, Rosanne Mulholland e Alexandre Slaviero.  (fotos Marco Rodrigues)  

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Em cartaz, até o próximo dia 20 de dezembro, no Teatro Maison de France, o espetáculo inspirado no Marquês de Sade, intitulado "Juliette Castigada & Justine Recompensada". O texto, de Roberto Athayde, é dirigido por Paula Sandroni. No dia em que foi possível assisti-lo, o teatro deu-me uma lição de como a arte imita a vida. Pois bem, quando de minha chegada ao teatro, tive o mais insólito recebimento da parte de três policiais, dificultando o meu ingresso. Quase desisto de assistir ao espetáculo. Explico. Ameaçadoramente, as "autoridades" declararam, em gesto de prepotência, que iriam rebocar o meu carro, se não aceitasse as suas "regras". E eu, perseguida, assemelhava-me à Justine, na primeira cena da peça, quando fugia, esbaforida, dos guardas de segurança do Museu do Louvre, em Paris.
     O ocorrido com esta crítica não guarda nenhuma semelhança com o ocorrido com Justine, pois, no caso dela, era ficção... Aconselha-se a Maison de France não acolher uma viatura da nossa perigosa "Polícia Pacificadora", pois, não tendo o que fazer no local, ela põe em risco cidadãos honestos. Dito isso, iniciemos os comentários sobre a peça de Roberto Athayde, um talentoso cidadão brasileiro.
     Antes de iniciar, porém, queremos citar o prazer da boa acolhida da produção de "Justine...", fazendo com que conseguíssemos paz para assistir ao espetáculo. Respiramos descontraídas, nós, a platéia, pois já na primeira cena registramos o alto padrão do que nos é oferecido. A "caixa de surpresas" do teatro italiano abriga o texto de Roberto Athayde, que é inspirado nas duas heroínas do Marquês de Sade: "Justine - ou os Infortúnios da Virtude" e "Juliette", às quais Athayde dá um tom farsesco, tanto na "Paris dos Reis", quanto na que foi descoberta no século XXI. 
     Como sabemos, Sade (que teve sua vida criativa "reconhecida" a partir dos anos 80, do século XVIII), foi perseguido por libertinagem - ele era um "libertino" - porém considerado louco, por seus escritos atingirem extremos. Mas o que ele escrevia era pura crítica aos tempos em que vivia. Talvez, hoje, o autor francês se assustasse com o que veio depois, mas as duas heroínas de Sade, Juliette e Justine, fazem o possível para adiar a surpresa para o seu criador. Athayde as faz dormir durante 230 anos! Inevitável a pergunta: o que pensaria Sade das aventuras atuais de suas heroínas?   
     O espetáculo da Maison mostra "teatro" em sua melhor representação: texto feroz, crítica mordaz, loucura... e  farsa! As duas personagens de Sade acordam em uma Paris onde as carruagens não têm cavalos, e a moral, agora, "é tudo misturado, não tem mais preto e branco" - conclui Juliette, a má, que é adepta das "cores radicais". Filosofa-se sobre o Iluminismo e há uma discussão sobre o bem e o mal, radical! Se o espetáculo é dedicado, por sua diretora Paula Sandroni, a Antonio Abujamra, faz jus ao seu homenageado. Principalmente, a atuação de Betina Pons como a "malvada", cujos ademanes e astucias fazem a delícia da platéia. Como diz o padre, depois de perdida a sua batina (Alexandre Slaviero, outro ator louvável em timming e inteligência cênica): "Vocês são as duas dondocas mais escrotas da literatura francesa". 
     Quanto à infeliz representante da pureza, que em Sade encontrou a desgraça, nesta nova versão de Athayde ela, se no final acaba também aterrorizada pelas maldades da irmã, ao menos pode se considerar agraciada: a defensora de sua  personagem é a doce e gentil atriz Rosanne Mulholland. Pergunta-se: onde a diretora foi procurar este trio tão afinado e cujo requinte parece vir dos tempos "descarados" do reinado dos Bourbons?   
     Na caixa iluminada do palco italiano, com cortinas vermelhas e gestual 'monarquia', eis que nos são apresentados três atores cujo talento é surpreendente: Betina Pons (Juliette); Rosane Mulholland (Justine) e Alexandre Slaviero, no papel de Herdrick, um padre capuchinho prestes a abandonar a batina por não mais acreditar em Deus. Um padre! Juliette quer tanto um Cardeal! Mas agora estamos no Século XXI, e os cardeais se acalmaram, o cenário se altera, e as belas são surpreendidas em uma nova civilização, uma nova Paris.    
     A idéia é excelente, e o poder de crítica e sátira de Roberto Athayde é indiscutível. Estamos em boas mãos.     
     A cenografia, com suas cortinas e móveis à Louis XV, assim como o ambiente moderno, são criações de Nello Marrese; os figurinos (os de época e os modernos), são elaborados por Anete Cota. Os primeiros, settecentistas, representam o 'bom gosto duvidoso' da época em que nossas personagens nasceram - os outros são pontuações do século XXI (a peça de Athayde foi escrita em 2002). Paula Sandroni, além da ótima direção - pelo que sabemos foi assistente de direção de João Fonseca em "Édipo Unplugged" (2004) - Prêmio Shell de Melhor Direção. Portanto, sua visão traz uma boa escola. Atuando como Assistente de Direção temos Gustavo Arthiddoro! A Direção de Movimento é de Priscila Vidca, responsável, talvez, junto com Sandroni e Arthidodoro, pela alta voltagem na comicidade dos atores. A Trilha Musical, pensada por Paula Sandroni, traz-nos acordes de, salvo engano, "O Barbeiro de Sevilha", o que nos reporta aos revolucionários tempos de Beaumarchais.
     E por aqui ficamos: A Iluminação, excelente, é de Daniela Sanchez; Preparação Vocal, Verônica Machado; Assessoria de Imprensa, Sheila Gomes. TRATA-SE DE UM EXCELENTE - E BEM CUIDADO - MOMENTO TEATRAL. ACONSELHA-SE.