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domingo, 13 de dezembro de 2015

"IDEIA FIXA"


"Ideia Fixa", texto de Adriana Falcão, direção Henrique Tavares. Com Rodrigo Penna, Silvia Buarque e Guta Stresser. (Foto: Nil Caniné)   


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     "Ilações". São muitas as ilações que fazemos, ao assistir "Ideia Fixa", um texto de Adriana Falcão, dirigido por Henrique Tavares. Duas mulheres (interpretadas por Guta Stresser e Silvia Buarque), são abandonadas pelo mesmo homem (Rodrigo Penna) e, por causa desse abandono, passam a viver em um limbo, esperando que algo aconteça. Durante essa espera, muitas coisas acontecem... em direção ao nada. Ou em direção à liberdade! Sim, porque elas estão, há 5 anos, presas a uma mesma esperança, a volta do homem amado.
      Em seus movimentos delicados, quase de balé (a direção é de  Johayne Hildefonso), e nas músicas ocultas que elas dizem ouvir, ficamos pensando, e fazendo "ilações" entre as nossas heroínas e as mulheres esquimós, em seus iglus! Será que, naquele continente gelado, quando abandonadas pelos seus homens, elas também percebem musiquinhas "estalando nas suas cabeças", como as  mulheres de "Ideia Fixa"? Talvez a música das esquimós seja o ruído das focas e o bater do mar de encontro ao gelo ... Deve ser um ritmo lindo. 
     E são muitas as ilações a que o texto de Falcão nos remete. As duas mulheres, vestidas em decadentes trajes de época, relembram a "Sra. Havisham", aquela velhinha que vivia envolta em "trajes anacrônicos" esperando a volta de seu amor, ou se vingando do seu desamor (adoro este romance de Dickens, "Grandes Esperanças", o Brasil ainda está naquela época...). Também os trajes das mulheres apaixonadas, nesta nossa atualidade, cheiram a mofo; e o ambiente (o do amor rejeitado) é o mesmo, repleto de lembranças.
     E o que se levanta, como uma surpresa, é que estas duas mulheres do presente não se odeiam, e, aos poucos, vão entrando em simbiose. No decorrer da historia, a dualidade existencial vai perdendo o seu contorno, e as duas criaturas se transformam em uma só! Por sua vez, o personagem de Rodrigo Penna, sobre o qual caem as idealizações das duas mulheres, mostra-se um ser que só quer o óbvio, um bom uísque, paz, e viver a sua própria vida. Talvez isso seja inteligência, mas seu eventual "colocar-se" perante a situação revela uma falta de compreensão do outro. E revela, surpreendentemente, a "banalidade do amor". O homem simplesmente não entende o que está acontecendo com as duas mulheres, para ele, o romantismo não tem fundamento. Talvez tenha razão, mas o que se revela ao público, em contraste com a avassaladora paixão que desperta, é um homem bem banal. Complicado, não?
     Pois é através dessa "conflituação do banal" que a autora nos remete ao que considera '"o fim do romantismo": aquele "ser resplandecente" que as duas evocam, não passa de um homem comum, inventado por elas. E o que se inicia como uma cena esfuziante, nas mãos de Guta Stresser - buscando os recursos cômicos de sua personalidade de atriz - e de Silvia Buarque, contida e interiorizada em sua personagem que representa, no caso, a mulher consciente (em sua interpretação, a surpresa de uma atriz madura,  interiorizada). Enfim, em cenas paralelas, acontece o desvendamento do homem. 
      A presença do personagem masculino (interpretado por Rodrigo Penna), repositario da fantasia feminina, não se mostra a altura daqueles "corações desvairados". Aliás, as coisas, para ele, em relação àquelas mulheres, são inescrutáveis, pois tudo é muito mais simples: trata-se de viver. Será que estamos na presença da superioridade masculina? Em todo caso, é decepcionante, essa superioridade. 
     Essas são apenas algumas das muitas interpretações do interessante mergulho na verdade feminina, que o texto de Adriana Falcão e a direção de Henrique Tavares - através de seu acertado caminho - nos permitem.  
      Na Iluminação de Beto Bruel temos o reforço dos limites em que vivem aquelas duas mulheres "aprisionadas" pelo amor. As luzes marcam a sua "prisão". Como elas nascem da imaginação, uma vez concretizada a escolha da liberdade, as "luzes carcerárias" desaparecem... O cenário, e figurinos, marcam a época psicológica em que as duas persongens se movimentam. O figurino é responsável também pelo "desnudar da lagarta em borboleta" da última cena.        

     Música Tema de Clarice Falcão e Ricco Vianna (Rick de La Torre, bateria); Assistência de Direção: Alfredo Boneff.  NÃO PERCAM ESSA SUTIL HISTORIA DE DESAMOR!   

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