"Ideia Fixa", texto de Adriana Falcão, direção Henrique Tavares. Com Rodrigo Penna, Silvia Buarque e Guta Stresser. (Foto: Nil Caniné) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"Ilações".
São muitas as ilações que fazemos, ao assistir "Ideia Fixa", um texto
de Adriana Falcão, dirigido por Henrique Tavares. Duas mulheres (interpretadas
por Guta Stresser e Silvia Buarque), são abandonadas pelo mesmo homem (Rodrigo Penna) e, por
causa desse abandono, passam a viver em um limbo, esperando que algo aconteça. Durante
essa espera, muitas coisas acontecem... em direção ao nada. Ou em direção à liberdade!
Sim, porque elas estão, há 5 anos, presas a uma mesma esperança, a volta do homem amado.
Em seus movimentos delicados, quase de
balé (a direção é de Johayne Hildefonso),
e nas músicas ocultas que elas dizem ouvir, ficamos pensando, e fazendo "ilações"
entre as nossas heroínas e as mulheres esquimós, em seus iglus! Será que, naquele
continente gelado, quando abandonadas pelos seus homens, elas também percebem musiquinhas
"estalando nas suas cabeças", como as mulheres de "Ideia Fixa"? Talvez a música
das esquimós seja o ruído das focas e o bater do mar de encontro ao gelo ... Deve ser um ritmo lindo.
E são muitas as ilações a que o texto de
Falcão nos remete. As duas mulheres, vestidas em decadentes trajes de época, relembram
a "Sra. Havisham", aquela velhinha que vivia envolta em "trajes anacrônicos"
esperando a volta de seu amor, ou se vingando do seu desamor (adoro este romance de Dickens, "Grandes
Esperanças", o Brasil ainda está naquela época...). Também os trajes das mulheres
apaixonadas, nesta nossa atualidade, cheiram a mofo; e o ambiente (o do amor
rejeitado) é o mesmo, repleto de lembranças.
E o que se levanta, como uma surpresa, é que
estas duas mulheres do presente não se odeiam, e, aos poucos, vão entrando em
simbiose. No decorrer da historia, a dualidade existencial vai perdendo o seu
contorno, e as duas criaturas se transformam em uma só! Por sua vez, o
personagem de Rodrigo Penna, sobre o qual caem as idealizações das duas
mulheres, mostra-se um ser que só quer o óbvio, um bom uísque, paz, e viver a
sua própria vida. Talvez isso seja inteligência, mas seu eventual
"colocar-se" perante a situação revela uma falta de compreensão do
outro. E revela, surpreendentemente, a "banalidade do amor". O homem
simplesmente não entende o que está acontecendo com as duas mulheres, para ele,
o romantismo não tem fundamento. Talvez tenha razão, mas o que se revela ao público,
em contraste com a avassaladora paixão que desperta, é um homem bem banal. Complicado,
não?
Pois é através dessa "conflituação do
banal" que a autora nos remete ao que considera '"o fim do romantismo":
aquele "ser resplandecente" que as duas evocam, não passa de um homem
comum, inventado por elas. E o que se inicia como uma cena esfuziante, nas mãos de Guta Stresser - buscando
os recursos cômicos de sua personalidade de atriz - e de Silvia Buarque, contida
e interiorizada em sua personagem que representa, no caso, a mulher consciente (em
sua interpretação, a surpresa de uma atriz madura, interiorizada). Enfim, em cenas paralelas, acontece o desvendamento do homem.
A presença do personagem masculino (interpretado por Rodrigo Penna), repositario
da fantasia feminina, não se mostra a altura daqueles "corações
desvairados". Aliás, as coisas, para ele, em relação àquelas mulheres, são
inescrutáveis, pois tudo é muito mais simples: trata-se de viver. Será que estamos
na presença da superioridade masculina? Em todo caso, é decepcionante, essa superioridade.
Essas são apenas algumas das muitas
interpretações do interessante mergulho na verdade feminina, que o texto de
Adriana Falcão e a direção de Henrique Tavares - através de seu acertado caminho - nos permitem.
Na Iluminação de Beto Bruel temos o
reforço dos limites em que vivem aquelas duas mulheres "aprisionadas"
pelo amor. As luzes marcam a sua "prisão". Como elas nascem da
imaginação, uma vez concretizada a escolha da liberdade, as "luzes
carcerárias" desaparecem... O cenário, e figurinos, marcam a época
psicológica em que as duas persongens se movimentam. O figurino é responsável também
pelo "desnudar da lagarta em borboleta" da última cena.
Música Tema de Clarice Falcão e Ricco Vianna
(Rick de La Torre, bateria); Assistência de Direção: Alfredo Boneff. NÃO PERCAM ESSA SUTIL HISTORIA DE DESAMOR!
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