Páginas

sexta-feira, 23 de junho de 2017

"PENTESILEIA - Treinamento para a batalha final"


 Acima, Antonio Salvador como "Aquiles" e Maria Esmeralda Fortes como - "Pentesiléia". Autora: Lina Prosa. Direção:  Maria Thaís. (Foto Silvana Marques)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"PENSTESILEIA - treinamento para a batalha final", está em cartaz no Sesc Copa. O subtítulo esclarece o mito (restabelecido no texto da dramaturga italiana contemporânea Lina Prosa) sobre mulheres e antropofagia - tendo estas duas 'criações da natureza' se misturado nesta encenação.

     Em primeiro lugar, o espetáculo é altamente comprometido com o ato de pensar e o ato de sentir. São três monólogos dirigidos ao público pelos dois contendores (Pentesileia e Aquiles) que tentam equilibrar o sentimento (eterno, de amor e ódio) que domina a nossa civilização.      

     No primeiro monólogo Pentesiléia (Maria Esmeralda Forte), conta o que lhe vai no coração, aguardando o momento do encontro final com o guerreiro. O segundo monólogo é Aquiles (Antonio Salvador) fazendo uma homenagem à guerreira morta em campo de batalha, à mulher guerreira que ele admira. Destacamos que há - no momento dessa homenagem e junto com ela - o encontro vigoroso entre homem e animal (entre Aquiles e seu companheiro de batalha, o imortal cavalo Xanthos), encontro esse que prepara a cena para o crescendo final quando o guerreiro reabsorve o ímpeto para a luta. 

     Vejam bem: a cena entre Aquiles e seu cavalo Xanthos é um dos primorosos momentos do espetáculo, o homem em seu elemento: a guerra. É a animosidade em um crescendo, para estabelecer a fúria necessária para enfrentar (ou estabelecer) a morte. O outro momento primoroso do espetáculo, que mostra a assinatura das duas grandes artistas (Thaís e Esmé), é a cena da antropofagia...    

     O terceiro monólogo é a consumação do horror. É quando Pentesiléia deglute o seu amado. São raros estes momentos de completude cênica. Maria Esmeralda o consegue. O manjar nos leva à comunicação espiritual e ao breu! O treino acabou, a batalha está conclusa, não há vencedores, homem e mulher são um só - na verdade,  há um Renascer...

     A união destas três potências: Maria Esmeralda, Antonio Salvador e Maria Thaís  tornam possível o espetáculo e a sua cena final.

     Deixemos para o professor da Unicamp e tradutor do texto de Lina Prosa, Laymert Garcia dos Santos, resumir para nós o assombro:

     "Pentesiléia é a rainha das míticas Amazonas. Mas qual o sentido de sua existência insistente no mundo atual? Atravessando o Mito e a Historia, estirando um arco transtemporal, Lina Prosa a recriou como a impossível figura da mulher selvagem civilizada, que nos assombra e interpela."

     Iremos à procura dessa mulher guerreira.

     Um pouco sobre o elenco: Maria Esmeralda é atriz reconhecida das montagens de Nelson Rodrigues e dos espetáculos inesquecíveis de Amir Haddad. Esta montagem celebra os 80 anos da atriz. Antonio Salvador é seu companheiro de espetáculo e ator da Cia Teatro Balagan. Foi presença inesquecível também no espetáculo "Recusa", direção de Maria Thaís. Este "Aquiles" a que Salvador dá vida é um momento de grande competência e pontualidade teatral.

     As pausas, indicações, alterações e criatividade do espetáculo ficam sob a responsabilidade da artista sensível que é Maria Tahís e outros aspectos importantes dessa montagem, como a Iluminação de Aline Santini e a Trilha Sonora de Morris. A consultoria do universo feminino dos mitos ameríndios é de Rafaela Vargas e Marcelo Fortaleza Flores.  Cenografia e Figurino de Marcio Medina. Assistente de Direção Kátia Daher. VALE CONFERIR ESTE ESPETÁCULO MUITO ESTRANHO!    

      

sexta-feira, 2 de junho de 2017

CRIMES DELICADOS

André Junqueira (Lila), Well Aguiar (Hugo) e Bernardo Schlegel (Efigênia), em "Crimes Delicados", de José Antonio de Souza, direção Marcus Alvisi    (Foto Pablo Henriques)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

 CRIMES   DELICADOS

      Fomos assistir a "Crimes Delicados", de José Antonio de Souza, com direção de Marcus Alvisi, recordando a montagem do ano 2000, direção de Antonio Abujamra e tendo no elenco Nicette Bruno, Barbara Bruno e Paulo Goulart. Hoje a crítica é de 2017, com um elenco formado por André Junqueira, Bernardo Schlegel e Well Aguiar. Direção de Alvisi.  

     Não há nada mais atual do que este texto. Ele se debruça sobre a "mania de matar alguém" tão em voga atualmente, e que já era "moda" no tempo da ditadura militar. Segundo a "coxinha" Lila (personagem), a compulsão de matar é inspirada pelo "ódio" que ela sente, mas não sabe do que...O casal se apavora de parecer superficial perante os amigos e vizinhos e essa preocupação é hilariante. E também é engraçado quando o marido Hugo tenta explicar, de maneira "intelectualizada", o desejo de matar que  assalta o casal. Lila e Hugo resolvem se exercitar ensaiando seu primeiro crime contra um ser humano. Diz José Antonio: "depois de  matar os peixinhos do aquário, o gato, o cachorro... foi a vez da empregada".

     A primeira parte do programa do casal é um exercício para cometer crimes maiores. Non sense! Na verdade, (e para isso não há explicação), eles se preparam para matar os velhinhos da família! Ao que parece, tal plano é só para enfatizar a intenção maligna do casal. A idéia se estabeleceu porque "matar está na moda"! Efigenia, a empregada e primeira vítima, retorna sempre. É de José Antonio de Souza esta declaração feita na década de 70: "o eterno retorno da empregada é uma metáfora da resistência do povo - em qualquer país - independente do que ele sofra ao longo da história".

     Bem anos 70. As pessoas naquela época se preocupavam com o povo... e agora? O texto se inspira nos acontecimentos nefastos da ditadura militar. O teatro do absurdo, Ionesco e Beckett são lembrados e José Antonio de Souza explica: "a empregada retorna após a morte, diluindo a  noção de realidade".        

      Perfeito. "Matar"... Matar socialmente! A moda nos anos 70 está querendo voltar, e o engraçado (e terrível), nesta historia toda, é que Marcus Alvisi, o diretor atual, muito oportunamente traz para 2017 uma família de classe media (alta?) que quer matar "por causa do ódio" que sente. Lila e Hugo não localizam o seu ódio, só sabem que este sentimento os fortalece. O casal, Lila (André Junqueira, irreconhecível no papel da "coxinha") e Well Aguiar (como o marido Hugo) querem ser "moderninhos", e entrar na moda de matar. Muito bem, mas o casal não sabe o que os move, e a sua vítima preferida é Efigênia, a doméstica desprotegida que servirá de cobaia para os próximos assassinatos.
     Acontece que a vítima não é tão desprotegida assim, como era "a dócil filha da Casa dos Átridas", mas "a "outra" Efigênia". A criada tem recursos, e reage, e é  através dessa reação que começam os episódios engraçados criados pelo autor, e exacerbados  por  Marcus Alvisi. Ninguém sai ileso dessa loucura.
     O texto é surpreendente. Na época em que foi encenado passou incólume pela censura dos militares, pois a sutileza e a metáfora eram as armas dos dramaturgos da época.   Em 2017 o texto simplesmente brinca com essa mania dos "coxinhas" de matar alguém, de sentir "ódio"! E, ao mesmo tempo que Lila tem medo de parecer "superficial", ela quer ser respeitada pelo marido, quer ser uma mulher "decidida", mas  é hilária a maneira como se "desmancha" de pavor ao ver Efigênia morta retornar...

     Também é muito engraçado ver o marido "intelectualizar" o seu discurso. A ação é realmente absurda, mas o que presenciamos, no Teatro dos 4, em Ipanema, é um trabalho que ainda tem que ganhar ritmo. O fato de André Junqueira se enredar no texto, na cena inicial, é comprometedor, como o é a cena final, quando Efigênia retorna e o casal permanece em cena, não movendo um músculo para demonstrar seu desconforto com o retorno da morta. Não há jogo cênico, e não entendemos o porquê de um final tão opaco.  

     Na verdade, como se trata de uma comedia do absurdo, pode parecer proposital essa "opacidade". Ledo engano, esse tipo de comédia exige músculos e alma para que tudo  aconteça. Mesmo com estes pequenos defeitos a peça é interessante, e prende o espectador. A expressão corporal de "Madame Lila" faz jus à direção de movimento de Luciana Bicalho. Também a sua expressão facial de Lila (André Junqueira) nos coloca na presença ameaçadora da  assassina.

     Well Aguiar captou a fragilidade absurda de Hugo, porém seu desempenho necessita maior convicção, principalmente na cena inicial. Por outro lado, quando o ator "intelectualiza" os acontecimentos, seu desempenho é bem sucedido.   

     Às vezes os atores deste "Crimes Delicados" apresentam uma fragilidade deliciosa que atrai os melhores risos do público. Por exemplo: quando Lila "desaba" e foge - com a primeira aparição da empregada morta! Efigênia (Bernardo Schegel) é um ótimo personagem. Aliás, o texto é um exercício para os atores. Como diz Alvisi no programa da peça: "Hoje, o texto parece ganhar outra dimensão. Com uma sociedade doente e fragmentada em seus mais diversos aspectos, talvez "Crimes Delicados" revele ao espectador contornos insólitos...". É justamente essa fragmentação, essa doença da sociedade o que é importante, neste texto. Esperamos que os espectadores tenham consciência do momento que estamos vivendo. O teatro tem como função despertar o seu público. É histórico. Ao assistir "Crimes Delicados" constatamos que a peça é bem mais do que "uma tentativa de calar Efigênia"... (o povo). Ela confunde o público, é verdade, mas também o coloca a pensar.  

     A preparação vocal é de Rose Gonçalves. A trilha sonora de Marcus Alvisi e Tauã de Lorena, com a Iluminação de Carlos Lafert, consegue o recurso cênico do suspense. Maquiagem e efeitos de Lorena Rocha. Figurinos (adequados), de Talita Portela. Cenario (fácil de carregar quando em viagem...) de Gilvan Nunes. Direção Marcus Alvisi, sobre um texto de José Antonio de Souza. VALE CONFERIR 'CRIMES DELICADOS'.