André Junqueira (Lila), Well Aguiar (Hugo) e Bernardo Schlegel (Efigênia), em "Crimes Delicados", de José Antonio de Souza, direção Marcus Alvisi (Foto Pablo Henriques)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos
de Teatro - AICT)
(Especial)
CRIMES DELICADOS
Fomos assistir a "Crimes Delicados", de José Antonio de Souza,
com direção de Marcus Alvisi, recordando a montagem do ano 2000, direção de
Antonio Abujamra e tendo no elenco Nicette Bruno, Barbara Bruno e Paulo
Goulart. Hoje a crítica é de 2017, com um elenco formado por André Junqueira,
Bernardo Schlegel e Well Aguiar. Direção de Alvisi.
Não há
nada mais atual do que este texto. Ele se debruça sobre a "mania de matar
alguém" tão em voga atualmente, e que já era "moda" no tempo da
ditadura militar. Segundo a "coxinha" Lila (personagem), a compulsão
de matar é inspirada pelo "ódio" que ela sente, mas não sabe do
que...O casal se apavora de parecer superficial perante os amigos e vizinhos e
essa preocupação é hilariante. E também é engraçado quando o marido Hugo tenta
explicar, de maneira "intelectualizada", o desejo de matar que assalta o casal. Lila e Hugo resolvem se
exercitar ensaiando seu primeiro crime contra um ser humano. Diz José Antonio:
"depois de matar os peixinhos do aquário, o gato, o cachorro...
foi a vez da empregada".
A
primeira parte do programa do casal é um exercício para cometer crimes maiores.
Non sense! Na verdade, (e para isso não há explicação), eles se preparam para
matar os velhinhos da família! Ao que parece, tal plano é só para enfatizar a
intenção maligna do casal. A idéia se estabeleceu porque "matar está na
moda"! Efigenia, a empregada e primeira vítima, retorna sempre. É de José
Antonio de Souza esta declaração feita na década de 70: "o eterno retorno
da empregada é uma metáfora da resistência do povo - em qualquer país -
independente do que ele sofra ao longo da história".
Bem anos 70. As pessoas naquela época se
preocupavam com o povo... e agora? O texto se inspira nos acontecimentos
nefastos da ditadura militar. O teatro do absurdo, Ionesco e Beckett são
lembrados e José Antonio de Souza explica: "a empregada retorna após a
morte, diluindo a noção de realidade".
Perfeito. "Matar"... Matar
socialmente! A moda nos anos 70 está querendo voltar, e o engraçado (e
terrível), nesta historia toda, é que Marcus Alvisi, o diretor atual, muito
oportunamente traz para 2017 uma família de classe media (alta?) que quer matar
"por causa do ódio" que sente. Lila e Hugo não localizam o seu ódio, só
sabem que este sentimento os fortalece. O casal, Lila (André Junqueira,
irreconhecível no papel da "coxinha") e Well Aguiar (como o marido
Hugo) querem ser "moderninhos", e entrar na moda de matar. Muito bem,
mas o casal não sabe o que os move, e a sua vítima preferida é Efigênia, a
doméstica desprotegida que servirá de cobaia para os próximos assassinatos.
Acontece que a vítima não é tão desprotegida
assim, como era "a dócil filha da Casa dos Átridas", mas "a
"outra" Efigênia". A criada tem recursos, e reage, e é através dessa reação que começam os episódios engraçados
criados pelo autor, e exacerbados por Marcus Alvisi. Ninguém sai ileso dessa
loucura.
O texto é surpreendente. Na época em que
foi encenado passou incólume pela censura dos militares, pois a sutileza e a
metáfora eram as armas dos dramaturgos da época. Em 2017
o texto simplesmente brinca com essa mania dos "coxinhas" de matar
alguém, de sentir "ódio"! E, ao mesmo tempo que Lila tem medo de parecer
"superficial", ela quer ser respeitada pelo marido, quer ser uma
mulher "decidida", mas é
hilária a maneira como se "desmancha" de pavor ao ver Efigênia morta
retornar...
Também é muito engraçado ver o marido
"intelectualizar" o seu discurso. A ação é realmente absurda, mas o
que presenciamos, no Teatro dos 4, em Ipanema, é um trabalho que ainda tem que
ganhar ritmo. O fato de André Junqueira se enredar no texto, na cena inicial, é
comprometedor, como o é a cena final, quando Efigênia retorna e o casal permanece
em cena, não movendo um músculo para demonstrar seu desconforto com o retorno
da morta. Não há jogo cênico, e não entendemos o porquê de um final tão
opaco.
Na verdade, como se trata de uma comedia
do absurdo, pode parecer proposital essa "opacidade". Ledo engano,
esse tipo de comédia exige músculos e alma para que tudo aconteça. Mesmo com estes pequenos defeitos a
peça é interessante, e prende o espectador. A expressão corporal de "Madame
Lila" faz jus à direção de movimento de Luciana Bicalho. Também a sua expressão
facial de Lila (André Junqueira) nos coloca na presença ameaçadora da assassina.
Well Aguiar captou a fragilidade absurda
de Hugo, porém seu desempenho necessita maior convicção, principalmente na cena
inicial. Por outro lado, quando o ator "intelectualiza" os
acontecimentos, seu desempenho é bem sucedido.
Às vezes os atores deste "Crimes
Delicados" apresentam uma fragilidade deliciosa que atrai os melhores
risos do público. Por exemplo: quando Lila "desaba" e foge - com a primeira
aparição da empregada morta! Efigênia (Bernardo Schegel) é um ótimo
personagem. Aliás, o texto é um exercício para os atores. Como diz Alvisi no
programa da peça: "Hoje, o texto parece ganhar outra dimensão. Com uma
sociedade doente e fragmentada em seus mais diversos aspectos, talvez "Crimes
Delicados" revele ao espectador contornos insólitos...". É justamente
essa fragmentação, essa doença da sociedade o que é importante, neste texto. Esperamos
que os espectadores tenham consciência do momento que estamos vivendo. O teatro
tem como função despertar o seu público. É histórico. Ao assistir "Crimes
Delicados" constatamos que a peça é bem mais do que "uma tentativa de
calar Efigênia"... (o povo). Ela confunde o público, é verdade, mas também
o coloca a pensar.
A preparação vocal é de Rose Gonçalves. A
trilha sonora de Marcus Alvisi e Tauã de Lorena, com a Iluminação de Carlos
Lafert, consegue o recurso cênico do suspense. Maquiagem e efeitos de Lorena
Rocha. Figurinos (adequados), de Talita Portela. Cenario (fácil de carregar quando
em viagem...) de Gilvan Nunes. Direção Marcus Alvisi, sobre um texto de José
Antonio de Souza. VALE CONFERIR 'CRIMES DELICADOS'.
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Nossa, talvez, primeira crítica.
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