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segunda-feira, 29 de maio de 2017

A VIDA PASSOU POR AQUI



Claudia Mauro e Édio Nunes em "A vida passou por aqui", de Claudia Mauro, direção Alice Borges.
(Foto Dalton Valerio)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

A VIDA PASSOU POR AQUI
    
     Desde seu título, "A vida passou por aqui", a historia narrada por Claudia Mauro é um acerto completo. Pois não é que a autora nos conta a vida, dançada e vivida, em todos (ou quase todos), os seus desdobramentos? E, outra ótima idéia, que parece ter sido criação de todos os envolvidos: as trocas de cena são feitas através das músicas que costuram o espetáculo!

     Juventude, início do amor, amizade e o último ato, velhice e doença  ... se revezam em pouco mais de sessenta minutos de espetáculo. E, nesta surpreendente lição de vida, somos colhidos pela alegria de viver!

     Claudia merecia todos os prêmios como atriz pela transformação de seu rosto, ao passar por todas as idades. Uma transformação que não faz uso de maquiagem nem de recursos cênicos: é interpretação pura! Impressionante. Além da ótima interpretação de Claudia Mauro temos Édio Nunes, que, com sua alegria e talento, acentua e enriquece a proposta bem vinda.

     No palco, temos a interpretação de dois amigos que se reencontram e que comemoram a vida, o "estar vivo". Essa proposta atravessa o tempo e a amizade. Claudia Mauro (a quem Deus prometeu e cumpriu); e Édio Nunes, seu parceiro, tornam delicioso esse encontro entre a vida e a morte - em uma visão que nada tem de sombria.  

     E, realizando mais um de seus trabalhos marcantes, temos o olhar carinhoso e competente da diretora Alice Borges. Um trio perfeito. Aliás, um quarteto, pois Marcos Ácher faz a assistência de direção.

     O fato é que saímos do teatro com a alegria contagiante de ter assistido a um bom  espetáculo. A autora trata com suavidade e amor de problemas da vida e da morte, mas a idéia de sua realização é simples, como é simples o cenário de Nello Marrese, com sofá, mesa, televisão e prateleiras que escondem objetos de cena. Eles, esses objetos, se materializam conforme as necessidades da narrativa! Pelo menos essa é a impressão que fica, pois somos tomados pela magia da realização teatral. Também os figurinos de Ana Roque causam essa surpresa. É tudo muito envolvente, e mergulhamos de tal maneira no espetáculo que não sabemos se é verdade ter visto uma saia vermelha e um salto alto da mesma cor, quando a personagem, jovem ainda, sai para dançar na gafieira! 

     Sentimos as transformações à medida que os desdobramentos dos personagens o solicitam. Assim como o gestual, tanto de Claudia Mauro (perfeito, em sua observação de uma pessoa no fim da vida, tentando viver depois de um AVC...), como o de Édio Nunes, que entra em cena cantando e estabelecendo o tom do espetáculo. A coreografia é de Édio, ótimo bailarino. (Aliás, os dois atores são bailarinos). Édio cria as coreografias e as transmite, marcando, com humor, o passar do tempo dos personagens. Aliás, humor é o que não falta nesta historia. A própria senhora acometida do "mal da idade" tem um senso de humor cortante. 

     A Iluminação luxuosa é de Paulo Cesar Medeiros, assim como é luxuosa a trilha sonora de Claudio Lins e a função de Coach de Larissa Bracher! A Pesquisa Musical, muito apropriada, é de Patrícia Mauro. Atriz Stand in (outra boa idéia): Renata Paschoal; Designer Gráfico: Marcos Árcher; Fotos: Dalton Valerio; Assessoria de Imprensa: João Pontes e Stella Stephany. NÃO PERCAM!              

terça-feira, 23 de maio de 2017

I V A N O V

Em cena: Isio Guelman (Ivanov); Mayara Travassos (Sacha); Marcelo Aquino (Lvov); Marcio Vito (Pacha) e Mario Borges (Micha), em 'a cena do casamento'.  Ivanov, de Tchecov, direção Ary Coslov. (Foto Dalton Valerio).


IDA  VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     O renascimento do Teatro Ipanema está dando bons frutos: desta vez temos o  dramaturgo russo, Anton Tchecov com Ary Coslov na direção, ressuscitando o teatro de Rubens Correa! Sim, a assinatura dos dois talentos, o russo e o brasileiro, traz de volta a grandeza do teatro dos anos 70, de Rubens. A peça de Tchecov, Ivanov, escrita em 1887 e em cartaz no Rio de Janeiro neste maio de 2017, é reconhecida como o primeiro texto completo do autor russo.

     Eis os personagens: O típico agregado, o homem do povo russo, o bebedor de vodka e falastrão que chega a sufocar o público (às vezes!), e irritar Ivanov com sua exuberante energia, é Micha. Você está vivo e magnífico, na interpretação de Mario Borges, Micha! E há o senhorzinho, Ivanov! o homem acostumado com o seu dinheiro e seus cálculos; ou será um intelectual perdido na mediocridade da província? Ou simplesmente um caçador de dotes? Isio Guelman está brilhante, interpretando Ivanov.

     E 'essa crítica que vos escreve' vai - de surpresa em surpresa, de emoção em emoção - testemunhando o desenrolar da cena perfeita. Cenario (Marcos Flaksman) simples, com praticáveis que solucionam as cenas, e onde pequenas projeções sobre tela  representam a natureza. E a luz mágica (Aurélio de Simoni), marcando locais e emoções! Que bela a luz vermelha que incendeia a 'natureza', quando a sofredora esposa de Ivanov, Anna Pedrovna, explode de amor! Magnífica e contida, Sheron Menezzes se transforma em indignação, quando, no final, Anna descobre a verdade.

     O elenco é excelente!

     Marcelo Aquino interpreta o médico Lvov (quem admira Tchecov já deve ter percebido que o dramaturgo - também ele um médico - traz presente em suas peças esse personagem observador de corpos e almas). Saudamos a grandeza do Dr. Ievguêni Lvov, interpretado por Aquino. O ator transmite a paixão do médico e nos faz suspeitar que Ivanov tem um pouco de Tartufo, em seu descompromisso com a moral! Sim, Aquino/Lvov traz à cena, sem ironia, a  voz de Tchecov.

     Mas quem é Ivanov, afinal? Tchecov nos confunde. O personagem título é uma charada e uma angustia plena. Isio Guelman nos transmite, com precisão, o que chamaríamos de a 'inadequação para a vida' do personagem.

     Marcio Vito é Pável Liébedev (Pacha). Um homem e um pai. Deixa-se conduzir (dominar?) pela mãe da jovem Aleksandra, filha casadoira de Pacha. Esse homem é bonachão, simpático, ardiloso... e dominado pela mulher! É o típico burguês de Tchecov, que trafega muito bem tanto pelo mundo de Micha e suas vodkas, como pelo confuso mundo de Ivanov. Ele contemporiza, e é um dos responsáveis pela deliciosa ironia (sutil?) do autor. Marcio Vito/Pacha é outra surpresa emocionante interpretando o personagem.

     Temos grandes atores em cena. E temos agora a jovem Aleksandra (Sacha) interpretada pela atriz Mayara Travassos. Uma atriz sensível, que nos apresenta uma jovem adolescente apaixonada pelo amor. Mayara coloca em cena todo o vigor de Sacha em sua visão romântica da mulher do século XIX.

     Os figurinos de Beth Filipecki são lindos e apropriados. A trilha sonora de Ary Coslov inicia-se clássica, sem sobressaltos, guardando os mesmos para o final, quando faz uma homenagem aos anos 70? O público fica surpreso, mas os Beatles fazem sentido naquela hora! É de Isio Guelman o belo design gráfico do programa. Assessoria de Imprensa de SPontes - João e Stella Pontes. Tradução, Adaptação e Direção de Ary Coslov.  
             

     E o espetáculo se encerra com o questionamento de Tchecov, ao qual estamos acostumados: se você destacar um objeto de cena no início da peça, terá que justificá-lo em algum momento, até o final da mesma. Em Ivanov, sua primeira peça longa ("completa", como nos lembra Ary Coslov), o autor nos desafia com sua precisão, e a sólida estrutura de sua construção dramática. É ver para crer.