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domingo, 26 de agosto de 2012

"ESCRAVAS DO AMOR"

Fabrício Belsoff (Bob), Roberto Lobo (o pai), Juliana Baroni (Malu), Rose Abdallah (a mãe), Sergio Marone (Claudio), Cristina Mayrink (Glorinha) em "Escravas do Amor"  (Foto Agência News)





CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


ESCRAVAS DO AMOR é um folhetim escrito por Nelson Rodrigues, em 1944, sob o pseudônimo de Suzana Flag. Na montagem de Os Privilegiados, dirigida por João Fonseca, entre cortes e inserções chegamos ao 12º capítulo: "Eis o meu amor", com a famosa conclusão do "parentesco" mãe e filhos, final de todo melodrama. Acontece que essa hilária enrascada da família Maia, com seus agregados e desafetos, arma-se em um  cenário cujos acontecimentos narram, com desenvoltura corporal e de interpretação, os capítulos de um folhetim: são tangos e boleros amarrando a ação, como "Quiero que vivas solo para mi", ou "Besa-me mucho". João Fonseca vai dominando a linguagem musical com tal adesão do elenco, que a peça pode ser confundida, em seu início, com o esboço de um musical. E os capítulos se sucedem: "O meu amor enlouqueceu", ou "Ódio maior do que o amor", e assim por diante, apresentados diretamente para a platéia, pelos atores.
     Mas, se hoje podemos chamar a atual façanha de João Fonseca de folhetim-em-cena - no qual os atores relatam ao público as ações dos personagens (com um efeito surpreendente), podemos lembrar que essa linguagem foi inaugurada em 1990 por Aderbal Freire Filho, quando levou  para o palco o romance-em-cena, na íntegra. O primeiro foi "A Mulher Carioca aos 22 Anos", escrito por João de Minas, em 1923. Esse autor foi considerado um antecessor de Nelson Rodrigues, por sua postura crítica em relação à sociedade de seu tempo. Só para ilustrar: depois vieram, com direção de Aderbal e também na íntegra, "O que diz Molero", de Diniz Machado (montagem de 2003), e "O Púcaro Búlgaro", (2006), uma espécie de diário, de Campos de Carvalho. A primeira incursão do romance-em-cena causou estranheza, hoje foi absorvido. Em 1996 João Fonseca propôs a Antonio Abujamra a adaptação do romance de Nelson Rodrigues, "O Casamento". Temos ainda, com essa linguagem direta e na terceira pessoa, "Obsessão", texto de Carla Faour, claramente inspirado em Nelson Rodrigues.
     "Escravas do Amor" conta as peripécias da família Maia, e seus amores. Não é uma família convencional, claro, mas é aquela que habita o nosso inconsciente, aquele local do cérebro em que se alojam as coisas que não podem ser. A família Maia se enquadra neste espaço, e nela o pai e a mãe vivem em desenfreado desentendimento, enquanto a esposa se deixa fascinar por garotos. Aliás, a tendência de todos os personagens é agir de maneira inusitada, nada civilizada. Daí o seu irresistível apelo cômico. Aos poucos, e no decorrer das peripécias, vemos o autor brincar com situações e personagens que brotam de sua imaginação. A cada capítulo aparece um novo personagem, como o homem da cara marcada, o Professor Jacó (o "scarface" hipnotizador, interpretado por Humberto Câmara); ou mordomo intrometido e a empregada desvairada, interpretados pelo mesmo ator, Celso André (não o percam de vista! Juro que já o vi em uma peça de Pedro Brício); e o garoto que "quer se dar bem", Bob (Fabricio Belsoff), e realmente, acaba se dando; ou a mãe louca (bom momento de Paula Sandroni); e Roberto Lobo, ambos da Companhia, fazendo o pai descontrolado; e Dudu Sandroni (ator Convidado), interpretando o  médico aloprado; Cristina Mayrink, a amante Glorinha, e Rose Abdallah a hilária mãe/amante, ambas pertencentes ao grupo. Juliana Baroni (convidada), é a filha Malu. Há ainda a solteirona, interpretada com acerto por Filomena Mancuso. Isley Clare é a amiga e Alexandre Conti, o noivo. Sergio Marone, excelente ator, interpreta Claudio, o quid-pro-quo do folhetim. Alguns são atores convidados e outros pertencem a Os Privilegiados desde o início, em 1991.
     A ação se passa na década de 40, do século XX. Na ficha técnica, cenário e figurinos de Nello Marrese; coreografia de Ana Bevilaqua; trilha sonora do diretor e de Rafaela Amado. As ações vão se encaixando e, na presença de um público atento e surpreendido, chegam a um "final apaziguado". Ponto para o autor, que imaginou um folhetim cuja frenética loucura provoca a adesão irrestrita da plateia. Ponto para o diretor, que consegue armar e desarmar quebra-cabeça tão intrincado. É bom ver bom teatro. 

domingo, 12 de agosto de 2012

"ALGUMAS AVENTURAS DAS 20.000 LÉGUAS SUBMARINAS"

Em cena de "Algumas aventuras de 20.000 léguas submarinas". Mouhamed Harfouch (Capitão Nemo), Erom Cordeiro (Ned Land), Augusto Madeira (Conselho), Alexandre Dantas (Professor Pierre Aronax)
foto divulgação 

IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     O espetáculo infanto-juvenil "Algumas aventuras da 20.000 léguas submarinas" ficou tão interessante, que até os adultos se deliciam com ele. Texto, diretor, autor e ficha técnica se reuniram para realizar a façanha de levar Jules Verne ao palco sem as limitações de uma cena pobre. Tudo o que vemos tem amparo e substância. É o famoso teatro do "ensemble", tão festejado pelos franceses, no qual todos os elementos da cena interagem com a mesma precisão: atores, encenadores, palco cênico, são um acerto só.  E, neste sentido, o texto de Fátima Valente e a direção de Antonio Carlos Bernardes apostam em um espetáculo vivo e bem construído, desde a primeira cena, do naufrágio da fragata Abraham Lincoln, passando pelo tubarão atacando os humanos, até seu final. Neste sentido, a sucessão de cenas rápidas mantém a atenção do público.    
     As soluções do cenógrafo Carlos Alberto Nunes, unido ao cenotécnico Marco Souza e seus colaboradores, fazem o prodígio de revezar, em cena, os vários aposentos do Nautilus (o submarino inventado pelo Capitão Nemo), e unir a eles as visões do oceano profundo. É com puro encantamento que jovens e adultos observam as profundezas do mar, especialmente a passagem de Atlântida, a cidade encoberta, trazendo para a cena o ponto alto dessa demonstração estética "art-nouveau", que é o espetáculo. A reprodução em miniatura do Náutilus é uma pequena joia, de Nilton Katayama.
     Capitão Nemo (em carismática interpretação de Mouhamed Harfouch), como vocês devem saber, é um homem tão desiludido com a barbárie humana, que resolveu se mudar para o fundo do mar. Vai daí uma crítica que Jules Verne faz aos desmandos da humanidade, crítica essa que se ajusta a todos os tempos. Porém, Nemo é radical, e pode não ser bem compreendido pelos jovens de hoje, que ainda possuem ilusões a respeito do gênero humano. Quem não se lembra do sentimento de estranheza que tínhamos,  muito jovens ainda, quando líamos sobre esse "capitão dos mares" tão desiludido com os acontecimentos na terra?
     Fazendo o jogo cênico com o capitão, temos as excelentes interpretações de Alexandre Dantas, como o Professor Pierre Aronax, o estudioso que se deslumbra com os acontecimentos no Nautilus; seu assistente, Conselho (uma hilária interpretação de Augusto Madeira), e Erom Cordeiro, como o Ned Land o "arpoador da marinha americana" que, pego de surpresa nesta nova aventura, sente saudades de sua firme terra, e dos quitutes inerentes à mesma (ele já não aguenta mais comer peixe...). Marcio Malvarez é o capitão Farragut, comandante da fragata Abraham Lincoln. Ele desaparece, junto com o seu navio. Temos ainda, neste elenco de 8 atores, os soldados, interpretados por Dio Jaime, Marcos Pereira e Gabriel Bezerra, e ajudantes de cena, a caráter.
     São narrados apenas alguns trechos desta obra de Jules Verne (sua viagem tomaria, com certeza, mais do que a 1 hora de duração do espetáculo). Esta é a medida necessária para manter a atenção das crianças, que permanecem absortas nos acontecimentos. Um destaque especial para Paulo Cesar Medeiros na luz, e os figurinos precisos de Kika Lopes e Masta Ariane; a música original é de Marcelo Alonso Neves, com adicional de Camille Saint Saens (o preferido de Proust, lembram?). Direção de movimento de Duda Maia. Videografismo dos irmãos Rico e Renato Vilarouca. Para quem está acostumado com o teatro infantil, mais preocupado em divertir do que desenvolver senso estético e gosto pela palavra (aliás, pela atenção com que o público jovem acompanha o espetáculo, percebemos que está mais do que em tempo de equiparar essa linguagem com a do cinema de aventura). Tal fato, o diretor Bernardes percebeu, com este Jules Verne cheio de emoções e imagens inesperadas. Um bom espetáculo, para agradar a todas as idades. (E uma porta que se abre, convidando a crítica a conferir outros espetáculos do gênero).             

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

"UMA NOITE NA LUA"

Gregorio Duvivier em "Uma Noite na Lua" (foto divulgação)



IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


     Um bom exemplo de virtuose cênica é o de Gregorio Duvivier, que reestreou no teatro do Jockey com o monólogo "Uma Noite na Lua". Texto e direção de João Falcão, para um espetáculo urbano que apresenta uma linguagem gestual bastante sofisticada. Em sua procura de sofisticação, o figurino de Hugo Leão colabora, uma vez que o personagem de Duvivier movimenta-se com a desenvoltura de quem está vestido a caráter, em seu smoking cor de cinza. Ou talvez, ainda, pelo fato de o ator mostrar uma ótima formação de mímico, o que dá uma marca ao espetáculo, com sua linguagem bem acabada gestualmente, quase um balé.     
    Em seu texto, Falcão imagina um autor teatral que oferece uma peça de teatro inexistente, e se compromete a entrega-la, da noite para o dia, criando-a do nada, em uma única noite. Aí começam os problemas, que são acompanhados por gestos e frases bastante eloquentes, do comprometido autor. Vamos nos ater apenas aos gestos dessa noite insone, uma vez que as frases, quase sempre, são de dor pela ausência da amada Berenice, que o abandonou, ou pela angústia de não conseguir realizar o seu prometido ato de criação.
     O melhor, que é incorporado à cena, são os gestos de Gregorio Duvivier: o jogo com o chapéu, que lembra as brincadeiras dos palhaços de Beckett em "Esperando Godot", algo meio clown (talvez à sua revelia). Ou a concretização de objetos imaginados. Medalha em excelência mímica, tudo o que Gregorio enfatiza se transforma em realidade: a bola de tênis, as visões em espaços imaginários e, coroando a cena, o retorno da amada... Observamos ainda, que em "Uma noite na Lua" há a criação de uma técnica nova, "Assistente de Memorização", feita por Clarice Falcão, algo que se imagina muito útil, em se tratando de monólogos, pois a memória do ator, nestas circunstâncias, é a sua única defesa. A direção musical de "Uma Noite na Lua" é de Dani Black e Maycon Ananias. Preparação gestual de Gilvan Gomes. O autor, além da direção, cria a trilha sonora e os reajustes na iluminação. Um trabalho de ourivesaria, portanto. Há um clima expressionista no espetáculo, com seu jogo de luz e sombra. Vale a pena ir ao teatro do Jockey.
    



domingo, 5 de agosto de 2012

"O CARA"



Paulo Mathias Jr em "O CARA", direção de Miguel THIRE
Estreia Teatro Paulo Pontes - NET (foto divulgação)
 "O CARA"    

     Reestreia de "O Cara", texto e  direção de Miguel Thire, teatro Paulo Pontes - NET.   Monólogo com o ator Paulo Mathias Jr., uma espécie de "comediante aloprado", lembrando um pouco Jerry Lewis. Suas veias, seus músculos, sua expressão e voz  entram em cumplicidade com o público, atestando o grande comediante. Fui ver "O Cara"... mas não era uma comédia! Ou melhor, como Molière, Martins Pena e os comediantes da praça, a seriedade, a política, a ambição desmedida e a solidão - estavam todas lá, transmitidas pelo texto crítico de Miguel Thiré!  
     Por momentos tememos identificar no personagem, cujo nome é Getúlio Batista, uma crítica declarada a alguns bem sucedidos homens de negócios brasileiros, também chamados Batista, e que também possuem a mão de Midas, aquele rei da mitologia que transforma  em ouro tudo o que toca. Porém Mathias Jr não se limita só a ser só um gênio das finanças, ele vai se multiplicando em diversos personagens, que podem ser o amigo, a vizinha, os opositores, além do próprio Batista, é claro, o jovem que se propõe ser, aos 30 anos, o homem mais rico do mundo! E o consegue. Porém, é no momento em que ele atinge seu sonho que os dissabores começam a acontecer, mostrando que o futuro pode ser assustador. A trama, muito bem trabalhada, é um enfrentamento à febre consumista que assola a nossa sociedade. Em boa hora o autor se refere a esse fenômeno. 
     Miguel Thiré resolve enfrentar seu tema fazendo a opção de estrear "sem patrocínio". Vemos, na ficha técnica do espetáculo, uma estranha representação, na qual  colaboradores pouco prováveis comparecem, como por exemplo Robert de Niro, stand-in de Mathias; ou a assistência de direção feita por Steven Spilberg (o primeiro assistente, na real, é Raquel Alvarenga). Mas a preparação corporal é de Arnold Schwarzenegger, e o camareiro é Eike Batista. O web designer é Steve Jobs. A produção executiva, no mundo real, é de Rachel Lamm (a cara de Deborah Lamm). Trata-se de uma brincadeira simpática, como simpático é o espetáculo. Parabéns pelo seu retorno (estreou no Centro Cultural da Justiça Federal). Diretor e ator continuam a alegrar seu público, e fazê-lo pensar. Longa vida e boas platéias para "O Cara"!






sexta-feira, 3 de agosto de 2012

"QUASE NORMAL"

Vanessa Gerbelli (Diana, a mãe); Cristiano Gualda, (Dan, o pai) e Olavo Cavalheiro (o filho Gabe, em um de seus passeios, na imaginação da mãe) Foto: divulgação

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     "Quase Normal" é um musical cujo tema é o sofrimento de alma de uma mãe, e seu caminho para a liberdade e o autoconhecimento. O texto de Brian Yorkey, com música de Tom Kitt, Prêmio Pulitzer de 2010, traz para a cena o transtorno bipolar, uma doença que pode afetar o dia a dia da uma família, como acontece com o simpático casal Diana e Dan Goodman e sua filha Natalie. Os delicados caminhos desse "Quase Normal" fazem-no uma exceção em sua categoria. Tadeu Aguiar, que adaptou o texto e dirigiu o espetáculo, foi pego pela emoção do que se passava em cena, quando assistiu na Broadway ao espetáculo, cujas músicas complementam a ação, no compasso de uma ópera rock.       
     A cena começa com o encontro matinal da família, culminando, esse encontro, com o procedimento inusitado da mãe, ao colocar os pães, dos sanduíches que prepara, enfileirados no chão! Este procedimento toma de surpresa a plateia desavisada, ao lançar problemas de laços partidos e terapias. Há outros musicais com temas que colhem os espectadores de surpresa, como "Angels in America", também ganhador do Pulitzer, levando à cena os problemas da Aids. Há outros musicais que abordam temas profundos, entretanto, em "Quase Normal" somos pegos pelo drama de uma mãe que perde um filho. Ficamos sabendo que o transtorno bipolar pode ser desencadeado por um trauma e, de supetão, entramos no conflito de uma bela família que abriga a dor. Gabriel Goodman, o filho que compartilha a mesa (Olavo Cavalheiro, em comovente desempenho), é apenas uma doce criação de sua mãe, pois ele faleceu quando era ainda um bebê.
     As cenas em que Gabriel aparece aos olhos de sua mãe adaptam-se à criativa cenografia de Edward Monteiro, com seus vários planos que facilitam os deslocamentos do personagem e ampliam o problemático espaço cênico do teatro Clara Nunes. A lembrança do filho é uma recorrência dramática e as intermitências de sua presença são os instantes mais fortes da dor.  
     A evolução da história narrada é marcada pelo tratamento da síndrome bipolar. Os delírios da imaginação da mãe envolvem os psicanalistas que a tratam e os transforma, aos olhos dela, em bailarinos de tango, e assim, temos a integração analista/analisando através dos passos de Dr. Fine (André Dias) dançando um tango argentino com Diana; ou o Dr. Madden (também André Dias), intervindo na imaginação da mãe como se fosse um rockstar. Estas cenas quebram o clima trágico, dando respiração ao espetáculo. Vanessa Gerbelli, como Diana Goodman, é o destaque, com uma atuação segura e um perfeito domínio de voz e palco. Nas vezes em que é solicitada a executar alguns passos de dança, o faz com leveza e precisão. Cristiano Gualda, o correto marido Dan, completa o acerto da escolha dos atores. Para o marido apaixonado, o importante é conservar o casamento e o amor. A filha, Natalie Goodman (Carol Futuro), leva com humor o "segundo plano" a que é relegada na vida da família. Henri é o namorado de Natalie, interpretado com discrição por Victor Maia. O elenco é perfeito, em sua demonstração de técnica e sentimento. Na ficha técnica temos um diretor sensível, Tadeu Aguiar, e a preparação vocal de Mirna Rubin (dá vontade de se inscrever em suas aulas de canto); os figurinos bem adaptados para as cenas são de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo. Direção musical de Liliane Secco; adereços de Clívia Cohen. Coro e substitutos dos atores: Aurora Dias, Rafael de Castro e Gabriel Falcão. Diretora assistente e coreógrafa: Flavia Rinaldi. "Quase Normal" é um espetáculo comovente, que pode levar às lágrimas.