"O BEIJO NO
ASFALTO - O MUSICAL"
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Com um elenco de treze atores, está em cena
no Rio de Janeiro a versão musical de "O Beijo no Asfalto", de Nelson
Rodrigues. Inspiração de Claudio Lins, direção de João Fonseca. E eis que volto
ao musical, dessa vez com dramaturgia do "nosso Sakespeare", Nelson
Rodrigues, já que meu reencontro com essa linguagem teatral se deu com o
próprio "bardo" inglês, com "A Megera Domada", em adaptação para musical
com o título de "Kiss me, Kate!". Duas experiências maravilhosas. A respeito de Kate já falei, em crítica anterior. Passemos a Nelson Rodrigues.
Aliás, a inspiração para musical de
"O Beijo no Asfalto" foi de João Fonseca, respondendo a uma proposta
de Claudio Lins. O Projeto teve inicio em 2009. Há que se respeitar o trabalho
de montagem de um espetáculo. Claudio
Lins selecionou (e compôs) misturando as músicas do espetáculo, qual Abujamra fazia com os textos. Podemos dizer que
o resultado é surpreendente: músicas já conhecidas e composições feitas por
Claudio, exclusivamente para o espetáculo. E o texto de Nelson Rodrigues, na
íntegra, sem perder a força!
Na
ficha técnica temos 43 profissionais, destaque para os músicos:
... e as músicas. Tocadas ao vivo, têm no Piano
e Regência: Evelyne Garcia/Herbert Souza; Baixo: Matias Correa/Pedro Aune; Bateria e Percussão: Claudio Lima; Trombone:
Wanderson Cunha/Bebeto Germano; Sax, Clarinete e Flauta: Alex Freitas/ Raphael
Nocchi.
A historia do "homem bom" - e de
como é difícil ser "um homem bom"-, é protagonizada por Claudio Lins
que possui, inclusive, o physique du rôle. Como a bondade não tem nuances, mas só aflições,
o desempenho de Lins se resume ao pavor de ser bom. Ele é um ator que canta, e
seu solo encerra o espetáculo: trata-se de uma música de Miguel Gustavo,
"O Beijo no Asfalto", mas há algo, talvez o "ruído" do
cenário, talvez a consternação do personagem, que não o deixa alçar vôo como
cantor. Claudio Lins fica nos devendo um grande solo. Outro "ator que
canta" é Gracindo Junior (Aprigio, o pai das meninas), que consegue dar uma
impressionante interpretação de "Alguém", em "Abismo de amor",
de Cândido das Neves. Mas atriz/cantora mesmo (vejam a diferença) é Laila Garin, intérprete
de Selminha, a esposa de Arandir, "o homem que beijou outro homem na boca".
Laila Garin, nas primeiras cenas, é uma "enfatiotada" mocinha, com
cara de tola. Não "apostamos", a princípio, em sua interpretação.
Porém ela cresce. Qual o quê! Mostra-se "um monstro" da cena, ao cantar
"Toda Noite" e "A Noite do Meu Bem", de Dolores Duran. A
gente tem que segurar a vontade de chorar. O seu canto, para o pior dos
infernos, atrai o mal. (Assista o espetáculo, e confirme).
Encarnando o demônio está Thelmo
Fernandes, interpretando o jornalista Amado Ribeiro, personagem real, da sessão
de polícia da Última Hora, do Samuel
Wainer (não esquecer que Nelson Rodrigues trabalhou naquele jornal e sabia do
que estava falando). Thelmo canta e conta, como bom ator que é. Destaque para
"Sou porco sim". Outro ator que, para mim, andava desaparecido, e que
tem uma presença cênica e um tempo de comédia invejável é Jorge Maya, que
também canta - e bem - interpretando o auxiliar de polícia Aruba. Sua
"cúmplice", a diretora de movimento Sueli Guerra, dá-lhe todas as
ocasiões para brilhar, e ele as sabe aproveitar. Parabéns aos dois!
E chegamos em Claudio Tovar, criatura
sempre bem vinda em musicais, tanto pelo seu à vontade em tais apresentações
cênicas, quanto em seu desempenho bem sucedido como figurinista destes
espetáculos. Tovar desempenha, com brilho, o burríssimo (e descontrolado) delegado Cunha, destacando-se em todas as
participações musicais que atua, principalmente em "O ciúme",
interpretando "Tenho ciúme de tudo", de Valdir Rocha.
Outra atriz/cantora é Yasmin Gomlewski, nossa
conhecida de outros musicais, interpretando a irmã caçula de Selminha, a traidora
Dália e se destacando ao cantar "Rota de Colisão", onde são misturadas
as músicas "E daí?" (de Miguel Gustavo) e "Menina Moça" (de
Luiz Antonio), reforçando o seu papel de adolescente doce e perversa. Uma boa interpretação, como, aliás, é uma constante
neste elenco, daí o bom espetáculo que é "O Beijo no Asfalto". O que
mais gostamos nele são as denúncias, tão atuais, feitas pelo nosso grande
Nelson Rodrigues. Nessa peça, principalmente, ele parece estar prevendo o
futuro - o Brasil do século XXI - com a sua
imprensa fatídica, corrupta e corruptora. Nada se perde do texto, que, repetimos, está na
íntegra! (ponto para o musical!). Nelson Rodrigues brilha, em suas denúncias
da "imprensa marrom" - que afinal, no Brasil atual é maioria! E ainda
escancara o problema criado por
uma sociedade míope: o beijo entre iguais. No caso de Nelson, o beijo entre homens.
Mal sabia ele que esse beijo ia continuar a causar problemas!
O morto beijado é o belo Pablo Áscoli, que,
por ser jovem e belo, levanta
suspeitas...! Temos também a sua Viúva, interpretada com competência por
Juliane Bodini ( a cena da delegacia entre os quatro: Selminha, Amado Ribeiro,
o Delegado Cunha e a Viúva, é antológica). Há também, na peça, e não poderia
faltar, D. Matilde, a eterna "vizinha fofoqueira",
interpretada com segura-implicância por Janaína Azevedo. D. Judith, a mãe de
Selminha, e outra vizinha fofoqueira, são interpretadas por Juliana Marins. O Werneck,
da repartição, é Gabriel Stuaffer, um aprendiz de feiticeiro. Pimentel (outro
colega de Arandir), e também o Comissário Barros, são interpretados por Ricardo
Souzedo. Na ficha técnica temos Nelo Marrese caprichando no cenário, fazendo
misérias com a reprodução do jornal difamatorio, com os interiores, e a mobilidade que dá à
cena. Nos figurinos, nem é bom lembrar, Claudio Tovar arrasa, com figurinos dos
anos 80! (Pena que ele não gosta da Dilma...Ô argentino cruel! ). Fazendo eco a tanta perfeição temos a iluminação de Luis Paulo Neném.
Sem a sua precisão o espetáculo não andaria! E tem Sueli Guerra na direção de
movimento, e isso já diz tudo. A pianista ensaiadora é Evelyne Garcia. E muitos
outros profissionais fazem o espetáculo brilhar. Não se esqueçam, eles são 43! Nelson
Rodrigues sempre foi bom fomentador de empregos! BOM ESPETÁCULO! - Ele agora está no Teatro das Artes, na Gávea).
Excelente análise.
ResponderExcluirObrigada!
ResponderExcluirParabéns pelo texto, maravilhoso!!!
ResponderExcluirValeu!
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