Guilherme Miranda, Lucas Gouvêa e Leonardo Corajo em "Cabeça (um documentario cênico), direção de Felipe Vidal. (Foto Ricardo Brajterman)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro –
AICT)
(Especial)
CABEÇA – (um documentário cênico)
Elenco em ordem alfabética: Felipe
Antello, Felipe Vidal, Guilherme Miranda, Gui Stutz, Leonardo Corajo, Lucas
Gouvêa, Luciano Moreira, Sergio Medeiros. 8 atores que se metamorfoseiam em 8
músicos, compondo a divisão clássica dos Titãs, a banda de rock que o grupo
“Complexo Duplo” oferece ao público, para contar a historia daqueles anos 80,
ainda de repressão militar. Esse é um detalhe histórico do espetáculo, mas – e
é bom não esquecer - há outro detalhe histórico, que diz respeito ás mulheres: a
banda nasceu em um tempo em que as meninas eram só as companheiras, as fãs. Mas
isso é só um detalhe ... não vamos falar de Yoko Ono, e dos estragos que ela
fez em uma conhecida banda. Isso não é dos anos 80!
Mas o que nos interessa, agora, é a
homenagem que os atores do “Complexo Duplo” fazem aos Titãs, no “documentário
cênico” de Felipe Vidal. Talvez essa banda rock-pop tenha tudo a ver
com teatro, a começar pelo vocalista (ou ex-vocalista) Paulo Miklos, de
ascendência grega? Miklos é o nosso “vocalista dramático”, que deu o que falar
(assim como Arnaldo Antunes, Tony Bellotto), e outros músicos da banda, nos anos
80. Eles enfrentavam, pacificamente, a “banda podre” da ditadura militar.
Constatamos que é surpreendente o que os
atores do “Complexo Duplo” conseguem com a própria voz, inclusive dar a impressão
de que compõe uma banda! Eles relembram os tempos em que os Titãs viviam de
música e ofereciam, anarquicamente, aos ouvidos dos jovens daqueles tempos, o
seu compasso acidentado. Os atores músicos de hoje, do grupo de Vidal, oferecem
ao público a sua própria historia. Tudo isso acontece diante dos olhos e ouvidos do público,
no palco do Teatro Sesc-Ginastico, no Rio de Janeiro, e irá acontecer
novamente, em 2017! Mas não são os Titãs que estão no palco, são os atores do
“Complexo” dando o seu recado.
Os atores (em sua maioria) saíram dos
bancos da CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), fundada pelo nosso saudoso Yan
Michalski, que, com certeza, estaria agora felicíssimo com os frutos que ela
deu. Os atores tocam seus próprios instrumentos, cantam e interpretam criando,
realmente, um “teatro documentário”.
Na verdade, não devemos nos surpreender
tanto com isso, pois essa foi a intenção, bem sucedida, do diretor: o “teatro
documentário”. Mas não podemos deixar de observar que os atores, em
outros tempos, consideravam um grande desafio cantar, e se tornar crível como
cantor. Agora, com esse “novo teatro”, ser ator-cantor se tornou uma capacidade
para muitos, o que faz o ser humano entrar na categoria de um “Deus” que tudo
pode. Esse é um fenômeno irresistível, e podemos fazer tal afirmação sem ironia
ou espanto. Registramos esse “Cabeça (um documentário cênico)”, como mais um “musicaos”,
não muito distante de “Contra o Vento”, de 2015, do “Complexo Duplo”. Portanto,
Felipe Vidal foi o inventor de todo esse “imbróglio” músico/teatral, e tem conseguido
fazer – ele e seus companheiros de cena - têm conseguido fazer-se acreditar em
sua função de atores, cenógrafos, figurinistas, diretores... Não é uma
leviandade, é uma realidade. O “sapiens” ocupa todos os espaços, e os
companheiros do “Complexo Duplo” não se fazem esperar: e ainda inovam, no caso
da dramaturgia, colocando em jogo o ‘caos’ de suas próprias vidas.
E foi assim que Felipe Vidal chegou, aos
poucos, a este gênero musical que até o levou a ganhar prêmios. O primeiro “musicaos”
foi em 2015. Era sobre a Tropicalia,
os anos 70 - mas não se rendia a Caetano ou Gil! Lembramos bem. Vidal tratou de
misturar cenas e épocas, nessa criação que se transformou em ‘ação’ e que
promete se transformar em uma “trilogia paramusical”. Como o nome
diz, há um caminho, um terceiro espetáculo. Não se espantem com essa afirmação,
Vidal não se transformou em um “diretor
de musicais”, ele apenas possui um senso afinado para o novo, e sua música
e teatro são independentes do que hoje é chamado de “musical made in
Brazil” – uma recriação da Broadway. Nada contra, mas Felipe parece
preferir, pelo trabalho que tem apresentado, um texto próprio, feito em
parceria com o elenco. Dessa vez, a historia é sobre a vida de seus atores que,
por sua vez, são os protagonistas da banda improvisada! Há uma linguagem
anárquica perpassando todo o espetáculo. Enquanto essa linguagem estiver dando prazer a eles, os artistas
estarão lá, falando sobre o seu teatro e a sua vida.
Para tanto, há uma projeção de cenas, em vídeo e tela gigantesca, contando passagens da vida
pessoal dos que compõe a banda. E textos proferidos pelos atores. Trata-se de um ‘trabalho coletivo’ que se transforma em teatro, pela ação da palavra. E nos perguntamos: o grupo é formado de músicos, ou de atores que interpretam músicos? Para aguçar essa afinidade, Felipe Vidal
ainda “problematiza” a questão, dizendo que os seus
espetáculos fazem uma analogia com a ópera! Trata-se de uma ópera-rock? Se for,
não o é nos moldes habituais.
Outro desafio do grupo: essa “máquina
adaptável”, que é o homem, alavanca outro tipo de espetáculo, mostrando, nestes
tempos moderníssimos, que a vida do “sapiens” tem uma impressionante capacidade
de mutação, e embarcamos nessa loucura, e não sabemos se fomos ao teatro para
ver uma banda de rock, ou algo que se assemelhe a uma banda de rock! Talvez o
caso mais esclarecedor – se é possível esclarecer o mistério dessa “mutação” - seja
partir para a análise de um ator, em particular. Escolhemos Lucas Gouvêa, que
preenche o palco e nos dá a impressão de que a façanha de um ator é ser capaz
de reproduzir, em perfeita mimesis, a
sua habilidade musical! Será Gouvêa um músico? Independente de sua capacidade
musical, sua façanha abrange essa nova capacidade do gênero humano - do artista
em particular - de tornar real “esse jogo ilusório que é atuar”, deixando uma
interrogação entre a plateia e o ator.
Talvez Gouvêa, pego ao acaso, seja o
exemplo marcante da linguagem de Felipe Vidal. Outros exemplos há, como Gui
Stutz. Porém, esse ator veio do curso de interpretação da Uni-Rio e tem,
reconhecidamente, experiência anterior de músico. Os outros seis atores também
estão ligados, de certa forma, à música, o que nos dá a certeza de que essa
manifestação é o “momento” do grupo, não esquecendo que as músicas interpretadas fazem parte da
historia que eles querem contar. Especialmente a censurada “Bichos Escrotos”.
Até agora (2017), esse "musicaos" vem funcionado positivamente.
A ficha técnica também faz parte, para incrementar esse jogo. Por exemplo, é
estreita a convivência do iluminador Tomás Ribas com o grupo, o que proporciona
uma facilidade tranquilizadora para a vida do espetáculo. Ribas trabalha em
conjunto com o videografismo de Eduardo Souza, o Pavê, e eles reproduzem as ‘historias de vida’ dos atores. O mesmo
acontece com os figurinos de Flavio Souza
(roupas discretas, negras, sem exageros, como são a dos Titãs – com algumas
delas inspiradas no seu dia-a-dia), facilitando a performance. O diretor do
espetáculo estabelece a cenografia, e também toma parte como músico, porém seu papel é mais o de
maestro tocando o seu ‘baixo’ e dando o compasso da ação. Acertamos? Vidal faz a
direção musical em parceria com Luciano Moreira (que também é ator e músico, no
espetáculo). A ‘veracidade’ da performance roqueira no palco é dada pela direção
de movimento de Denise Stutz, sendo a assistência de direção de Tainá Nogueira.
Uma ficha técnica para ninguém botar defeito. Captação de Imagens e Making off de Luciano Dayrell e Rodrigo Costa Monteiro. OBS: Pela sua visão
política, histórica e musical, “Cabeça” é um espetáculo que fica na lembrança.
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