"AS PALAVRAS E AS COISAS", TEXTO E DIREÇÃO PEDRO BRÍCIO.
NA FOTO, LUCIA BRONSTEIN - "MULHER 1"
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro –
AICT)
(Especial)
“AS PALAVRAS E AS COISAS”
É quase impossível acompanhar o trabalho
de Pedro Brício sem antes ter-lhe acompanhado o caminho da criação. Tentei.
Pelo que podemos compreender, ele trabalha muito com o que eu me recuso a chamar
de símbolo. Mas os acontecimentos em “As Palavras e as Coisas” (título que nos remete às narrativas
e interpretações de Foucault, mas apenas nos remete, o filosofo não interfere na narrativa), são simbólicos... Por exemplo: o que significa o “vômito” de seu
personagens? Um insite joke, uma
necessidade transcendental, ou simplesmente uma inadequação ao momento
presente?
Devemos confessar que a colocação dada aos
conflitos de seus personagens é desafiadora... Mas
aí voltamos ao problema inicial, e preferimos trabalhar com o que nos é
apresentado, fisicamente. Duas mulheres apaixonadas, dois
conflitos a serem transpostos, e uma verdade “pasolineana” – de “Teorema?”, na terceira
personagem feminina (Daniela Kupek), cujo misterio vem colocar um ponto final no desvario
das duas mulheres apaixonadas.
Mas as personagens de Pasolini são
simbólicas... Como fica isso? Não devemos esquecer que a situação em que se encontram os quatro
personagens é de extrema teatralidade e urgência: há um perigo de morte, e há
graves acontecimentos tratados como se fossem obstáculos intransponíveis (e
são, pois se trata da morte). O personagem central, o escritor Matei (Gabriel Pardal),
está á beira da morte, em uma UTI. Porém, ele está – e não está - em perigo! Aliás,
nunca esquecendo que o diretor Pedro Brício quis fazer, neste espetáculo, uma
homenagem à atriz e colega falecida: Bel Garcia. Uma bela e sofrida homenagem, que
não se deixa atingir no âmago do sentimento de desespero. Com exceção dos vômitos
de alguns componentes da historia, mas os vômitos são tratados como uma doença.
E assim vamos, entre idas e vindas... Mas devo confessar que alguns momentos, no
encontro dos três personagens, as amigas e o homem, interpretados por Branca
Messina, Lucia Bronstein e Gabriel Pardal, nos levam a momentos de grande
beleza (podendo a beleza às vezes ser gratuita...dessa vez não é), justamente quando seus
corpos se movimentam, esculpindo imagens (destaque para Lucia Bronstein no
papel de “mulher 1”. Bronstein é uma atriz da qual não podemos tirar os olhos. Aliás,
o elenco desperta a atenção da crítica, mas existe algo em certos atores que
passam valores subjetivos com um simples olhar, ou intenção do corpo: Bronstein
pertence a essa raça. Desculpem o entusiasmo).
Mas voltamos ao texto: a personagem “que
vem colocar um ponto final à estranha situação”, (a atriz Daniela Kupek), revelando a salvação de Matei (
Pardal) - o escritor que está à morte - realiza um misterioso desfecho, tornando-se uma espécie
de “destino” que cai sobre a ação, recurso, aliás, recorrente,
em textos do passado. Ponto para Brício. Parece que a historia é carregada de “cenas
do passado”. Enfim.
Causa-nos estranheza assistir a algo tão
contemporâneo e, ao mesmo tempo tão hermético e passadista. Estes dois (três?) adjetivos
fazem parte dos textos de teatro atuais. O que podemos
perceber é uma certa imprecisão, tanto nas questões que o texto levanta, quanto ao ambiente que o cerca. Dessa vez a estranheza fica com a ficha técnica, pois ela fala, na encenação, quando obedece a interfones, portas que se abrem misteriosamente, momentos que passam e
retornam, em uma sensação de tempo indefinido.
Pois é, o cenário de Tuca faz jogo com a
iluminação de Tomás Ribas. Temos também uma trilha sonora que define a ação, elaborada
por Pedro Brício e Joana Guimarães. A supervisão dos figurinos (contemporâneos)
é de Antonio Guedes. Trata-se de um espetáculo curioso, em busca de algo que
não se sabe bem o que é. Desperta o mistério. E fica a pergunta:
pode a morte ser assim tratada, tão en passant? Chega-se à conclusão de que, em teatro, sim, pode.
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