O trio de amigos do bem, da peça "Cemiterio das Delícias", textos de Arrabal.
Na foto, Yuri Faragi (Tope), Mitzi Evelyn (Fodere)
e Rodrigo Candelot, (Emanu).
Direção Delson Antunes (Foto Fernanda Sabenca)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos
de Teatro - AICT)
(Especial)
E
eis que Arrabal retorna, com seus personagens que vivem entre o limite da
bondade e da crueldade. Delson Antunes, o diretor do espetáculo, selecionou,
com seu grupo de atores e a nova Cia. "Disparato", várias peças do
poeta dramaturgo e deu-lhe o nome de "Cemitério das Delicias - Arrabal em
cena" - (tradução de Wilson Coelho). A idéia, excelente, resultou em um espetáculo
Barroco! As peças, ou melhor, os trechos das peças que foram selecionadas, Fando
e Lis, Oração, Guernica, Cemiterio dos Automóveis, A Bicicleta do Condenado e O
Jardim das Delicias são um painel muito elucidativo da obra deste poeta dramaturgo.
Para quem não conhece Arrabal, torna-se um espetáculo de difícil penetração e,
para quem o conhece, trata-se de um retorno acidentado!
Faz sentido montar Arrabal nos tempos atuais.
Principalmente em relação aos nossos percalços com a Cultura oficial, problemas
esses que também atingem os menos favorecidos socialmente. São momentos incultos,
os que vivemos, nos quais o sadismo e a bondade se confundem, deixando uma
lacuna entre eles. Nesta peça é interessante notar que os personagens que
melhor sintetizam o "estilo Arrabal" (ele não é ligado a nenhum
"movimento", a nenhuma "escola"), sejam o de "Fando"
e de "Emanu", ambos interpretados por Rodrigo Candelot: a maldade e a
bondade levada a extremos.
Senão vejamos: "Fando e Lis" retrata
a atrocidade, no melhor estilo Grand Guignol, unido à crueldade que Arrabal presenciou
em sua infância. Fando é cruel e, em contrapartida, Lis é submissa. Por sua
vez, Emanu (o representante do bem), é doce, terno e infantil. Ele quer ajudar
aos necessitados, e vive um dos mais lindos - até esteticamente - momentos do
espetáculo. Disse "esteticamente" porque "Cemiterio das
Delicias" é um acumular de cenas, umas terríveis, outras belas - equilibrando-se
no meio da confusão de um lixão.
E aí aparece o cenário de José Dias
ilustrando as intenções do diretor, e vivendo a força da sua criação como
cenógrafo. Dias reuniu no palco o nosso mundo desfeito, suas máquinas obsoletas
entregues à própria sorte. Um lixão. Esse é o nosso presente.
Não sabemos como o público recebe tanta
desgraça. Às vezes ela se torna tão absurda que leva ao riso. Mas não é somente
o riso a proposta do espetáculo, ele nos leva a pensar. Arrabal se considera um
sensitivo. Alguns críticos afirmam que sua obra é "selvagem". Aliás, é
com esse sentimento incontrolável que ele mantém o seu fascínio! Sim, Arrabal é
fascinante!
Principalmente neste "Cemiterio das
Delicias", onde o fascínio e o estranhamento imperam. Montar Arrabal, em uma
época de crise como a nossa, faz sentido. Essa verdadeira "coletânea"
de textos do autor espanhol, espetáculo encenado em fragmentos, reverbera a
essência de um artista que teve a coragem de apontar os desmandos de uma
Espanha fascista. Em tempo: Arrabal está vivo, com 84 anos e muita ironia. Depois
das perseguições políticas em seu país, preferiu a França para viver e nela
desenvolver o seu trabalho.
Já tivemos de Arrabal tantos sucessos. Os
anos 70 foram coroados deles: Cemiterio de Automóveis, O Arquiteto e o
Imperador da Assíria (só para citar os mais impactantes), revolucionaram a cena
brasileira. Sim, faz sentido trazer Arrabal para o momento que vivemos. Estamos
em "urgência", patinando sobre um futuro incerto e aterrador. O que
esperamos desse nosso "Cemiterio das Delícias"? Sim, quem levantou este
trabalho pensou em refletir sobre um teatro da crueldade, a desvalorização do
humano. Do trabalho de Delson Antunes conhecemos o belo "Anjo
Malaquias", carregado de poesia, sobre Mario Quintana. Estranhamente, o
presente espetáculo também é carregado de poesia... Estamos em boas mãos.
Vamos lá! São 12 atores que nos mostram a
miséria humana em vários tons, alguns não tão miseráveis assim: percebemos que no
episodio de "o monstro", que acaba em casamento feliz (existe?), há cenas
da máxima ironia. Aliás, o espetáculo é alimentado pelo "processo
criativo" dos atores, e muita ironia. A cena do casamento surge de um
programa de televisão em que uma atriz (Ana Bugarim) é entrevistada. Essa cena
dá uma respirada na "selvageria" de Arrabal, embora não seja menos
assustadora: uma atriz (Bugarim, em
excelente desempenho) - chamada "a bela" - dá uma entrevista para um
animador de TV (Eduardo Knenaifes, em pequenas cenas, o que é uma pena, pois ele mostra ser muito talentoso). A
atriz Lays Ariosi, também em pequenos papeis, interpreta a Fã da
"bela". Os atores, em geral, apresentam um bom trabalho (há alguns
que se destacam mais, devido à maior densidade de seus personagens).
Neste "Cemiterio das Delícias", a
Cia "Disparato" apresenta o "desnudamento da alma humana", dando
lugar à desunião entre os infelizes! Há dois momentos no espetáculo quase
insuportáveis de assistir. "Fando e Lis", sobre a crueldade (atenção:
nada a ver como "teatro da crueldade" de Artaud, que é bem anterior e
se rebelava contra a "pièce bien faite" de seu tempo). A crueldade, em
Arrabal, é física, e atinge extremos, quando fala a respeito dos homens e de
suas "emoções infantis em um mundo de adultos". As crianças também sabem ser cruéis...
O outro lado da crueldade é a perseguição aos bons: Emau, interpretado
por Rodrigo Candelot, representa a bondade levada a sua última dimensão. Candelot,
neste espetáculo, carrega consigo, com muita propriedade e ótimo desempenho, dois personagens que
são os responsáveis para a compreensão do que é o teatro de Arrabal: Emanu - o louvável -, e Fando, o temível,
de "Fando e Lis", peça cuja crueldade é comparável às piores
historias de horror. O sadismo sempre encontra o seu companheiro, o masoquismo.
Na cena, exposta, a masoquista é a personagem de Lis, tendo a atriz Mitzi Evelyn
um elogiável desempenho. Evelyn é uma atriz
de grande talento, revelando-se também ao interpretar o "mudo Fodere",
do trio da "cena dos amigos".
O "segundo amigo" dessa cena é Tope (interpretado por Yuri Faragi,
estreando já no segundo tempo do espetáculo...). Os três (e aí se inclui o Emanu
de Candelot), se encontram para fazer o bem, ou seja, "tocar música para
os pobres", o que é proibido pelo regime! Aliás, o "interdito" é
a afirmação deste espetáculo, relembrando a Espanha fascista de Franco.
Enfim, temos ótimos atores em cena: Andrea Couto interpreta Lasca e Fídio;
Henrique Pinho é Viloro, o homem que quer tocar um instrumento, que quer ser
bom, e é preso. Nem é preciso dizer que "todos" os bons, "sempre"
acabam mal, em um regime de força; e a bondade, no caso, tem obrigação de agir,
mas nem sempre consegue... A atriz Luciana Albertin Malta interpreta o
Condenado e Milharca; e Graziela
Bartelet, também atriz do espetáculo, interpreta Dila e o Condenado. Leonardo
Paixão é Franchou, Zenon e Libé. Andrea Burle representa Tasla, o cão, e Toso.
"Cemiterio das Delicias" está
fazendo o seu périplo teatral. Fomos alcançá-lo em reestréia no Teatro Café
Pequeno. Nesta reestréia houve um pequeno problema de ritmo, que, imaginamos, já deve ter sido sanado. PREPARE SEU CORAÇÃO. VALE
À PENA ASSISTIR A ESSE "CEMITERIO
DAS DELICIAS"....!
FICHA TÉCNICA:
Assistência
de Direção, Andreia Burle e Victor Losso; Direção de Movimento, Sueli Guerra; Direção
de Produção, Leonardo Paiva; Produção Executiva: Mitzi Evelyn; Assistência de
Produção: Ana Bugarim, Rodrigo Candelot e Samuel Belo; Figurinos, Joana Bueno
(excelentes); Iluminação: Fernanda Mantovani; Trilha Sonora Original: Pedro
Veríssimo e Fernando Aranha. .. E os já citados: Cenografia, José Dias; Direção,
Delson Antunes; Textos, Fernando Arrabal; Tradução, Wilson Coelho.
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