Antígona, perante a morte de Polinices. (obra de origem desconhecida).
DA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
"ANTÍGONA"
Amir Haddad, "dramaturgista" - com
Andrea Beltrão - e diretor da peça de Sófocles, deu-nos, em sua escrita inicial,
a antevisão do que seria o seu trabalho como diretor: "Reescrever
Sófocles. Reescrever Antígona". E é sobre essa reescrita que vamos falar.
Pois bem. Em pouco mais de uma hora,
coisas surpreendentes acontecem. Temos em cena não só Andrea Beltrão e seu
monólogo, mas quatro artistas vivos e atuantes: Sófocles, Amir Haddad, Andrea
Beltrão... e Marina Salomon! Sim, sem Marina, essa apoteose trágica jamais
teria acontecido! Andrea Beltrão torna-se a transmissora (genial) de um gestual
que somente Marina, entre as coreógrafas brasileiras, seria capaz de criar,
pois Marina tem uma ligação natural com os deuses gregos! As guerras, o amor, o
discurso rancoroso, tudo está contido no gestual da coreógrafa, incorporado
pela a atriz.
Feita essa ressalva, vamos aos
acontecimentos. Em pouco mais de uma hora, Andrea Beltrão nos conta a historia
de uma Grecia mitológica, grandiosa e agressiva! E assim vemos todas as tragédias,
desde Édipo, até a filha de Édipo! E, por um momento iluminador - e estarrecedor!
- compreendemos o que foi aquele povo antigo, dominado por seus oráculos, crenças
e fetiches; um povo primitivo, com todas as limitações que as crenças podem trazer
- o povo genial que, e ao mesmo tempo, nos trouxe toda a cultura da humanidade.
"Depois dos gregos - como diz um certo professor - "tudo é pé de
página...".
E este povo soube poetizar as suas crenças...
Mas Andrea foi além, ela também nos levou ao lado didático - necessário - do
espetáculo, devido à platéia jovem que a assistia. Lembramos que foi Péricles, na Grecia do Vº Século, quem tirou os gregos do limbo... com
seus festivais atenienses, seus concursos e dramaturgos que mudaram a cena e a Historia
do Teatro!
Feita essa ressalva, passemos aos
acontecimentos: a impetuosidade de
Andrea Beltrão, em cena, nos traz muito mais do que uma série de cadáveres, de
mortes e assassinatos, é a tragédia antiga que ela nos conta, a tragédia grega desde
o nascimento de Édipo, até a morte de Hemon e Creonte! Sua atuação é algo memorável.
O cenário é somente uma cadeira e, no
fundo da cena, uma árvore "genealógica" com o nome dos responsáveis
pelos acontecimentos narrados. Os objetos de cena, se os há (como a écharpe, os
sapatos de salto alto), surgem não sabemos de onde, como um passe de mágica! Com
a écharpe Andréa faz acontecer cenas de impacto. E, no pano de fundo, os nomes
são colados e deslocados, conforme as
necessidades da narrativa. A iluminação, criada por Aurelio de Simoni, dá um
acento imprescindível para o bom andamento do espetáculo, assim como a trilha
sonora (impactante), de Alessandro Persan. O figurino, simples, de Antonio
Medeiros e Guilhereme Kato, traz um símbolo rosa (não identificado) sobre a roupa
negra. Talvez algum símbolo sobre a mulher. Naqueles tempos, como agora, sua
atuação entre os homens não era vista com bons olhos. O texto, talvez a
reescrita de Andréa? - registra tal preconceito.
Em linhas gerais, o espetáculo, que
poderia ser confuso para alguns (os menos familiarizados com o teatro) torna-se
um jogo interessante para os que têm a tragedia grega como alimento. Para os
mais afoitos, tantos cadáveres, tantas guerras, pode ter um certo sabor
"isabelino", o que não é verdade, pois os venenos não entram em cena...
Antigona
é vista, na tradição ocidental, como a irmã ideal, amantíssima. Na versão de Andréa
ela é simplesmente colhida pelos acontecimentos, o que deve ser a sua verdade
extrema. Percebemos isso nos diálogos com "a doce Ismênia", o oposto
de sua apaixonada irmã. Tal situação
existe, em nossos dias, e é uma verdade, entre irmãs. Na concepção do espetáculo, entretanto, Andréa se transforma em todos os personagens invocados pela tragedia. E é impressionante a
interpretação da atriz, a sua mudança de gestos e voz, a cada solicitação.
Andréa Beltrão é Creonte,
Ismênia, Hemon, Édipo, o cego Tirésias... os guerreiros de Tebas, os reis
enfurecidos, e os narradores! A interpretação dessa atriz, em seu primeiro solo, foge ao monólogo tradicional. É bem mais do que isso. Amir Haddad alerta: "Vamos da peça ao mito. Do mito à peça. Num
eterno retorno". E é justamente este "eterno
retorno" que dá alento à atriz para cumprir a sua missão de
intérprete. Andréa Beltrão dá vida a uma tragedia que teve seu desenlace a partir da desgraça e morte do guerreiro Polinices. Aconselha-se aos amantes de teatro assistir o caminho dos herdeiros de Édipo, em ótima realização, no Teatro Poeirinha. Este caminho foi aberto por Gasparian e seu Rei Lear. É BOM VER BOM TEATRO!
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Fiquei curioso em ver esta proposta do Amir.
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