"Beatriz", direção Daniel Herz. Na foto Paulo Hamilton (Paulo Donetti) e Ana Paula Secco (Beatriz) |
CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"Um ressentido à procura de
uma justificativa para se livrar de algum tapete infantil que lhe retiraram dos
pés" é a justificativa de Paulo Donetti, o escritor (interpretado por
Paulo Hamilton), para destilar tanta amargura e ironia a respeito dos escritores?
Ninguém sabe, ao certo, o que move um escritor a realizar a sua obra, não é
mesmo? "Beatriz", reestreia do Teatro do Leblon, Rio de Janeiro, é a
grande procura dessa descoberta.
A adaptação de Bruno Lara Resende para o
livro de Cristóvão Tezza, "Um erro emocional" e dos contos de
"Beatriz", também de Tezza, vão além do jogo dos atores, ela desvenda
o mistério que é o pensamento (não articulado) entre as pessoas. Não conhecemos
os originais, mas certamente o trabalho de Lara Resende (organizar essa
estrutura) dá vida ao contexto. Talvez, neste espetáculo, o público tenha
oportunidade de testemunhar o primeiro contato: o mais intenso- de um
relacionamento que se constroi. O final do espetáculo nos brinda com algo belíssimo,
raro em teatro.
A constante troca entre pensamento e
diálogo, de "Beatriz", faz com que o público participe, vivamente, da
construção afetiva que brota entre um homem e uma mulher: uma mistura de
encantamento e submissão que, em boa hora, a dupla de atores desenvolve. O cenário
de Aurora dos Campos que se desloca, estabelecendo vários espaços para o encontro
do casal, está muito bem desenvolvido e trabalho com perfeita afinação com a
luz de Aurelio de Simoni, dinamizando a ação. Também o jogo corporal estabelecido
pela diretora de movimento do espetáculo, Márcia Rubin, dá leveza e agilidade
ao desempenho dos atores, agilidade essa facilitada pelos figurinos de Patrícia
Muniz. A ressaltar o sex-appeal acrescentado à personagem feminina pela audácia
de seu figurino, quase uma lingerie. Belíssimo! A trilha sonora de Lucas Marcier
e Fabiano Krieger é marcante.
Enquanto os atores vão se familiarizando -
e ao público - com a linguagem (original) do espetáculo, a dinâmica dessa
linguagem complementa o texto. Um bom exemplo é o afastamento paulatino de Caio
- o escritor rival de Donetti na conquista da fêmea, e na vida literária-
através do afastamento da "cadeira amarela", que o simboliza. Uma vez
eliminado o rival, ficam somente os personagens e o desejo de realização
amorosa.
E é aí, neste orquestrar de tons e expressões,
que podemos avaliar o trabalho de direção de Daniel Herz. Há toda uma dinâmica
entre a fala e o pensamento que deve ser muito bem compartilhada pelos atores, para
dar clareza ao intrincado do texto: há todo um desafio de sincronismo. A
rapidez com que as falas e os pensamentos são trocados estabelece uma crescente
tensão, que atinge seu ápice na cena final, reveladora. Ana Paula Secco e Paulo
Hamilton seguram muito bem o desafio, estabelecendo grande empatia entre
público e personagens. Aconselha-se, com veemência, a experiência de assisti-los.
É bom ver bom teatro.
Ficha técnica: Texto: Cristóvão
Tezza; Adaptação: Bruno Lara Resende; Direção: Daniel Herz; Figurinos: Patrícia
Muniz; Direção de movimento: Márcia Rubin; Iluminação: Aurélio de Simoni;
Cenário: Aurora de Campos; Trilha sonora original: Lucas Marcier e Fabiano Krieger;
Projeto gráfico Mauricio Grecco; Consultoria psicanalítica: Evelyn Disitzer;
Preparação vocal: Leila Mendes; Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco.
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