"Maravilhoso", texto Diogo Liberano. Em cena Márcio Machado (Diaz) e Paulo Verlings (Henrique). (Foto Divulgação) |
CRÍTICA
TEATRAL
IDA
VICENZIA FLORES
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
... E voltamos a falar sobre os dramaturgos
brasileiros e a maneira pela qual os críticos selecionam suas impressões,
principalmente nestes tempos de blogs sem patrões. Falamos o que a alma nos
pede. Assim aconteceu com as três últimas peças a que assisti. A primeira, e de
que me ocupo agora, é um painel magnífico sobre a alma brasileira; a segunda,
"Palhaços", é de uma poesia delicada; e há uma terceira, a que
vi depois dessas duas e que não me saiu do pensamento, "Os Sapos",
sobre o relacionamento humano. Hoje o olhar se detém sobre
"Maravilhoso", de Diogo Liberano, em cartaz no Teatro Gláucio
Gill.
O texto surgiu de
uma proposta do ator Paulo Verlings, do Teatro Independente, feita a Diogo
Liberano, do Teatro Inominável, para este escrever algo que se inspirasse no
"Fausto", de Göethe, e no carnaval carioca. Trata-se de um tema
no mínimo desafiante, levando em conta que o carnaval carioca já nos deu peças
e filmes marcantes, e um bom exemplo é "Orfeu da
Conceição", inspirado no mito do Orfeu, escrito por Vinícius de Moraes,
com músicas de Antonio Carlos Jobim. "Maravilhoso"
não se propôs a ser um espetáculo baseado em músicas, mas em ações simultâneas
que se deslocam entre o bem e o mal - e tudo misturado - como é a vida.
Inez Viana (do grupo
OmondÉ), saiu-se bem dessa difícil missão de manejar (ela é a diretora),
esse intrincado painel da alma carioca que é "Maravilhoso". No início
da peça, Felipe Abib, que interpreta Miguel - não sei se o narrador, porém a
força neutra que costura a narrativa - (não tão neutra assim, pois ele
representa também o quarto poder, o jornalismo, e o faz muito realisticamente).
Esse personagem, essencial, inicia os trabalhos entoando uma "écogla
ao contrário", se assim podemos chamar seu canto, onde a natureza, em vez
de bela, é maldita, e onde, "... o dia deu em chuvoso/ e a
gota que no asfalto bate/ respinga mijo/ ao invés de orvalho...",
lembrando a dedicatória de Göethe, porém localizando a "cidade guimba ...
inferno cenográfico onde a sujeira impera" (Diogo Liberano).
E estamos prontos para
aceitar o que virá depois. O fato é que o texto de Liberano nos remete a uma
ética nada triunfalista. Ao contrário, ela é o próprio inferno, e o teatro, com
a sua proximidade instantânea, nos carrega de supetão para a história.
Não podemos negar que estamos na presença de algo vigoroso, e o cenário de Luiz
Henrique Sá é decisivo para a essa sensação. Recortado em vários palcos,
trabalhados como uma cidade em eterna construção, ora um carro alegórico, ora
uma favela, tal estrutura torna possível a ação simultânea, em vários
blocos, vários "versos". Aliás, essa é também a proposta de Göethe
em seu "Fausto".
A ambientação
também flui, através da luz de Paulo César Medeiros. Evoco estes dois artistas,
porque eles fazem parte epidérmica da epopéia que vamos assistir. Há um crime,
um suicídio, uma tragédia: os bons morrem cedo. Há também a louvação do Mal
Absoluto: ele é sedutor, ele sofre, o Diabo construído pelo personagem Diaz, o
bicheiro diretor de escola de samba (interpretado com precisão por Márcio
Machado, em mais um excelente desempenho). Há o jogo da corrupção, e Diaz oferece
dinheiro a Miguel, o jornalista, pelas fitas gravadas com o depoimento de
Henrique, o Maravilhoso (em excelente interpretação de Paulo Verlings), e o
jornalista aceita a troca. Este episódio de corrupção "demoníaca" -
que o autor parece não querer enfrentar - se passa quase em bastidores. É
proposital, seu tom velado?
Paulo Verlings, que
sugeriu o tema da peça, soube aproveitar bem a concretização de seu personagem
Henrique (Fausto), a entrega do ator é total, visceral. Aliás, o que encanta
nestes novos atores e diretores é a força de suas realizações. A direção de
Inez Viana é tranquila, ao ponto de passar facilidade em seu trabalho, desde as
marcas em que os atores exploram o cenário multifacetado, até o desenvolvimento
de suas ações. Talvez essa seja a maneira de Inez trabalhar, onde o difícil
pode parecer fácil.
Entre os atores, Debora Lamm interpreta Estrela, a filha
de um rico patrocinador da escola de samba. A atriz mostra, nesta
interpretação, a sua personalidade, uma mistura de malícia e ingenuidade, algo
muito especial, que conquista a plateia. O desafio de Debora, agora, é mostrar
algo além dessa marca; Carolina Pismel, interpretando Wanda, a
"Margarida" da história, tem seu "espaço para a tragédia",
mostrando-se patética, angelical e, ao mesmo tempo, uma mulher aberta aos
desafios. Seu rosto, muito expressivo, comanda um corpo disciplinado; Felipe
Abib interpreta o jornalista Miguel, e o anunciante da tragédia, o
narrador.
Nos figurinos, Flávio Souza, como sempre inspirado, principalmente na
composição fantasiosa do figurino de Lamm e, em certos momentos, no de Pismel.
Souza não precisa se preocupar com os figurinos dos homens, sendo teatro
contemporâneo, embora Mefisto (Diaz) dê o tom irônico, ao ser
caracterizado com as cores do personagem ingênuo. O branco de seu personagem é
impecável. Já o Henrique, de Paulo Verlings, é caracterizado com o apelo
sexual de transparências e rendas.
O
Som Cênico é de Daniel Belquer; Fotos de Divulgação, Paula Kossatz e Sérgio
Magalhães; Produção de Dani Carvalho; Idealização e Direção de Produção, Paulo
Verlings. É bom ver bom teatro.
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