Foto de ensaio de "A História do Comunismo contada aos Doentes Mentais", de Matéi Visniec. |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
No último fim de semana de março fui
a São Paulo assistir a peça de Matéi Visniec, "A História do Comunismo Contada
aos Doentes Mentais", com a Cia Anjos Pornográficos. E também assisti, no CPT/SESC e Grupo de
Teatro Macunaíma, "Nossa Cidade", de Thornton Wilder.
Curiosamente, as duas peças falavam na Utopia e os seus perigos. Começo por
Matéi Visniec.
No Teatro Cacilda Becker, Lapa,
São Paulo, está em cartaz um texto do romeno Matéi Visniec, em sua releitura dos
clássicos. A peça traz à lembrança Peter Weiss, e seu texto baseado em Sade e os loucos do Hospício de Charenton. Só que a missão dos loucos do Hospital Geral de Moscou não
é julgar Marat, mas Stalin. Estamos em 1953, dias antes da morte do líder (ditador?) soviético. Enfim, para o Bem ou para o Mal, essa é uma história
sobre as Utopias.
Dirigida por Miguel Hernandez e André
Abujamra, a participação dos dois diretores é marcada por certa experiência
junto a Antonio Abujamra, com quem já trabalharam em outros espetáculos. A presença
do "diretor/coreógrafo", como o próprio Abujamra se intitula,
é bem viva, porém não ofusca o belo trabalho realizado em cena.
O que está em jogo no espetáculo é a Utopia
e seus equívocos. Quando é chegada a hora de colocá-la em prática, a verdadeira
natureza corrosiva do fanatismo se revela. Essa é a missão de Visniec: alertar
para os perigos da Utopia, e ele o faz em prosa e verso, com tradução de
Roberto Mallet e discurso do escritor convidado Iuri Petroviski (um irreconhecível - e ótimo - Miguel
Hernandez). Quando ele começa a explicar para os loucos o que é Utopia, seu discurso torna-se
claro e lógico: "É quando alguém está na merda e quer sair dela (...)
Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da
merda junto com os outros camaradas que estão na merda junto com você."
Esse tipo de discurso é recebido com grande
euforia entre os loucos, mas também entre os espectadores, na platéia ... O
jogo é esse. Segundo o autor, sempre há um momento em que alguém diz "não",
e começa a romper com as velhas estruturas da Utopia que não deu certo. Reiterando:
o perigo da promessa de um mundo melhor é o fanatismo.
Nesta história se destaca o
trabalho de movimento desenvolvido por Nathália Corrêa. Na música, e em certos "achados" de cena, percebemos a mão de André Abujamra. Por exemplo: quando a
professora de canto coral do hospício Kátia Ezova (uma excelente Nathália
Correa), em seu fanatismo - excita-se - a cada vez que ouve o nome de Stalin. Há uma decrescente excitação e outro fanatismo se impõe (mais concreto e racional), quando Petrovski, o escritor, fala aos loucos e faz Kátia
esquecer Stalin e se concentrar nele.
O que pode parecer, no início, uma
releitura de Sade,
concretiza-se em uma real demonstração de desgosto do autor contra a sociedade "utópica"
em que viveu, na Romênia, com a ditadura de Nicolae Ceausescu. A cenografia do
espetáculo, bastante funcional e adequada, é de André Cortez, e sua complementação acontece na operação de luz de Rafael Chamon; Figurinos dos loucos e guardas, com toques de humor, são de
Gilson de Melo Barros. Como ator convidado Luiz Amorim, no papel de Grigori
Dekanozov.
Destacam-se os supervisores dos louquinhos (loucos de pedra), Alexandre Paes Leme (Kuhkin) e Cassio Prado (Timofei). No elenco mais onze atores, alguns
da Companhia, outros de grupos vindos de escolas de teatro, impossível citar a todos. Considerando o
texto e a maneira irreverente da construção do espetáculo, torna-se presente a influência de Antonio Abujamra. E é muito bom perceber essa
construção de herdeiros, como aconteceu na França, de Dullin a Planchon, passando por vários intermediários, também de Abujamra a Abujamra, passando por vários intermediários. Como na França. Por que não? . Em Tempo:
A Cia. Anjos Pornográficos tem sua própria história, nascida em Portugal, na
cidade do Porto, em 1999.
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