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domingo, 6 de abril de 2014

"A HISTÓRIA DO COMUNISMO CONTADA AOS DOENTES MENTAIS"

Foto de ensaio de "A História do Comunismo contada aos Doentes Mentais", de Matéi Visniec.


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

No último fim de semana de março fui a São Paulo assistir a peça de Matéi Visniec, "A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais", com a Cia Anjos Pornográficos. E também assisti, no CPT/SESC e Grupo de Teatro Macunaíma, "Nossa Cidade", de Thornton Wilder. Curiosamente, as duas peças falavam na Utopia e os seus perigos. Começo por Matéi Visniec.

No Teatro Cacilda Becker, Lapa, São Paulo, está em cartaz um texto do romeno Matéi Visniec, em sua releitura dos clássicos. A peça traz à lembrança Peter Weiss, e seu texto baseado em Sade e os loucos do Hospício de Charenton. Só que a missão dos loucos do Hospital Geral de Moscou não é julgar Marat, mas Stalin. Estamos em 1953, dias antes da morte do líder (ditador?) soviético. Enfim, para o Bem ou para o Mal, essa é uma história sobre as Utopias.

Dirigida por Miguel Hernandez e André Abujamra, a participação dos dois diretores é marcada por certa experiência junto a Antonio Abujamra, com quem já trabalharam em outros espetáculos. A presença do "diretor/coreógrafo", como o próprio Abujamra se intitula, é bem viva, porém não ofusca o belo trabalho realizado em cena.

O que está em jogo no espetáculo é a Utopia e seus equívocos. Quando é chegada a hora de colocá-la em prática, a verdadeira natureza corrosiva do fanatismo se revela. Essa é a missão de Visniec: alertar para os perigos da Utopia, e ele o faz em prosa e verso, com tradução de Roberto Mallet e discurso do escritor convidado Iuri Petroviski (um irreconhecível - e ótimo - Miguel Hernandez). Quando ele começa a explicar para os loucos o que é Utopia, seu discurso torna-se claro e lógico: "É quando alguém está na merda e quer sair dela (...) Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da merda junto com os outros camaradas que estão na merda junto com você."

Esse tipo de discurso é recebido com grande euforia entre os loucos, mas também entre os espectadores, na platéia ... O jogo é esse. Segundo o autor, sempre há um momento em que alguém diz "não", e começa a romper com as velhas estruturas da Utopia que não deu certo. Reiterando: o perigo da promessa de um mundo melhor é o fanatismo.

Nesta história se destaca o trabalho de movimento desenvolvido por Nathália Corrêa. Na música, e em certos "achados" de cena, percebemos a mão de André Abujamra. Por exemplo: quando a professora de canto coral do hospício Kátia Ezova (uma excelente Nathália Correa), em seu fanatismo - excita-se - a cada vez que ouve o nome de Stalin. Há uma decrescente excitação e outro fanatismo se impõe (mais concreto e racional), quando Petrovski, o escritor, fala aos loucos e faz Kátia esquecer Stalin e se concentrar nele.

O que pode parecer, no início, uma releitura de Sade, concretiza-se em uma real demonstração de desgosto do autor contra a sociedade "utópica" em que viveu, na Romênia, com a ditadura de Nicolae Ceausescu. A cenografia do espetáculo, bastante funcional e adequada, é de André Cortez, e sua complementação acontece na operação de luz de  Rafael Chamon; Figurinos dos loucos e guardas, com toques de humor, são de Gilson de Melo Barros. Como ator convidado Luiz Amorim, no papel de Grigori Dekanozov.


Destacam-se os supervisores dos louquinhos (loucos de pedra), Alexandre Paes Leme (Kuhkin) e Cassio Prado (Timofei). No elenco mais onze atores, alguns da Companhia, outros de grupos vindos de escolas de teatro, impossível citar a todos. Considerando o texto e a maneira irreverente da construção do espetáculo, torna-se presente a influência de Antonio Abujamra. E é muito bom perceber essa construção de herdeiros, como aconteceu na França, de Dullin a Planchon, passando por vários intermediários, também de Abujamra a Abujamra, passando por vários intermediários. Como na França. Por que não? . Em Tempo: A Cia. Anjos Pornográficos tem sua própria história, nascida em Portugal, na cidade do Porto, em 1999. 

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