O REI O BUFÃO E OS RATOS Guida Vianna - (O BUFÃO); Gilberto Gawronki, (O REI) 2 X MATÉI |
Beckett e Godot - Gilberto Gawronki e Gida Vianna: 2 X MATÉI |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
A
idéia é tão boa que dá vontade de puxar os cabelos por não ser a sua. "2 X
Matéi". Imaginem Godot cobrando de Beckett por não aparecer na peça que
leva o seu nome: "ao menos no final" - reclama Godot (uma excepcional
Guida Vianna) - "Em Shakespeare até os fantasmas aparecem!"
O
diálogo entre criador e criatura (Gawronski reencarna, até fisicamente, o
próprio Beckett), é cheio de nuances e sugestões desbaratadas. O espectador se
limita a sacudir a cabeça e pensar "Mas isso é maravilhoso!"
Parece
que estou fazendo literatura (a tentação é grande), os diálogos são tão vivos e
sugestivos, que a gente só pode gostar demais. O criador e sua criatura só
estão abaixo do próprio "Deus", força a que Amir Haddad brinca de se
atribuir, pois supervisiona o espetáculo qual um Deus, não tendo que meter a mão
naquele universo criado pelo autor. O fato é que ele se diverte. Tudo é concebido com a
perfeita tradução de Pedro Sette Câmara.
As
queixas de Godot são também sobre o "fim do teatro", do qual ele
foi expulso, dizendo que aquilo é um lugar onde só há baganas de cigarro e
lixo. Na verdade, Godot encarna o palhaço sonhado por Beckett, e o autor/personagem
parece entendê-lo muito bem. E ele se surpreende aderindo ao pessimismo dessa
criatura teatral. Em conseqüência, arma-se um brinquedo, que muito bem poderia
se enquadrar na criação de Beckett. O autor reinventa a cena, dando dicas a
Godot (momento delicioso) "Eu tiro os sapatos e você pergunta: Por que
você está tirando os sapatos?" E a cena se cria, colocando subitamente Estragon
e Vladimir no palco, junto com Godot...
O
cenário acompanha a vibração da cena. Trata-se de uma criação que, pensada por Matéi, se define muito bem na ficha técnica. Além dos atores/diretor (Gawronski), Helio Dias se une a
eles pelo excelente visagismo que os incorpora. A luz de Vilmar Olos faz surgir
vultos e transparências, e a direção de movimento de Andrea Jabor não poderia ser mais exata. Há o vídeo e o som de Jorge Neto, e
somos envolvidos pelos loucos figurinos de Antonio Medeiros e Tatiana
Rodrigues.
A
"2 X", do Rei e o Bufão, é transbordante e carnavalesca, porém ficamos com a impressão de
que não há saída para "a inutilidade das coisas." É aí que Matéi resolve dar o seu
recado ambíguo. Cita Diderot e deixa subentendida a Revolução Francesa fazendo
o povo se rebelar e, oposto às expectativas, fazendo o Rei declarar seu amor viril
pela virtude, e que, "bem pensado, Deus ainda pode convencer". E,
ao mesmo tempo, fala maldosamente na "festa dos loucos", e diz que o
povo está feliz quando a imaginação se recolhe. O Bufaõ é uma Guida Vianna
imperturbável em seus desbaratados conselhos ao Rei. O monarca os segue,
avidamente, mostrando, sem o querer, quem é o verdadeiro bufão na cena.
Inesquecível
o discurso final do Bufão, indicando ao Rei as palavras que deverá dizer ao seu
povo, fazendo o louvor (e repetindo o chavão), da História Oficial. Para o Bufão
o Rei será um César ao pronunciar: "Veni, Vidi, Vice", ou "Alea
Jacta Est". Enfim, tudo em Latim, o que faz o Rei concluir que o achariam um "louco", ao que o Bufão responde (palavras que são conteúdo): "O povo não
entenderá nada e o achará um gênio, e assim o engodo da História Oficial prevalecerá".
O
Rei a tudo aceita e se transforma em fiel discípulo do Bufão, embora ainda
reaja, cada vez com menos convicção, não querendo se curvar ao povo e dizendo
que precisa manter a sua dignidade. (É necessário ver as expressões do rosto do
ator). Para Matéi Visniec, o caos da "2 X" se organiza em discurso
político, com marchas e contramarchas.
Meu
Deus, o povo já não suporta o mau cheiro do engodo e foge (mas não posso relatar
o final...). Há os ratos, cuja presença é impossível de ser negada. O Rei a assume
e diz, filosoficamente: "O rato é a medida espiritual e física da medida
do homem". Não podemos esquecer que os ratos são uma construção "maquinada" por Iara Borges, e fazem muito sucesso!
SAUDADES DE VOCÊ IDA
ResponderExcluirBJUS