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domingo, 20 de abril de 2014

"O ATO - VARIAÇÕES FREUDIANAS - 2"

O psicanalista Davi Wunschmann (Antonio Quinet), a apresentadora Miranda Souza (Aline Deluna) e Sigmund Freud  (Samir Murad), em "O Ato - variações freudianas - 2" 



IDA VICENZIA
(da  Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Quero ressaltar que "O Ato - variações freudianas - 2", atualmente em cartaz no Galpão das Artes, no Jardim Botânico, texto de Antonio Quinet e direção de Walter Daguerre, é um espetáculo agradável, que relata, com certa graça, a história da psicanálise. Ele parece ser dedicado a desmistificar os padrões estabelecidos para a questão -  em geral complicados. Conhecemos o trabalho de Antonio Quinet, sua paixão pela psicanálise e a forma inovadora pela qual ele a revela. Em "Abram-se os Histéricos", texto de Quinet, teatro e dança sobre o encontro entre Freud e Charcot, direção de Regina Miranda. Inesquecível. O que se presencia agora é um texto onde Quinet brinca com a alma da platéia. Há bom-humor e simpatia de ambos os lados. O Galpão é um local onde acontece o teatro "para pensar". Local muito oportuno e agradável.

Quinet, o nosso simpático e inteligente analista e autor, foi para o palco, como ator, para nos mostrar o pensamento de Freud sobre a morte. Calma! O espetáculo não é sobre morte, porém há um momento em que Freud quer provar que a nossa morte é sempre um suicídio. Trata-se de um fato marcante.

Sobre o desempenho dos atores, infelizmente não posso deixar de observar a voz do psicanalista entrevistado. Mesmo sendo Davi Wunschmann (Antonio Quinet), o "pobre diabo" de Freud. Não quero dizer com isso que o desempenho de Antonio Quinet, esteja equivocado, somente que deve colocar, no início do espetáculo, a sua voz teatral (atenção, Rose Gonçalves!). Penso que ainda há tempo para algumas correções.

Afora essa observação, o desempenho de Antonio Quinet (como ator) nos traz intervenções divertidas a respeito da televisão e do mundo mecanizado em que vivemos. É interessante, também, observar a defasagem que existe entre o analista e a sua entrevistadora. O psicanalista entrevistado se refere ao homem biônico do futuro, o "Deus da prótese" (observação feita por Freud), escandalizando a entrevistadora. Ficamos sabendo também que a ligação psicanálise e auditório de televisão é uma conclusão de Lacan a respeito da platéia de seus seminários. A última cena, com o psicoanalista pensando (seu pensamento é transmitido pelo vídeo), e se recusando a dar "as palavras finas" para encerrar a entrevista, é genial.  

"O Ato" tem várias leituras. Podemos ficar só na comédia, a crítica dos tempos atuais, virtuais, pegando-o na superfície. Mesmo assim vale a pena. O que é necessário, para o público, é perder esse horror a Freud e a Lacan. Aliás, o último citado não aparece em cena. As conclusões do entrevistado Davi têm muito a ver com o pensamento de Lacan e de Freud. Somente em alguns vídeos ( e em algumas colocações do psicanalista entrevistado), a psicologia de Lacan estará presente. Quanto a Freud, ele está ativo e lúcido desde a descoberta do inconsciente, até as suas conclusões finais sobre a morte. No terreno da interpretação o ator Samir Murad segura o espetáculo, o que chamo o teatro puro. Sei que essa foi a intenção, essa divisão de linguagens. Devo dizer que a caracterização de Freud por Murad é perfeita. Também sua presença em vídeo, como o pai de Dora, mostra a marca do ator. Aline Deluma (Miranda Souza) é uma revelação de atriz cômica, suas intervenções como apresentadora são precisas e hilárias.

Temos algo precioso para ilustrar sobre psicanálise, além do programa surreal de televisão. Os vídeos, mostrando o que poderia ter sido a vivência dos pacientes de Freud e Lacan. Eles são muito bem realizados, com direção de Walter Daguerre; e Diogo Fujimura e Marcos Neves na sua realização. Vemos em cena o "Caso Dora" (a protagonista é interpretada por Julia Bernat, uma bela e excelente atriz), e também o depoimento de uma ex-paciente de Lacan, Cristine (interpretada pela grande atriz que é Ângela Rebello, quase irreconhecível em seu despojamento). E ainda o Sr. K, o "dissimulador" do Ato Falho? (Raul Serrador). No encontro da família de Dora, ao redor da mesa de jantar, podemos ver sua mãe (Mônica Daguerre), o pai (Samir Murad), a bela Sra. K (Samantha Gilbert). Na ocasião, Dora faz um irônico brinde, deixando sub-entendido o que se passou entre ela e o Sr. K. (neste momento a atriz Julia Bernat mostra também seus dotes de cantora). Há o depoimento da jovem homossexual, interpretado por Pamela Coto, e a mulher violentada pelo marido em sua noite de núpcias, interpretada por Juliana Terra. Os vídeos trazem um panorama esclarecedor sobre a psicanálise.  

O desempenho dos atores, no vídeo, prima pela perfeição cinematográfica. Os figurinos de época (Isabela Massi) são marcantes, tanto nos vídeos, quanto na apresentadora de televisão. Eles mostram a moda do final do séc. XIX, e do início do século XX. Uma coisa encantadora no espetáculo são os movimentos -  cinematográficos -  das "tomadas" e dos atores nos vídeos.

O cenário, com variações e transparências, é de Aurora de Campos. Ela consegue colocar em cena, naquele espaço mínimo do Galpão, uma emissora de televisão, um escritório, e ainda a sala em que Freud recebia os seus analisados, com o famoso sofá. Há o software "(citado pelo entrevistado) "Freud is alive". Concluímos que é por essa razão, e não pelo "cosmos", que Freud está presente, e "vivo", em cena.

Infelizmente - e devo dizê-lo - , "Variações", ou "O Ato", está mal lançado. A começar pelo programa da peça. Ele não dá a mínima pista do que será o espetáculo. Graças a Deus, quem vos escreve e critica, neste momento, encontrou a gentileza, boa educação e informação correta, recorrendo ao psicanalista e produtor Atonio Quinet. 

Além dos artistas citados, a composição e direção musical é de José Eduardo Costa Silva e a luz de Daniela Sanches. "O Ato - variações freudianas 2" é um espetáculo aconselhável, pela inteligência de seu texto e o alto nível da representação de seus atores (atenção, não se esqueçam do problema da voz!). Tenham todos um bom espetáculo!

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