"Aos Domingos", de Julia Spadaccini. Em cena, Juliana Teixeira (Ana) e Jorge Caetano (Edu). (Paprica Fotografia) |
CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Talvez seja o caso de os críticos de
teatro não irem a estreias teatrais. "Aos Domingos", que vimos na
estreia, não é a mesma peça que se apresentou, no dia 26 de maio de 2013, justamente
um mês depois, no Teatro Gláucio Gill. Faço questão de destacar essa data,
porque a partir dela "Aos Domingos" se configurou, para essa crítica,
como um marco na nossa dramaturgia. Comparável, pela sua sutileza, aos melhores
clássicos da dramaturgia universal. É preciso saber ver e distinguir os nossos.
Claro que o espaço entre a estreia e a visita da crítica especializada não deve
ser tão longo, porém, não se pode negar que, na primeira apresentação de
"Aos Domingos", havia algo fora de compasso, algo que não deixava o
texto correr. Talvez fosse emoção demais, a emoção da estreia.
Hoje, o prazer com que essa peça flui
deixa perceber as suas nuances. E não é porque sabemos a história. Quando
crítica da Tribuna da Imprensa, no suplemento Tribuna Bis, os criadores de
teatro (dramaturgos e diretores), mandavam com antecedência o texto de suas
peças para serem lidos antes da estreia. Nada impede. Quantas peças já vimos e
revimos, em montagens as mais diversas, e degustamos como se fosse a primeira
vez? Hoje, ao rever "Aos Domingos", foi possível captar a sua
perfeição. Vamos a ela.
Dois irmãos se reencontram, após seis anos
de separação, em um almoço de domingo na casa da irmã. Antes do encontro, nos
primeiros momentos da peça, somos apresentados à protagonista, Ana, uma mulher
metódica, detalhista até quase a obsessão. Este será o cartão de visitas da
personagem e, ao mesmo tempo, um trunfo para o dramaturgo. Nesta abertura percebemos
que Ana possui a boa vontade dos amorosos.
Em um segundo movimento, percebemos a
chegada de Edu, o irmão. Através da transparência de uma porta, ele nos deixa
ouvir seus pensamentos. Trata-se de outro momento marcante do texto, o desvendar
de sentimentos. Há ênfase e, ao mesmo tempo, delicadeza, na apresentação dos
momentos cruciais, no texto e na encenação, é quando presente e passado se alternam. Uma ferida
aberta. Há o movimento dos personagens, ligados profundamente por laços de sangue e convivência.
O que os impulsiona a ação é a ansiedade de
Ana: momentos de entendimento são perdidos pela precipitação do personagem. O público,
ao tomar conhecimento do que está por trás das emoções, tem, também, servido o seu
banquete. Não se trata apenas de uma tragédia burguesa, o texto, intercalado de
avanços e recuos, vai jogando luz sobre vários aspectos da difícil convivência entre
as pessoas, burguesas ou não. "Aos Domingos" coloca emoções que já
foram trabalhadas pelos grandes clássicos da dramaturgia universal, porém
coloca, à sua maneira, uma abertura para o futuro, uma vontade de romper, de vencer
obstáculos.
São tantos os momentos-chave que levam à mudança,
que somente a mão bem treinada de um especialista poderia nos conduzir com
segurança por este caminho. Aí entra o detalhe e a perfeição da escrita de
Julia Spadaccini, talvez a melhor das surpresas dessa nova geração de
dramaturgos brasileiros, pelo poder de aprofundar assuntos tão complexos.
"Aos Domingos" foi escrita para
Juliana Teixeira (Ana), e Jorge Caetano (Edu). O texto possui um tranquilo equilíbrio entre (todos) os
personagens, dando a cada um deles o seu "morceau de bravure". Neste
aspecto surge o decisivo personagem de João, amigo de infância - e epicentro da
ação - interpretado por Bruno Padilha. Este personagem destaca o lado racional
e psicológico da ação, ao tornar claras
as motivações dos irmãos. Trata-se de um desempenho sóbrio, marcante. E temos a
intervenção precisa de Paulo Giardini, interpretando Sergio, o marido de Ana.
Os quatro personagens equilibram a narrativa, deixando-a fluir e apresentando-a com a força
dos grandes eventos. Soma-se a esse conjunto de acertos a direção de Bruce
Gomlevsky, assistido por Glauce Guima. Sente-se a mão do diretor dando aos
atores a precisão e a consciência de poder alcançar o máximo que seus personagens
solicitam. É sempre uma grande emoção poder assistir a um espetáculo com a
qualidade de "Aos Domingos".
É bom não esquecer que teatro é esse
desnudar de situações limites que levam à interpretação emocionada de um texto.
Há vários aspectos a abordar, neste texto. Inclusive há leves toques, que iluminam o caráter dos
personagens. Como, por exemplo, a constatação bem humorada de Ana, ao declarar
que, durante a vida, devemos ir mudando de nome, conforme a nossa personalidade
vai se modificando. À primeira vista parece uma observação frívola, porém há
todo um jogo de imaginação e originalidade mostrando o raciocínio do personagem.
Ou ainda sobre o conceito de liberdade, que, para Ana, é um sentimento só
acessível a pessoas muito egoístas! Pequenas observações vão iluminando a
psique do personagem, para além de seu desempenho. No caso de Ana, trata-se de um personagem patético e amoroso, interpretado com
acerto por Juliana Teixeira. Esse personagem desenvolve grande empatia e se comunica
muito bem com a plateia.
O Edu de Jorge Caetano respira ironia e é construído
com sutileza. As nuances do personagem estão muito bem desenvolvidas pelo ator,
neste terreno perigoso que é o das emoções bem controladas. Paulo Giardini faz uma intervenção curta,
porém primorosa, com o seu debochado e histriônico Sergio. E Bruno Padilha,
como João, o namorado de infância de Ana que, ao transmitir, pontual e controlado,
suas certezas, parece-nos materializar o personagem positivo.
É sempre um prazer ver um elenco tão bem
afinado. Sendo assim, o texto de Spadaccini flui. Compondo a cena, os altos e
baixos, fisicamente, e acertadamente, do cenário de Nello Marrese e Natalia
Lana. Ana se movimenta entre toalhas e objetos, entre sons de Piaf e telefones,
enfatizando a sua ansiedade. Edu marca seu espaço, ora no jardim, participando
e cedendo espaço para o discurso da irmã, ora na mesa, observando e analisando
o desamparo de Ana. O desenvolvimento deste personagem, da ironia inicial ao envolvimento
final, é de grande riqueza de detalhes. Não há um momento em que Jorge Caetano
não esteja vivamente presente em Edu. Esse desempenho visceral acompanha também
a atuação de Bruno Padilha, atento às reações da mulher em
cena. Trata-se de uma orquestra
bem regida, e o maestro é Bruce Gomlevsky. Porém, tais qualidades, é preciso
destacar, só foram surpreendidas após alguns dias da estreia. "Aos
Domingos" está apenas começando a sua trajetória nos palcos cariocas. Desejamos-lhe vida longa!
Os figurinos, atuais, são de Flavio
Souza.
Iluminação de Luiz Paulo Nenen.
Trilha Sonora de Bruce Gomlevsky.
Plano de Mídia: Mauro Vianna.
Assessoria de Imprensa: João
Pontes e Stella Stephany.
Nenhum comentário:
Postar um comentário