(Foto Dalton Valério)
CRÍTICA
TEATRAL
IDA
VICENZIA FLORES
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Uma inteligente montagem de Oscar Wilde. Com citações da nossa realidade, a essência do dramaturgo e dândi irlandês está intacta. Trata-se de mais uma arriscada versão deste autor, já que voltamos aos
primórdios do teatro, como nos tempos em que as mulheres não eram permitidas a bordo. Há, neste tipo de esptáculo,
pequenos riscos de entrar no terreno da comédia besteirol com travestis (e, perigo maior: pode uma facção
mais ortodoxa de nossos críticos assim julgá-la).
Mas qual! Ao ter início o
espetáculo, com aquela banda reproduzida pelos atores, e abrindo com os
compassos de Steppenwolf ("Born to be Wild"), "A Importância de
ser Perfeito", de Oscar Wilde, Daniel Herz e Leandro Soares conquista ao
primeiro som (com música e letra adicional de Leandro Castilho). O cenário
convencional de uma Inglaterra vitoriana é descartado: por detrás de panos transparentes
passam-se as mudanças. Ah, para que todas aquelas montagens de "A Importância...",
com aquelas imagens primaveris de chaise longues e cadeiras de jardim...? Aquilo
é passado. O cenógrafo Nello Marrese nos brinda com algo totalmente
inexistente, nesse aspecto. Para ele, o cenário é composto de quatro cadeiras, alguns objetos de cena e uma
cortina de fundo.
A luz de Aurélio De Simoni e os figurinos de Thanara
Schönardie preenchem algumas carências do cenário. E o diretor optou, para enriquecer as cenas, colocar as falas de alguns personagens (eles são 25, ao todo, no original), diluídas no conjunto, para dar movimento à ação.
Os intérpretes, autorreferenciados
como "Coletivo Achado Numa Mala", vindos, alguns, dos Atores da Laura
(Anderson Mello é a "nossa" tia Augusta (Lady Bracknell), o
maravilhoso personagem de Wilde que retrata os preconceitos de uma classe
social que se diz privilegiada. (Inesquecível a frase de tia Augusta decretando
que "só fala mal de sua classe quem não pertence - mas quer pertencer - a ela..."). O tradutor
e adaptador Leandro Soares nos dá uma versão micro do texto de
Oscar Wilde.
Uma das versões levadas à cena no Brasil, na íntegra, foi protagonizada por Nathalia Timberg (Lady Bracknell) e Barbara Paz como a
Srta Gwendolen (podem vocês imaginar a tradução do diretor para a jovem ardilosa).
Pois essa versão pecava por ser muito reverente ao autor, não
possuia o descaramento saudável e transgressor (Wilde aprovaria) da atual, não possuia o envolvimento de folhetim dessa "comédia frívola para pessoas sérias". As duas mocinhas (Cecília, João
Pedro Zappa) e Patrícia (George Sauma) estão de tal maneira dentro de seus
papéis que, em dia de estreia, o figurino de George despencou, e "ela"
observou, com naturalidade: "fiquei nua!" Era uma mocinha ajeitando
a saias, com a ajuda de Cecília. A platéia
aplaudiu.
Os arranjos para
casamentos de conveniência (para os jovens seria um casamento por amor), correm
soltos, em meio a serviços de um buffet de canapés de pepino proporcionados por
um hilário (e discreto) serviçal, interpretado por Samuel Toledo (em dois
personagens: Felício e Ruas). As críticas ao momento atual de nossa sociedade
estão presentes, principalmente com o pastor Saulo (Pedro Tomé) representando
os descaminhos de qualquer religião (estava inseguro, na estreia. Poderia enlouquecer mais), e Dona Glorinha (Marcio Fonseca), como a
fofoqueira folhetinesca. Eles são quatro, dos inúmeros personagens secundários de
Wilde que sobreviveram, e são imprescindíveis para a peça funcionar.
Tudo se passa entre
Londres, e a "casa de campo" - do civilizado ao "rustique".
Para tia Augusta o campo é folclórico em demasia. Os figurinos são um
espetáculo à parte, junto com a direção imaginada por Daniel Herz, onde os
sexos são estimulados por esboços "andróginos" (para muitos, a
sexualidade do futuro). Nomes de família, árvores genealógicas, a importância
da aparência física, o camuflar a idade, o trato ao subalterno, as manias, a vaidade
exacerbada e muito mais é apresentado, entre uma frase de espírito e outra:
como é notório em Wilde.
A inspiração para essa montagem vem de José Celso Martinez Correa, que apresentou aos atores o livro da americana Camille Paglia sobre o irlandês. O desafio de olhar Wilde sobre esse prisma foi aceito, e daí surgiu essa direção precisa de Daniel Herz, cujo detalhes na interpretação dos atores vem unir-se ao trabalho de tradução de Leandro Soares. Esse ator/tradutor interpreta um dos apaixonados.
O texto, partindo de um enredo cotidiano, deflagra uma ação simples em aparência, porém com profunda reflexão de costumes. Em meio às incertezas reinantes, os dois Leandros, Soares e Castilho, interpretam os apaixonados Agenor e José: eles querem ser rebatizados para agradar às suas amadas. Como a história é
bastante conhecida, abstemo-nos de relatá-la. A aconselhamos ao público.
São momentos de teatro insólito e extravagante. E o elenco como um todo, principalmente os cinco protagonistas, respira inteligência. Uma
delícia.
FICHA TÉCNICA ADICIONAL:
Assistência de Cenografia: Lorena Lima
Assistência de Iluminação: Ana Luzia De Simoni
Direção de Produção : Tárik Puggina
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