José de Abreu, Márcia Cabrita e Tadeu Mello em "Bonifácio Bilhões" (foto divulgação) |
CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA
FLORES
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Está em cartaz, no Teatro Vannucci, uma
peça de João Bethencourt, “Bonifácio Bilhões”. No elenco, Márcia Cabrita, José
de Abreu e Tadeu Mello. Direção de Ernesto Piccolo. Para quem não sabe, João
Bethencourt foi, dos anos 50 até seu falecimento no século XXI, o representante
da comédia popular irreverente, ao estilo brasileiro, uma espécie de Atlântida
teatral. Suas peças tinham forte apelo popular, e eram subestimadas pela
crítica especializada, apesar de ele ter ganhado alguns prêmios, sempre dirigindo
textos alheios. Formado no exterior (Master of Arts em Yale) Bethencourt possui
em seu currículo peças abordando os mais variados assuntos, desde religião até
incômodas irreverências aos poderosos do momento. É o autor brasileiro mais
encenado no exterior. O espaço dado a ele agora é muito apropriado para mostrar
às novas gerações a sua exuberância.
Sim, às vezes essa exuberância torna-se
óbvia. Os tempos e contratempos levantados pelo espetáculo perdem um pouco, por
repetitivos. Compreende-se que o diretor Ernesto Piccolo optou por respeitar as
marcas do autor. Neste sentido, temos a impressão de estar assistindo a uma
direção de Bethencourt. O húngaro/brasileiro se divertia com a ênfase dada às
suas marcas, porém algumas delas podemos credenciar a Piccolo. Um bom exemplo é
a cena das contradições do intelectual burguês, interpretado por Abreu, cujas
fumaças de marxismo só vêm à tona quando fuma, verdadeiramente, um baseado.
Suas mudanças de humor nos fazem recordar certos filmes de Chaplin, nos quais o
amigo milionário se torna generoso com o vagabundo somente quando bebe. A
generosidade de Antunes (Abreu) em relação a Bonifácio (Mello) é semelhante.
Márcia Cabrita talvez seja a peça mais
importante dessa encenação, o temperamento “quebra arestas” de Alzira Antunes,
seu personagem, torna mais humana a “situação limite” imposta por seu companheiro,
em relação a seu opositor na partilha dos bilhões, representado pelo funcionário subalterno Bonifácio Brilhante. Quem
quer saber de pobre, não é mesmo? Alzira, à qual Cabrita dá o tom perfeito de
comédia, quer saber de pobre, e é solidária. Tadeu Mello (o pobre) interpreta
com precisão o comportamento de um honesto (e inteligente) representante do
povo. Ele está de parabéns, lutando pela parte que lhe toca dos bilhões da loteria esportiva.
Em contrapartida, José de Abreu não perde
nenhuma das alusões irônicas do autor a respeito da classe a qual Walter
Antunes, seu personagem, pertence. As mudanças de personalidade de Antunes são
jogadas para a plateia, por Abreu, com o maior acerto. É quando o professor retruca, com desfaçatez,
para o representante do povo, que é para “esquecer todos os livros que
escrevera no passado”. Para surpresa do professor economista, Bonifácio
Brilhante lera (e entendera) dois de seus livros. É nesse momento que o autor
Bethencourt faz uma clara alusão a certo político (FHC). José de Abreu sabe
aproveitar cada momento que seu papel exige.
É uma grata surpresa poder assistir novamente a um autor que foi ignorado (por ser considerado vulgar e mau autor), pelos “homens
de bem” dos anos 70. Bethencourt conhece os mecanismos de uma boa comédia. Ver
em cena um elenco que soube recriar a cumplicidade que esse autor sempre desperta
na plateia, e assistir ao trabalho de um diretor (Piccolo), que entende a hilaridade que o texto
proporciona, é um grande prazer. A apresentação de Bethencourt nos palcos nos trás, novamente, o
destemor com que ele enfrentava o perigo de ser rotulado de autor primário e
repetitivo. Ernesto Piccolo soube compreender, e reproduzir o autor, nos termos
em que ele gostaria de ser compreendido.
WebRep
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Este site não tem classificação
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Suas críticas são verdadeiras aulas de teatro! Interessantes e instigantes!
ResponderExcluirParabéns!
Obrigada!
ResponderExcluirO que será esse comentário acima dizendo que "este site não tem classificação"? Quer dizer que ele é um "desclassificado"? Que honra!
ResponderExcluirIda
Ida, seu site pode até ser desclassificado para os outros. Para mim, é sempre uma ode de amor a teatro. É visível seu amor. Transborda. Amo!
ResponderExcluirVi "Bonifácio Bilhões" há séculos, com o Lima Duarte.
Beijos.