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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

"BONIFÁCIO BILHÕES"

José de Abreu, Márcia Cabrita e Tadeu Mello em "Bonifácio Bilhões"
(foto divulgação)

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

      Está em cartaz, no Teatro Vannucci, uma peça de João Bethencourt, “Bonifácio Bilhões”. No elenco, Márcia Cabrita, José de Abreu e Tadeu Mello. Direção de Ernesto Piccolo. Para quem não sabe, João Bethencourt foi, dos anos 50 até seu falecimento no século XXI, o representante da comédia popular irreverente, ao estilo brasileiro, uma espécie de Atlântida teatral. Suas peças tinham forte apelo popular, e eram subestimadas pela crítica especializada, apesar de ele ter ganhado alguns prêmios, sempre dirigindo textos alheios. Formado no exterior (Master of Arts em Yale) Bethencourt possui em seu currículo peças abordando os mais variados assuntos, desde religião até incômodas irreverências aos poderosos do momento. É o autor brasileiro mais encenado no exterior. O espaço dado a ele agora é muito apropriado para mostrar às novas gerações  a sua exuberância.
     Sim, às vezes essa exuberância torna-se óbvia. Os tempos e contratempos levantados pelo espetáculo perdem um pouco, por repetitivos. Compreende-se que o diretor Ernesto Piccolo optou por respeitar as marcas do autor. Neste sentido, temos a impressão de estar assistindo a uma direção de Bethencourt. O húngaro/brasileiro se divertia com a ênfase dada às suas marcas, porém algumas delas podemos credenciar a Piccolo. Um bom exemplo é a cena das contradições do intelectual burguês, interpretado por Abreu, cujas fumaças de marxismo só vêm à tona quando fuma, verdadeiramente, um baseado. Suas mudanças de humor nos fazem recordar certos filmes de Chaplin, nos quais o amigo milionário se torna generoso com o vagabundo somente quando bebe. A generosidade de Antunes (Abreu) em relação a Bonifácio (Mello) é semelhante.
     Márcia Cabrita talvez seja a peça mais importante dessa encenação, o temperamento “quebra arestas” de Alzira Antunes, seu personagem, torna mais humana a “situação limite” imposta por seu companheiro, em relação a seu opositor na partilha dos bilhões, representado pelo funcionário subalterno Bonifácio Brilhante. Quem quer saber de pobre, não é mesmo? Alzira, à qual Cabrita dá o tom perfeito de comédia, quer saber de pobre, e é solidária. Tadeu Mello (o pobre) interpreta com precisão o comportamento de um honesto (e inteligente) representante do povo. Ele está de parabéns, lutando pela parte que lhe toca dos bilhões da loteria esportiva.
     Em contrapartida, José de Abreu não perde nenhuma das alusões irônicas do autor a respeito da classe a qual Walter Antunes, seu personagem, pertence. As mudanças de personalidade de Antunes são jogadas para a plateia, por Abreu, com o maior acerto. É  quando o professor retruca, com desfaçatez, para o representante do povo, que é para “esquecer todos os livros que escrevera no passado”. Para surpresa do professor economista, Bonifácio Brilhante lera (e entendera) dois de seus livros. É nesse momento que o autor Bethencourt faz uma clara alusão a certo político (FHC). José de Abreu sabe aproveitar cada momento que seu papel exige.                 
     É uma grata surpresa poder assistir novamente a um autor que foi ignorado (por ser considerado vulgar e mau autor), pelos “homens de bem” dos anos 70. Bethencourt conhece os mecanismos de uma boa comédia. Ver em cena um elenco que soube recriar a cumplicidade que esse autor sempre desperta na plateia, e assistir ao trabalho de um diretor (Piccolo), que entende a hilaridade que o texto proporciona, é um grande prazer. A apresentação de  Bethencourt nos palcos nos trás, novamente, o destemor com que ele enfrentava o perigo de ser rotulado de autor primário e repetitivo. Ernesto Piccolo soube compreender, e reproduzir o autor, nos termos em que ele gostaria de ser compreendido.         
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4 comentários:

  1. Suas críticas são verdadeiras aulas de teatro! Interessantes e instigantes!
    Parabéns!

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  2. O que será esse comentário acima dizendo que "este site não tem classificação"? Quer dizer que ele é um "desclassificado"? Que honra!
    Ida

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  3. Ida, seu site pode até ser desclassificado para os outros. Para mim, é sempre uma ode de amor a teatro. É visível seu amor. Transborda. Amo!
    Vi "Bonifácio Bilhões" há séculos, com o Lima Duarte.
    Beijos.

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