Páginas

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"A IRA DE NARCISO"

Imagem relacionada
"A IRA DE NARCISO", de Sergio Blanco. Em cena Gilberto Gawronski. Direção Yara de Novaes.
(Foto de Produção)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
A  IRA  DE  NARCISO
A 9ª edição do Festival Internacional de Artes Cênicas do Rio de Janeiro, o TEMPO FESTIVAL, apresenta espetáculos à procura do novo.  No teatro do Oi, Flamengo Yara De Novaes dirige a interpretação de Gilberto Gawronski para o texto de Sergio Blanco, talento uruguaio radicado na França. A tradução e a montagem brasileira foi idealizada por Celso Curi. Trata-se de um texto de grande impacto.

     E aí começam as diferenças. O Festival Internacional de Artes Cênicas do Brasil, em sua encenação no Rio de Janeiro abrange os oito núcleos, que se estendem pelo país afora. Incluídos nestes núcleos o Festival de Londrina e Porto Alegre em Cena. Há também espetáculos vindos de outros países, como Espanha, Croácia, França, Alemanha, Suiça ... Há  internacionalização de projetos artísticos e culturais. A 9ª Edição do Tempo Festival começou no dia 19 de outubro e irá até o dia 28 deste mês. Aproveitem a ocasião. O TEMPO FESTIVAL é patrocinado por múltiplas associações culturais, particulares e governamentais, com resultados de primeira grandeza, como “A Ira de Narciso”. Vamos a ele!

     Novo gênero de teatro contemporâneo, o “teatro da narrativa” revoluciona a maneira de contar uma historia. A  fórmula criada por Blanco é inovadora, há uma dinâmica fragmentada do teatro pós-moderno, mas o espetáculo se configura pela procura do “outro”. Rimbaud é o símbolo, com o seu “Je est un autre”. E há outras observações culturais que leva o público à construção do pensamento do autor: de forma poética são citados Heidegger e sua “metafísica” (onde o autor Sergio Blanco se pergunta sobre arte do ator, se não teria ela esta fórmula metafísica do filósofo alemão? 

     Há, no espetáculo, várias citações (belas) sobre a poética da ação e da atuação – a poética do ator - deslumbrando com as ligações que Blanco estabelece entre Rimbaud, Heidegger, Deleuze, e a sua própria criação artística. Trata-se de um autor que sabe conduzir o “tempo” – que pode ser o da ação, ou o do pensamento. Enfim, o "tempo", os acontecimentos do presente e a revolta contra a morte. Marcantes os momentos da indignação do ator, quando grita, no texto, a indiferença com que a humanidade vê passar os acontecimentos presentes - acontecimentos dantescos que destroem a vida. O grito do autor se faz ouvir, marcando o lugar da sensibilidade. É impactante a forma com a qual Sergio Blanco nos leva ao que está destruindo o nosso “agora”, e a nossa vida futura.

   A troca entre os acontecimentos do presente - o ator/narrador está envolvido em uma palestra que o leva a um local pouco conhecido do planeta – e a crítica que Sergio Blanco faz a estes encontros sinaliza o sentimento humano, muito humano... dos intelectuais; sentimentos como a vaidade, a mentira, a dissimulação, o desinteresse...e outra fragilidades... Há um embate entre a sensibilidade e a razão. 

     E quem sustenta este embate? Quem sustenta o “ser” sobre o qual a narrativa é realizada? Gilberto Gawronski, em brilhante interpretação, consegue passar a firmeza e as certezas daquele personagem que se transforma constantemente no “eu” e no “outro”, numa tempestade de sensualidade, procura, indignação e ironia, transformando sua atuação em um momento mágico do teatro. Os acontecimentos vão se concretizando, e a lucidez, que não deixa o personagem recuar para o fácil convívio de seus colegas intelectuais, o faz declarar: “Eu não era movido pela curiosidade, mas por um defeito profissional“.  O personagem se ironiza, enquanto escritor.   
   
     Este “teatro da narrativa” – se assim o podemos chamar – deixa UMA QUESTÃO PALPITANTE NO AR: Estamos, ou não estamos? - na presença de uma inovação teatral? Na presença de uma nova linguagem, inaugurada neste TEMPO FESTIVAL? Só o futuro o dirá. Por enquanto, o que nos deixa perplexos é a capacidade da linguagem teatral abranger tantos universos, na simplicidade de uma montagem que conta com dois atores: Gilberto Gawronski e Murilo Basso (também assistente de direção) ou Carlos Jordão. A música, responsável pelos modificação da cena e dos sentimentos, tem direção de Dr. Morris. A percussão selvagem que nos é dado ouvir anuncia perspectivas sensuais, porém tal disposição é intermediada pela música de Bach, que o personagem Sergio Blanco prefere ouvir. Um Bach, e a percussão inquietante, eis o jogo musical. A iluminação faz trabalhar a imaginação da plateia, e do personagem. E a cenografia, composta principalmente de caixas de luz que refletem aspectos da cidade de Liubliana (e seu parque misterioso e romântico), em uma região da Croácia, onde se passa a ação. Destacamos também o figurino de Blanco/Gawronski. Estas são, respectivamente, as criações do já citado Dr. Morris e de Wagner Antonio na Iluminação, André Cortez e sua moderna cenografia, além do figurino muito revelador do nosso já conhecido Fabio Namatame.

     Como se trata de uma pré-estreia, talvez haja oportunidade de a mesma ser encenada ainda no Rio de Janeiro. Como diz o programa: é “uma jornada fascinante e arriscada pelo confuso labirinto do eu, da linguagem e do tempo”. Gawronski está concorrendo ao Prêmio Shell por São Paulo. NÃO PERCAM! TRATA-SE DE UMA NOVA LINGUAGEM PARA O TEATRO!         
         
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário