TEATRO
CRITICA
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Vera Holtz em "Palácio do Fim" - foto Guga Melgar |
A peça da canadense Judith Thompson aborda a questão do
Iraque contemporâneo, a guerra em seu território e a decadência de um povo. É
praticamente impossível, para alguém que não seja iraquiano (e para eles,
principalmente) procurar entender o que
se passou em seu território com essa revoltante invasão estrangeira. Mas, como
a escolha do diretor José Wilker recaiu sobre "Palácio do Fim", vamos
a ela. Trata-se de uma faca de dois gumes, pois, ao mesmo tempo em que a autora
acolhe depoimentos, ela tenta humanizar equívocos, como o representado pela
atriz Camila Morgado, que ficou com a dificil (e triste) missão de mostrar a
"banalidade do Mal", exposta já tão abertamente por Hannah Arendt em
seu confronto com o nazista Adolf Eichman. Judith Thompson tenta humanizar uma
fera bárbara, buscando trazer até nós comiseração pela soldado Lynndie. Puro
lixo Ocidental. O talento de Camila Morgado desnuda-a. Porém a autora, ao mesmo
tempo em que procura nos horrorizar com o horror que pode ser o cérebro humano,
tenta nos aproximar, mostrando simpatia pela besta-fera, nem que seja para se
solidarizar ao perceber (e deixá-la se perceber) como estava errada. A solução
de Lynndie, desertar para o Canadá, redimir-se e não ser molestada, fala por si
só.
Não satisfeita com essa tentativa de comiseração ocidental
(nossos companheiros não são tão maus assim), a autora ainda tenta nos incutir
uma enganosa aversão dos orientais ao comunismo, aversão essa que foi construída
pelo Ocidente. Corrompido, Sadam Hussein aceitou fazer o serviço sujo
até o fim, mas o grande genocida, criminoso de guerra verdadeiro é
George W. Busch. Ele, agora, não pode aproximar-se da Holanda por medo de ser
enquadrado pelo Tribunal Bertrand Russel. Hussein foi amado por seu povo (é pena que o documentário feito por um francês, em
tempos anteriores à guerra capitalista, tenha sumido do mercado).
Vera Holtz, a nossa mais recente diva dos palcos (uma atriz
cuja inteligência faz tremer os seus companheiros de cena), parece aceitar a
versão ocidental, e nela crer. Para ela, que interpreta uma oriental como se
oriental fosse, Osama Bin Laden e Muamar
Kadafi parecem ser os monstros que os donos do dinheiro ocidental querem nos
vender. Perdoem-me se estou enganada e Vera Holtz consegue manter o
distanciamento crítico de seu papel, que é representar o sofrimento de uma mãe
muçulmana culpada, e politizada (elas também existem).
Que desastre esse nosso mundo! O oriental é um povo
cultivado - embora os orgulhosos ocidentais não acreditem - apenas a sua visão
de mundo é diferente da nossa. Talvez o personagem mais coerente de "Palácio
do Fim" seja o cientista interpretado por Antonio Petrin, com a sua
habitual competência. Esse personagem enfrenta sem temor o seu complexo de
culpa por ter mentido que os iraquianos possuíam armas de destruição em massa e,
através de seu depoimento, justificar a guerra. (A pergunta de uma pacifista:
por que os Estados Unidos e Israel podem ter "armas de destruição em
massa", e os outros países não, mesmo
que seja para fins pacíficos, se justifica).
O Oriente é uma região dividida em tribos (o Islamismo
fabricou as correntes provenientes de Maomé: os sunitas, originária do ramo de
Aixa, esposa-criança de Maomé; e os Xiitas, do ramo de Fátima - irmã do
profeta). A fratria e os assuntos religiosos comandam a região. Exacerbar neles
o conflito capitalista é uma perversão. O mundo deles é outro, o valor e o
poder é representado por outros interesses, que vão além do dinheiro. Em
"Palácio do Fim" o diretor optou por dar destaque às diferenças,
exacerbando-as. O texto é um entremeado de depoimentos, e convida a essa
divisão. A luz de Maneco Quinderé reforça-as; assim como o cenário
multifacetado de Marcos Flaksman. A criação musical, que dá contorno aos
acontecimentos, é de Marcelo Alonso Neves. Figurinos de Beth Filipecki e
Renaldo Machado integram-se à ação. Tem razão o diretor, quando diz:
"Talvez tenha a ver com a vida. Com algo de vida que nos escapa, cujo
sentido não é, de imediato, compreensível". Ele está se referindo, no texto do programa, à sua
escolha e à paixão pelo teatro. Alongando o sentido da frase, podemos
estendê-la, também, como sendo a compreensão do texto e do contexto. Os
orientais são um povo que "nos escapa". Thompson, para entendê-los,
precisava ser menos ocidental.