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sexta-feira, 20 de abril de 2012

"ECLIPSE"

(VIAGEM LIVRE À OBRA DE TCHECOV)

CRÍTICA
TEATRO SESC GINÁSTICO
CENTRO
Cena final de "Eclipse" - foto de MiguelAun
   - RJ -

IDA VICENZIA

Biscoito fino, embora com alguns condimentos a acertar, na receita, o Grupo Galpão nos surpreende mais uma vez.  Esse grupo mineiro, que já trouxe ao Rio de Janeiro espetáculos memoráveis, dessa vez ocupa-se de Anton Tchecov (1860-1904). Com direção do russo Jurij Alschitz, desconhecido entre nós, a incursão à chamada "alma russa" é feita com segurança e leveza. (Os condimentos a serem ajustados são alguns problemas de fragilidade de voz de alguns atores, nada que prejudique o todo). A maneira como é apresentada a arte de Tchecov é a grande chave do espetáculo,  que se complementa com cenografia e figurinos também de Alschitz. Deles falaremos mais tarde.

     "Eclipse" parte de uma ideia de confinamento, algo misterioso e lunar, apesar de o sol ser o grande contraponto. Cinco atores-personagens jogam com histórias, contos e dramas criados por Tchecov, o grande artista que inspirou e ainda inspira artistas de todo o mundo. O interessante, na atmosfera da peça, é que atores e personagens vão desvendando suas personalidades, em uma proposta desafiante e sutil. Principalmente sutil, para quem tem alguma intimidade com a obra de Tchecov. Assim, ao mesmo tempo em que vemos a gaivota dominar a cena, vemos Nina (na voz da atriz Lydia del Picchia), apresentar a sua exaltação à Arte, ao Talento, à Vocação, temas tão queridos ao autor. A personagem da atriz (del Picchia), faz a defesa de sua visão de mundo e este jogo duplo se reproduz, sucessivamente, entre os atores. Os amantes de Tchecov se regalam. 
     Assim, ouvimos o ator Julio Maciel (que já dirigiu  espetáculos no Galpão), fazer a defesa do "eterno-estudante", personagem marcante do autor russo; e também o ator Chico Pelúcio nos transmitir (com grande maestria), um dos contos de Tchecov sobre médicos: experiência de vida, realidade e ficção do autor. Enfim, entramos no mundo dos "saberes" russos pela mão segura de um diretor que conhece o assunto. Fascinantes são os recursos encontrados para equilibrar os atores, os personagens e o "homem comum" que vive em cada um deles (de nós). Simone Ordones e Inês Peixoto, por exemplo, transmitem a própria encarnação da "alma russa": a primeira tratando da sua religiosidade e a segunda do "caos e aventura" daquele povo tão distante e tão semelhante (a nós).                        
     O cenário é um capítulo a parte. O eclipse do sol fecha as portas da comunicação com o mundo, e fica-nos apenas uma sala, esquematizada no mais puro modernismo russo. Os ângulos fechados, as cadeiras pop-art e, dominando a cena e introduzindo a ação, o quadro negro de Malevich, que vai sendo  desenhado (com letras que lembram o alfabeto cirílico e a época revolucionária da "virada russa"), os contos apresentados, a "Groselheira";  a "Sopa"; o "Médico de Província" (esse, uma paixão que Tchecov desencadeia, uma filosófica reflexão sobre o humano). O final deixo para o espectador desvendar. Os figurinos (também do diretor), compõe as cenas, alternando modernidade e romantismo. Neste último, destaque para Lydia del Picchia, a bailarina clássica (paixão russa), de meias vermelhas e coração romântico. A visita do Galpão é temporada breve. Aproveitem este estranho encontro.    

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