Claudia Ohana (Victoria), Elena Rinaldi (Eva) e Regiane Alves (Amapola). Foto Pino Gomes. |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos
de Teatro - AICT)
(Especial)
É
um espetáculo delicado e difícil, este "Amor Perverso" (Cariño Malo), de autoria da chilena Inês
Stranger. É um sonho de menina moça e um
grito poético das mulheres de Garcia Lorca!
Em algum lugar do mundo deve haver uma qualificação adequada para este
tipo de teatro, mas de uma coisa podemos ter certeza: é poesia pura, desde as
palavras das mulheres, até as imagens criadas pela imaginação do diretor.
O
paulista Luiz Valcazaras estreia no Rio de Janeiro com este "Amor Perverso".
Vindo de uma carreira de sucesso em São Paulo, sede do polêmico grupo "Os
Satyros", Valcazaras dirigiu textos de Guzik e Roveri, além de seu próprio
texto R.E.M, para o grupo. Em seu surpreendente trajeto, Valcazaras trouxe Berta
Zemel de volta ao palco em "Anjo Duro", sobre a psicanalista Nise da
Silveira. O texto também é de autoria do diretor paulista, e deu à Zemel o Prêmio
APCA de Melhor Atriz.
Há
uma peculiaridade neste novo trabalho de Valcazaras, "Amor Perverso":
é o de trabalhar imagens de grande impacto visual, e emocional. Este processo,
segundo o diretor, vem se sedimentando desde 1994, quando criou o N.I.T.E.
(Núcleo de Investigação Teatral), em um trabalho que busca transformar o
artista em um "contador de imagens".
Valcazaras
conseguiu, das três protagonistas de "Amor Perverso", um sentimento intenso, entregue e delicado. Repito: não se trata de
uma experiência fácil este de contar imagens.
Vamos
a ele: "Amor Perverso" é o desnudamento da alma de uma mulher em três
momentos de sua vida: a paixão pelo homem (uma tocante Regiane Alves (Amapola);
o "grito gitano" de Claudia Ohana (Victoria), querendo romper os
laços que a limitam; Helena Rinaldi (Eva), e a vontade de acertar da mulher
meiga e forte.
Os
nomes das personagens são apenas mencionados, não se deve inferir que tenham um
significado, um símbolo, embora o espetáculo seja extremamente simbólico. Eis o
desafio: a personagem de Rinaldi (Eva) tenta, com grande doçura, o sucesso de
sua recusa. Eva é o oposto de sua representação bíblica.
E
podemos registrar, em "Amor Perverso", quatro grandes momentos
teatrais:
Primeiro,
o impacto da entrada em cena da mulher (as três atrizes), acompanha pelo mundo
que lhe é oferecido: os pertences da casa, e o destino traçado, levados por uma
carroça, onde a luz (também do diretor), dá a dimensão da cena.
Segundo
movimento: o rompimento com seu papel de fêmea (o aborto de Regiane (Amapola) em
cena impressionante); terceiro movimento: o grito-canto de Ohana (difícil
escolher qual o momento mais significativo da peça); e quarto, a transformação
da esperança em morte do amor, quando a caixa com as cartas não lidas e não
respondidas se transforma no túmulo do amor. O amor, mesmo correspondido, é
sempre perverso?
Estas
são experiências de poesia e mistério. Nada é facilitado para o espectador. E nada
é supérfluo. Existe, ali, o envolvimento de um querer. Uma fúria delicada. E é surpreendente
como o texto de Inês Stranger se aproxima dos poetas espanhóis. As imagens que
o diretor derrama sobre a cena dão ao espetáculo uma dimensão já esquecida em
nosso teatro. Há um belo encadeamento, o das imagens ajudando a contar a
história.
Temos
também o solo de contrabaixo de Saulo Vignoli, acentuando o clima misterioso do
texto. A direção musical, e trilha original é de Alexandre Elias; figurinos de Teca
Fishinski; cenário Paulo Vilela; Visagismo: Pino Gomes; direção de movimento:
Kika Freire. Somando-se, temos a tradução de Renato de Mello, captando um momento tão
nosso. É bom ver a alma feminina se manifestando sem pudores. E com beleza. Aconselha-se
uma ida ao teatro para ver esse "Amor Perverso".