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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"LAURA"


A chegada do "viajante-pesquisador", em  "Laura", atuação, pesquisa e produção,
Fabrício Moser. (Foto Ricardo Martins). 

O ator Fabrício Moser contando o início de seu périplo, quando pede permissão
para a mãe (no foco), para contar a historia da vó Laura.
 (Foto Ricardo Martins)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
    
     Querido arista Fabrício Moser, que inventou o espetáculo-performance "Laura". Fabrício é um artista pesquisador que ouve seu coração. Mas, se a certeza do acerto só se afirma com o olhar do "Outro", o artista pode dirigir o seu olhar a todos os públicos, e, em especial, aos pesquisadores de profissão. Respiramos a seiva rara de um pesquisador em campo. Sim, o trabalho de Fabrício é um bom exemplo, ao vivo, de como se organiza uma pesquisa.

     Fabrício partiu de uma curiosidade que perseguia sua infância: "Quem foi vó Laura?" O que aconteceu, realmente, com ela? Vó Laura sempre esteve presente em sua imaginação, seu nome era evitado na família, e o desfecho de sua morte, um mistério. Tal fato aguça a curiosidade do menino e, uma vez adulto, coloca-se a campo, disposto a realizar a pesquisa sobre Laura.

     As duas perguntas: "quem foi?"  e "o que aconteceu?" neste episódio, nortearam o caminho do pesquisador. Há vários fatores de encantamento, para o público, e, o  mais interessante, talvez, seja o desvendar, junto ao autor, como se desenvolveu a sua procura. Mas o espetáculo não se resume a um assunto só, quem o assistir saberá.

     Estamos em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, Cruz Alta, povoado de acentuada influência alemã e italiana. Foi nesta cidade que nasceu Érico Veríssimo... porém, isso não interfere na morte romanesca de vó Laura, pois Fabrício não explora o lado literário do acontecimento.

     Quando tomamos conhecimento do local onde se deu a tragédia,  percebemos que tal ligação não será feita - apesar do avô "gauderio" de Fabrício, casado com Laura, ser um personagem recorrente no cenário gaúcho. Foi graças a seu "espírito gauderio", de percorrer os pampas, "sem Deus nem Lei", que despertou a paixão de vó Laura. Não, Fabrício não explora esse aspecto. Muito interessante, esse avô gaudério... porém o mesmo não se pode dizer das músicas que são lembradas, em acordeon e canto, músicas de uma rusticidade sem arte... típica dos bailes dos centros de tradição gaúcha! Enfim... o único perigo que o autor/ator/pesquisador corre é atrair um público que admira tradições gaúchas, e não propriamente teatro.  

     E por ser vida real, ficamos cada vez mais intrigados com a maneira pela qual Fabrício "estende" a sua historia, no sentido de sempre encontrar uma nova saída para os acontecimentos. Continua pesquisando com o público? Há sempre um novo acontecimento a ser somado, uma nova pesquisa? Não há regras para a imaginação.  

     O ritmo do espetáculo nunca é o mesmo, às vezes surgem "interferências" não desejadas, pois "Laura" depende de "intrincada" produção eletrônica - um de seus pontos positivos - mas que também podem se tornar uma armadilha. Constatamos que o autor/produtor Fabrício transforma-se, então, em um "one man show eletrônico". Eis um tour de force elogiável.   

     "Laura" vem de um circuito alentador, ela já esteve presente no teatro Parque das Ruínas, em Santa Teresa, e também a encontramos no belo espaço do Castelinho do Flamengo. Esse espaço cênico tem virtudes  insuspeitadas: Do alto das torres daquela estranha construção "art-nouveau", Fabrício pensou em uma cena insólita, na qual convivem tempos e falas os mais diversos - e onde, inclusive, se dança uma rancheira com o público... Trata-se de um "baile essencial" para o desenrolar da trama. Mas o público não sabe disso... (ou não devia saber, agora já sabe, com a critica!)

     São várias, as cenas: ora estamos em Cruz Alta, na rua em que se deu o acontecimento insólito; ora assistimos a projeção de um vídeo, uma entrevista, um personagem novo. Fabrício nos leva ao interior das casas, onde pessoas são entrevistadas para a pesquisa, e há sempre uma nova construção cênica a nos surpreender. 

     A performance, contando a historia trágica de vó Laura, terá vida longa, devido ao cuidadoso trabalho de elaboração da mesma. Com "pesquisa detalhada e olhar carinhoso", as múltiplas presenças de vó Laura, construídas por seu neto, dão um aspecto inquietante e revelador ao que estamos assistindo. E é, também, às vezes, divertido! Sim, "Laura" pode ser "tempo e espaço", flutuando na lembrança de quem a ama! E quem melhor do que seu neto? 

     Produção, roteiro, direção, autoria e interpretação: Fabrício Moser, ex-aluno da Uni Rio, que veio de longe - do Mato Grosso do Sul - para encantar o Rio de Janeiro com as suas historias  de  raízes gaúchas. O Rio comporta este cenário nacional. Segundo fomos informados, o próximo pouso da vó Laura será o Teatro Sérgio Porto.  NÃO PERCAM!               
    
  

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