O ator Fabrício Moser contando o início de seu périplo, quando pede permissão
para a mãe (no foco), para contar a historia da vó Laura.
(Foto Ricardo Martins)
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Querido arista Fabrício Moser, que
inventou o espetáculo-performance "Laura". Fabrício é um artista
pesquisador que ouve seu coração. Mas, se a certeza do acerto só se afirma com
o olhar do "Outro", o artista pode dirigir o seu olhar a todos os públicos,
e, em especial, aos pesquisadores de profissão. Respiramos a seiva rara de um
pesquisador em campo. Sim, o trabalho de Fabrício é um bom exemplo, ao vivo, de
como se organiza uma pesquisa.
Fabrício partiu de uma curiosidade que
perseguia sua infância: "Quem foi vó Laura?" O que aconteceu,
realmente, com ela? Vó Laura sempre esteve presente em sua imaginação, seu nome
era evitado na família, e o desfecho de sua morte, um mistério. Tal fato aguça
a curiosidade do menino e, uma vez adulto, coloca-se a campo, disposto a realizar
a pesquisa sobre Laura.
As duas perguntas: "quem foi?" e "o que aconteceu?" neste episódio,
nortearam o caminho do pesquisador. Há vários fatores de encantamento, para o
público, e, o mais interessante, talvez,
seja o desvendar, junto ao autor, como se desenvolveu a sua procura. Mas o
espetáculo não se resume a um assunto só, quem o assistir saberá.
Estamos em uma pequena cidade do Rio
Grande do Sul, Cruz Alta, povoado de acentuada influência alemã e italiana. Foi
nesta cidade que nasceu Érico Veríssimo... porém, isso não interfere na morte
romanesca de vó Laura, pois Fabrício não explora o lado literário do
acontecimento.
Quando tomamos conhecimento do local onde
se deu a tragédia, percebemos que tal
ligação não será feita - apesar do avô "gauderio" de Fabrício, casado
com Laura, ser um personagem recorrente no cenário gaúcho. Foi graças a seu
"espírito gauderio", de percorrer os pampas, "sem Deus nem
Lei", que despertou a paixão de vó Laura. Não, Fabrício não explora esse
aspecto. Muito interessante, esse avô gaudério... porém o
mesmo não se pode dizer das músicas que são lembradas, em
acordeon e canto, músicas de uma rusticidade sem arte... típica dos bailes dos centros
de tradição gaúcha! Enfim... o único perigo que o autor/ator/pesquisador corre é
atrair um público que admira tradições gaúchas, e não propriamente teatro.
E por ser vida real, ficamos cada vez mais
intrigados com a maneira pela qual Fabrício "estende" a sua historia,
no sentido de sempre encontrar uma nova saída para os acontecimentos. Continua
pesquisando com o público? Há sempre um novo acontecimento a ser somado, uma
nova pesquisa? Não há regras para a imaginação.
O ritmo do espetáculo nunca é o mesmo, às
vezes surgem "interferências" não desejadas, pois "Laura"
depende de "intrincada" produção eletrônica - um de seus pontos
positivos - mas que também podem se tornar uma armadilha. Constatamos que o
autor/produtor Fabrício transforma-se, então, em um "one man show
eletrônico". Eis um tour de force
elogiável.
"Laura" vem de um circuito
alentador, ela já esteve presente no teatro Parque das Ruínas, em Santa Teresa,
e também a encontramos no belo espaço do Castelinho do Flamengo. Esse espaço
cênico tem virtudes insuspeitadas: Do
alto das torres daquela estranha construção "art-nouveau", Fabrício
pensou em uma cena insólita, na qual convivem tempos e falas os mais diversos -
e onde, inclusive, se dança uma rancheira com o público... Trata-se de um "baile
essencial" para o desenrolar da trama. Mas o público não sabe disso... (ou
não devia saber, agora já sabe, com a critica!)
São várias, as cenas: ora estamos em Cruz
Alta, na rua em que se deu o acontecimento insólito; ora assistimos a projeção de
um vídeo, uma entrevista, um personagem novo. Fabrício nos leva ao interior das
casas, onde pessoas são entrevistadas para a pesquisa, e há sempre uma nova
construção cênica a nos surpreender.
A performance, contando a historia trágica
de vó Laura, terá vida longa, devido ao cuidadoso trabalho de elaboração da
mesma. Com "pesquisa detalhada e olhar carinhoso", as múltiplas
presenças de vó Laura, construídas por seu neto, dão um aspecto inquietante e
revelador ao que estamos assistindo. E é, também, às vezes, divertido! Sim,
"Laura" pode ser "tempo e espaço", flutuando na lembrança
de quem a ama! E quem melhor do que seu neto?
Produção, roteiro, direção, autoria e
interpretação: Fabrício Moser, ex-aluno da Uni Rio, que veio de longe - do Mato
Grosso do Sul - para encantar o Rio de Janeiro com as suas historias de
raízes gaúchas. O Rio comporta este cenário nacional. Segundo fomos
informados, o próximo pouso da vó Laura será o Teatro Sérgio Porto. NÃO PERCAM!
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