Páginas

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O DIABO EM MRS. DAVIS





IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
                 Andrea Dantas em O Diabo em Mrs. Davis (foto de Luciana Mesquita).

     E cá estamos nós comentando o magnífico O Diabo em Mrs. Davis, solo de Andrea Dantas, com direção do ótimo Aloísio de Abreu e texto de Jau Sant’Ângelo.

     Temos quase certeza de que vocês não sabem quem é Jau Sant’Ângelo. Pois ele saiu, ainda menino, dos ensinamentos de Guti Fraga do Grupo Nós do Morro para a vida profissional e criativa, e deu no que deu: um ótimo fazedor de textos teatrais! Sim, podemos chamá-lo de dramaturgo, pois já possui no mínimo três textos de sucesso: No Escuro o que faz uma mariposa sem uma lâmpada; Amargo Fruto – Vida de Billie Holiday, e este O Diabo em Mrs. Davis. O autor deste último texto se inspirou nas palestras realizadas por Bette Davis nos anos 80, quando afastada do cinema. Vocês sabiam que Davis, uma vez fora do cinema, fez palestras sobre a sua vida?    

     Pois bem. Temos aqui o ótimo O Diabo em Mrs. Davis, uma espécie de autobiografia, dirigida por Aloísio de Abreu (para mim um ator e diretor talentosíssimo que ainda não foi reconhecido e destacado pelo seu grande talento). Pois bem. O Diabo em Mrs. Davis recolhe ainda outro grande talento, que é Andrea Dantas fazendo o papel de Mrs. Davis.

     E chegamos a este monólogo, mas não antes de reconhecer o valor do texto de Jau Sant’Ângelo, um grande e irônico texto, fazendo jus à personalidade de Mrs. Davis. Andrea Dantas, como ótima atriz que é, entra no espírito da famosa e brilhante atriz, como se a mesma fosse! Explicamos:

     “Dangerous” foi o primeiro Oscar de Bette. Depois veio “Jezebel”, e um novo Oscar... e filmes que a levaram ao sucesso, como “Com a Maldade na Alma”; “A Malvada”, e alguns títulos que lhe deram projeção (e Oscares) em sua vida ativa no cinema. Foram cinco indicações ao Oscar. Mas Bette Davies - com todo o seu talento - também teve que correr atrás de participações em filmes, como qualquer mortal! E isso podemos testemunhar no texto de Jau, nas palestras pós-carreira por ela proferidas. Seus diretores? Nada menos do que William Wyller (Jezebel); Com  a Maldade na Alma (direção de  Robert Aldrich) – filme em que contracenou com Olivia de Havilland, de quem era amiga. E muitos outros filmes,. Considerava a sua mãe, Ruth, “uma mistura de mãe, agente e Deus”, pois foi graças a ela que iniciou a sua carreira de sucesso.  (Os cinéfilos, os adeptos da sétima arte não esquecem Bette Davis).  

     Realmente, Bette Davis é (era) uma mulher brilhante e talentosa. Suas frases no espetáculo do Teatro Municipal Café Pequeno fazem jus à fama que recolheu durante a carreira. Talvez o mais divertido (para a plateia) seja o relacionamento de amor e ódio que ela reservava a Joan Crawford, sua rival no cinema. Ela foi sua companheira no grotesco e terrível “O que terá acontecido a Baby Jane?” (dirigido pro Robert Aldrich). Diz Bette que as duas se odiavam. Mas amores e ódios faziam parte da “Época do Ouro” do cinema de Hollywood! 

     Andrea Dantas é uma inspirada e brilhante atriz (mas sem a maldade de Bette). Andrea é uma atriz de doce personalidade (ao menos é o percebemos em seu contato), e possui o reconhecimento de ser brilhante como atriz. E não diz - ou talvez não diga - como Bette que: “Sucesso é mais perigoso do que fracasso”. Não sabemos se pensa assim, Andrea é uma atriz discreta.

     O trio acima mencionado, Jau, Aloísio e Andrea estão no simpático teatro Café Pequeno até o dia 9 de fevereiro, com este “O Diabo...”. Imperdível, diríamos. E ele foi levantado com a ajuda de amigos. O cenário atual é simples – uma cortina vermelha ao fundo, uma poltrona e uma mesa com bebidas -  criado pela própria atriz.  O figurino e a maquiagem são também escolhidos e realizados por Andrea. Tais atributos a transformam, em cena, na inesquecível Bette Davis.
     O que podemos concluir do espetáculo? Que ele é uma pura demonstração de amor ao teatro - talvez o mais puro amor - dos que temos visto ultimamente. O entrosamento do trio é perfeito. Ficamos surpresos e divertidos com a lucidez e a maldade que Andrea Dantas empresta a Bette Davis.

     Na ficha técnica temos Stella Stephany na divulgação; fotos de Luciana Mesquita; figurino: Marcelo Marques; Ambientação Cênica de Andrea e Jau (no Café Pequeno com ênfase na criação de Andrea); Visagismo Walter do Valle.  NÃO  PERCAM!  É  BOM  VER  BOM  TEATRO!           

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

VÍSPORA

Resultado de imagem para fotos Vispora Teatro
Na foto, o elenco de VÍSPORA: Samuel Toledo (Iacov), Claudia Barbot (Macha), Paula Vilela (Nina), Luiz Furnaletto (Trigorin), Rosa Abdallah (Arkadina), Philipp Lavra (Treplev). (Foto: Rodolpho Pupo).


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

VÍSPORA

Em cartaz até o dia 16 de fevereiro, no Teatro Poeira, VÍSPORA, uma mélange dos males dos nossos dias, com os descalabros dos dias do teatrólogo russo Anton Tchecov.

     Como assim? Simples, meu caro espectador: peguemos uma sala de bingo cheia de jogadores, uma plateia vazia, e contemos os acontecimentos de hoje em nossa vida social, mesclada com as ambições e consumos que nos fazem felizes. Felizes?

     Vemos, como nos tempos de Tchecov, um Treplev (ótimo Philip Lavra), filho de Arkadina, querendo se suicidar por falta de uma ocupação que preencha a sua aspiração pela arte, pelo belo... pelo teatro! Sim, ele é teatrólogo, dramaturgo em primeira mão – como o Treplev de Tchecov – sim, ele quer viver mergulhado em Arte, com A maiúsculo, e o que se apresenta para ele?

      Um universo de nossos dias (não que os dias de Tchecov fossem mais alentadores), mas os do moderno Treplev são coroados de inaugurações das “maravilhosas” Drogarias Venâncio (bem ao lado de sua casa), e de restaurantes apinhados de gente que quer somente comer, comer, comer! e reunir e conversar asneiras, amenidades. Onde se escondeu a Arte? – pergunta-se Treplev. E seus companheiros – assim como em A gaivota, de Tchecov, não entendem a sua fúria suicida... eles estão satisfeitos com o dia a dia “pleno” que lhes toca, cheio do mesmo vazio... Seus companheiros aceitam o presente, o vazio... sem maiores espantos.

     E assim nos vemos, como plateia, em meio a um jogo de víspora: atores e plateia jogando, aceitando prêmios e 1 cheque de 8 mil reais para quem conseguir preencher a cartela...

     Arkadina ( a excelente Rosa Abdallah), parece não se alarmar com o que está acontecendo, parece querer controlar seu desesperado filho que, suicida, está à procura da Arte. Por seu lado, o marido, o grande  escritor, reconhecido e famoso, não nos desaponta diante de sua vaidade tchecoviana, quando perguntado se continua a escrever e como anda a sua grande literatura, ele entra em um monólogo sobre pesca, dizendo que pescar é o seu estímulo para pensar. Esta comunicação de Trigorin (Luiz Furnaletto) (e aqui abro um espaço para comentar que, sem o talento destes atores, dificilmente o texto teatral funcionaria. Sua disposição anárquica e ironia confundiria o espectador, somente atores acostumados a desenvolver uma linguagem caótica poderiam sustentar tão inesperado espetáculo).

     Estes atores – como vamos aos poucos desvendando na peça - estão orientados pelo surpreendente texto de Paula Vilela e Juuar (quem será? quem será?), com direção de Paula, que também atua. Então: a lembrança de colocar tal espetáculo (do século XIX)  entrelaçado com os nossos dias - um Tchecov em outro diapasão – nos surpreende, pois seus personagens só pensam em dinheiro, dinheiro, dinheiro! Nos tempos de Tchecov a aristocracia só pensava em atirar dinheiro pela janela... e os servos que se danassem para servi-los.

     Mas continuemos: enquanto público e personagens estão ocupados jogando víspora, os acontecimentos tchecovianos vão se intercalando. Assim, Arkadina se aborrece com tudo, enquanto Nina (Paula Vilela), a infeliz personagem da Gaivota, ajuda a dirigir, com animação e furor,  o jogo de Iacov. Ela também é uma amimadora do circo maldito em que se transformou o mundo moderno. E uma também ótima Claudia Barbot, como Macha, recepciona e julga o que ocorre em cena. Outros personagens foram cortados, como o mordomo, o velhinho que fica abandonado na casa dos patrões.

     Mas todos os atores estão muito à vontade, sendo difícil estabelecer diferenças entre atuações, embora Samuel Toledo, no papel do “cantador” da víspora (ele interpreta Iacov), surpreenda pela sua concentração e fôlego – além de convencer o público de que sua função sempre foi esta! A ligação direta com o espectador ( que Tchecov propõe) e a encenação do jogo de Vispora transformam o espaço cênico em jogatina para todos os presentes, onde personagens e público querem  ganhar alguma coisa, um prêmio, um dinheiro, não importa o que, desde que seja uma satisfação imediata, pouco se importando com a Arte, ou a necessidade da arte. Não existe mais vida espiritual em nossos dias. Ou parece que não...

     Há uma frase, que não será reproduzida, pois não possuímos o texto de Paula Vilela e só podemos esboçá-la, que diz assim: a Arte (com A maiúsculo) é o que nos transforma em seres humanos.

     Neste espetáculo, propositadamente, o teatro, a música, a arte em seu papel espiritual, passam longe: tudo é feito para atrair público, para ganhar dinheiro, prêmios, e o que mais vier. Duros tempos, os nossos. Dá vontade mesmo de se suicidar, o mesmo impulso que atrai Treplev, em Víspora e no Jardim da Cerejeiras... com a diferença que nos tempos do simbolismo/romantismo tchecoviano as coisas aconteciam pra valer!

     As belezas do espírito, nos tempos de Tchecov, cercavam as pessoas sensíveis e as faziam sofrer pela sua falta. Hoje tudo está indo em direção contrária: sofre-se pela falta de dinheiro, de coisas materiais...  Esta peça é um alerta sobre o diabólico que toma conta da nossa sociedade. Consideramos Víspora um espetáculo necessário, que nos mostra o momento do vazio, da falta de  alimento para a nossa alma,  nosso espírito.  Trata-se de uma advertência. 
VÍSPORA É UM ESPETÁCULO NECESSÁRIO.  IMPERDÍVEL!      

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

LEOPOLDINA - INDEPENDÊNCIA E MORTE


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
LEOPOLDINA – Independência E Morte


 Imperatiz Leopoldina - Atriz Sara Antunes.  
Atriz Sara Antunes e Ator Plínio Soares.

Ministro José Bonifácio - Ator Plínio Soares 
(fotos de Maira B, Victor Iemini e Lorena Zschaber).

     Em cartaz até o dia 23 de fevereiro, no Teatro I do CCBB, Rio de Janeiro, o espetáculo que tanto sucesso fez em São Paulo e Minas Gerais. Dirigido pelo paulista Marcos Damigo, diretor que escreveu vibrante texto sobre a nossa Imperatriz Leopoldina, que, entre outras façanhas, nos deu o querido Pedro II, filho que herdou o temperamento de sua mãe, e o mesmo gosto para a cultura e o saber.

     Feitas as homenagens aos dois principais representantes da monarquia (!) brasileira, podemos acrescentar que nossa Leopoldina pensou em dar um cunho Constitucionalista à sua Casa, conservando-a, talvez, até nossos dias. Não seria má ideia conservar, nos trópicos, o feito dos ingleses. Parece incrível, mas aquela Monarquia, para o bem ou para o mal dura até hoje, com o estímulo dos ingleses e é uma das responsáveis por sua  imagem extravagante! ( Claro que sabemos que existem outras monarquias extravagantes na extravagante Europa, mas o assunto que nos toma hoje não é este).

     Um dos méritos do texto de Marcos Damigo é trazer para os nossos dias alguns momentos de uma Imperatriz Leopoldina bem-humorada. O autor  indica de maneira sutil o possível encanto da  Imperatriz (embora alguns autores digam que ela não era encantadora na vida real). Uma das maneiras que o autor mostra este encanto é através dos ditos populares que ela utiliza, no diálogo com o ministro José Bonifácio. O Segundo Fragmento (são três) mostra a austríaca “quase brasileira” em que se transformou: “estou metida na política até o pescoço”; ou comentando com ironia a proposta de Bonifácio a respeito de ela se tornar uma “verdadeira Imperatriz do Brasil, sábia e magnânima”: Diz Leopoldina: “e assim o senhor mata dois coelhos com uma cajadada só” ... para ele se livrar do exílio e morte! (Só assistindo a peça para dominar este contexto!). O ator que interpreta José Bonifácio - Plínio Soares - o faz com elegância e contenção.  
   
    ... e há muito mais! A descrição de Leopoldina a respeito dos festejos no Rio de Janeiro para comemorar a sua chegada: uma verdadeira festa oriental, que nos faz lembrar os faustos dos tempos da Monarquia de Espanha e Portugal, descendentes que são do mágico Oriente.

     Há tanta coisa! Tanta delicadeza na direção! Tanto “clima” de época no cenário de Renato Bolelli Rebouças, com suas modificações abruptas dando espaço para os vídeos de Lucas Brandão e Marcos Damigo transmitindo para o público a necessária cronologia histórica. E, junto com a vida levada pela Imperatriz, vamos constatando os momentos em que colônias espanholas “estouram feito pipocas”, no linguajar moderno e brasileiro de nossa Leopoldina,  se transformando em repúblicas. Por que não o Brasil?  - ela se pergunta. E, através dos vídeos, são narrados acontecimentos históricos nem sempre registrados em livros. Ironia das ironias, nosso presente histórico quer nos fazer colônia novamente!

     Na peça, o exílio da Imperatriz, a sorte que lhe tocou longe de sua Áustria querida é narrado no Primeiro Fragmento, quando a atriz Sara Antunes e a musicista Ana Eliza Colomar, com seu cello e flauta, nos fazem uma delicada troca de emoções entre a música refinada de Beethoven (e outros), e os pensamentos de Leopoldina. No Terceiro Fragmento, o final da peça, Ana Eliza toca em seu cello o Hino à Independência composto por D. Pedro I, deixando-nos a impressão que a verdadeira vocação do “Primeiro” era ser músico, com seu violino e a beleza de seu Hino, que nos faz perdoar todos os desacertos do Imperador! 
   
     No texto de Marcos Damigo há vários momentos deliciosos, como o encontro da linguagem portuguesa feita por Leopoldina no Primeiro Fragmento: “Adoro a sensação do “lh” dentro de minha boca... o “ão” de aumentativos... E os diminutivos... boquinha, chazinho, carinho... Ah, o jeitinho brasileiro!” Que atriz cheia de recursos é Sara Antunes, a nossa Leopoldina. Ela pode transformar, da maneira mais singela, a dor em alegria, e o delírio que vai narrando a Historia, em verdade. Aliás, chegamos a pensar que Damigo teve pudor em relatar a verdadeira condição da quase menina Leopoldina que aos 29 anos foi levada à velhice  e à morte. Dizem que com os maus tratos de D. Pedro a envelheceram precocemente. Morreu aos 29 anos... Podemos dizer que a versão de Damigo foi mais delicada do que a verdade, embora a morte de Leopoldina permaneça um mistério. Pensamos que, recentemente (estamos em 2020)  nada de muito esclarecedor nos foi apresentado durante as pesquisas realizadas na estrutura óssea da Primeira Imperatriz do Brasil.   

     A direção de Marcos Damigo é primorosa, e seu texto (volto novamente a ele), nos remete às limitações de um Brasil que gostaríamos livre. Quando nos referimos à História, é inevitável a comparação e identificação com o presente. Muitas passagens da peça nos remetem ao Brasil atual, mas nunca é demais lembrar os bons momentos de paixão da Imperatriz, quando Leopoldina declara: “meu amor por Pedro chega a me enlouquecer, acho-o tão belo quanto Adônis”. É Leopoldina apaixonada desde o primeiro instante em que viu seu marido... “achei-o extraordinariamente belo (...) dois fascinantes olhos negros, um nariz nobremente aquilino e sorridentes lábios grossos”. Os comentários da Imperatriz em sua chegada ao Brasil se estendem ao cortejo e à magnificência oriental do mesmo... E temos notícia do povo brasileiro, o carioca, festejando alegremente! Mais amada a Imperatriz não poderia se sentir...

    Mas ficamos por aqui. Ótimos os figurinos de época de Cássio Brasil, e a trilha sonora recolhida por Ana Eliza Colomar e Nivaldo Godoy Junior, nos trazendo um tempo de delicadeza. O desenho de luz de Aline Santini. Neste quesito (e nos demais) o Brasil pode competir, em teatro, com qualquer país avançado. O consultor histórico do projeto, Paulo Rezzutti, que o diga! Fotos divulgação Victor Iemini e Lorena Zschaber. Produção Local Gabriel Bortolini. Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação. Trata-se de uma primorosa produção, patrocinada pelo Banco do Brasil.
É BOM VER BOM TEATRO!