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domingo, 17 de junho de 2012

"O CÉU ESTÁ VAZIO"



Priscila Steinman (Emilia) e Paulo Giardini (Ivan), em "O Céu está Vazio" (foto divulgação)





IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
      
     O "Céu está Vazio" merece mais do que um canto exíguo no Teatro Café Pequeno. Mais. Muito mais. Para mim essa peça é um acontecimento estético. Brilha, em sua sutileza. Optou pela poesia, porém seu texto passa por várias leituras. O que nos fica, no final, é a expressão do pai, Ivan (um excelente Paulo Giardini), ao ouvir o "Réquiem" de Mozart e se deixar penetrar pela emoção. Esse momento ilumina a encenação do diretor Jorge Caetano, e dá o fechamento para o texto poético de Julia Spadaccini. Trata-se de algo misterioso e fracionado, esse texto, um encontro da arte com o silêncio.
     Pode parecer uma contradição o fato de eu estar me reportando ao silêncio, em uma encenação que opta por recursos em que o som, em suas várias linguagens, impera. Susan Sontag define, em "A Vontade Radical", impasses como esse, na arte, como sendo "uma luta entre a integridade "espiritual" dos impulsos criativos e a "materialidade" perturbadora da vida comum". Esse jogo acontece o tempo todo, em "O Céu está Vazio". Opto, na peça em questão, pela escolha da "espiritualidade" e fico com o anjo-demônio de Priscila Steinman (Emilia), que resolve todas as questões dos humanos e volta para preencher o vazio que ficou no céu, sem a sua presença. 
     A encenação de Caetano optou por contar a história cercando-se de recursos que vão desde a HQ, até os rótulos que definem a modernidade das gerações. Como Spadaccini e Caetano trabalham em sintonia (esta é a terceira peça que desenvolvem juntos, a autora confiando na sensibilidade do diretor), a sutileza e a delicadeza se mantém, trafegando em um difícil contraste com o mundo conturbado dos personagens. Daí seu fascínio. A encenação que assisti na última sexta-feira, dia 15 de junho, estava marcada por um certo automatismo, qualidade que não lhe cai bem. O texto de Spadaccini pede "folie", ênfase na loucura, entrega total. Sabe "Outside"? Pois é. São Paulo vai entender "O Céu está Vazio", vai enlouquecer com a peça, se lá ela for encenada. O mesmo "feeling" sobre o teatro e os paulistas (nada contra o Rio), tive com "A Bau A Qu", de Enrique Diaz, baseado em Jorge Luis Borges. Nos idos da década de 80, se não me falha a memória. Aqui no Rio a peça não foi muito bem entendida, em São Paulo ganhou o prêmio Molière. Pena que esse prêmio não existe mais. 
     "O Céu está Vazio" é dividida em "Sons", assim: "O Som do Destino", "O Som do Outro", "O Som do Silêncio", etc. Ah, esqueci de falar no "Som do Zumbido", revelando a inadaptação de Ivan. Essas divisões são anunciadas em letras garrafais, projetadas no fundo da cena. Aliás, as projeções se sucedem, sendo as mais comunicativas as que perfazem o caminho do "anjo", Emília. Há toda uma convenção (?) cercando os personagens. Ninguém é totalmente o que é, mas representações de um sentimento: assim, Lui (Rael Barja), o garoto adolescente, representa, com acerto, um "tipo", o emo, que parece estar presente em alguns adolescentes atuais: excesso de sensibilidade, talento, curiosidade, uma certa dose de cinismo. Contrapondo-se a ele, e no mesmo diapasão diferencial, a jovem Emília, que em sua doce versão humana torna-se uma "cosplay" (um termo americano que quer dizer "costume player"), o nome já diz tudo: os "costumes" - roupas - mudam conforme os personagens que interpreta. Quase sempre personagens de HQ. Uma história cifrada. Parece-me que na última cena ela se veste com seu próprio personagem, o anjo/demônio. Os jovens dizem que essa estética faz parte da cultura "pop".            
     O que não é tão hermético (ao menos para mim, anos 70), é Sandra, a amante de Ivan.  Ela é atemporal, é hippie. Ela ama. Sua sensibilidade a faz amar a corrente da vida... e Janis Joplin! Wright? Ela não conhece o ciúme, o rancor, mas quer conhecer as pessoas. Reconhecê-las. A vida, ou o interesse pela vida, flui desse personagem. A atriz Thaís Tedesco a interpreta com a maior felicidade. E finalmente outra personalidade interessante: o esboço de mulher moderna que está querendo se conhecer, interpretada por Ticiana Passos, a bela mãe que não sabe o que é ser mãe (alguém sabe?), não ao menos com o despudor com que ela quer "se enturmar" com o filho. Pai e mãe são gauches, eles não têm a mínima ideia do que é se relacionar com aquele filho estranho. As incompreensões  vão se desenhando, e atraem sorrisos cúmplices da plateia. Em suma, "O Céu está Vazio" mostra o que seria a nossa realidade, se por acaso vivêssemos em um clima de "procura psicológica do eu". Talvez seja por isso que tudo é tão instigante, essa proposta da descoberta do lado escondido de todos nós. Pena que a diluição, ocasionada pelas mudanças no espaço cênico, tenha dispersado a tranquila opção feita pelo diretor, à qual assisti no palco da Casa de Cultura Laura Alvim. Mas, como na vida nada é impossível, eles ainda vão voltar à cena em um espaço que solte a imaginação do público. O elenco está precisando de espaço para voar ainda mais!  
     Na iluminação Ana Kutner (ela está se revelando neste terreno); a trilha sonora que acompanha as cenas é uma acertada escolha do diretor, e a direção de movimento dos atores é da excelente Marcia Rubin. Os figurinos imaginativos, que ajudam a compor a cena, são de Flavio Graff. Com o cenário (de Fernando Mello da Costa) acontece algo interessante, ele vai se modificando, conforme a história está sendo narrada. Explico: um sofá pode se transformar em um muro, basta o "anjo" ter necessidade de saltar sobre ele. Em outras palavras, modifica-se conforme a ação, e também conforme as projeções das histórias ilustradas pelos Vilarouca (Renato e Rico, e também por Rodrigo Tavares). A preparação corporal é de Marina Magalhães. Diretor assistente, Luis Fernando Philbert.
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