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sábado, 2 de junho de 2012

"A VOZ DO PROVOCADOR"



IDA VICENZIA FLORES - CRITICA DE TEATRO
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)   

                                  
                                  Antonio Abujamra no monólogo "A Voz do Provocador"
                             (foto produção)


     Neste último dia 29 de maio fui a São Paulo assistir Antonio Abujamra em sua "Aula Master" "A Voz do Provocador", no CEU, unidade de Lajeado. O que mais surpreende na raça humana são os recursos que ela movimenta para ter a sensação de estar vivo. Abujamra, mal ou bem, inventou o seu. Quando o teatro fica lotado de jovens (e não tão jovens), para ouvi-lo, o ator/dramaturgo se transforma em energia e empolgação. Mesmo que seja somente por uma hora, mesmo que seja somente um recurso para distrair a morte. Abu, como é chamado carinhosamente (e não entendo como alguém possa ter carinho por aquele monstro), se transforma - e temos a certeza de que é somente essa transformação que o mantem vivo.
     Estamos em um dos CEUs (Centro Educacional Unificado), imaginados por Martha Suplicy quando prefeita de São Paulo - na verdade, o da comunidade de Lajeado é de proporções menores, pois teve o prefeito Kassab como seu executor - mas o sonho de Marta permanece. É no CEU que a comunidade/bairro de Guaianazes se reúne e é lá que funcionam as aulas e as atividades culturais em várias modalidades, desde as primeiras letras até às artes cênicas; da dança clássica ao judô; da música e aprendizado de instrumentos musicais, a  vários tipos de esporte. Há uma biblioteca bem fornida, e teatro para todas as idades. Essa noite de 29 de maio é dedicada ao teatro.
       Antonio Abujamra está fazendo um belo trabalho na periferia de São Paulo. Entretanto, não é o único: Fernanda Montenegro já o antecedeu, e agora, anunciado para agosto, os jovens terão Julia Lemmertz e o elenco de "O Deus da  Carnificina". O texto de Yasmina Reza, uma indiana radicada em Londres, não importa, esse texto é uma amostra do verniz da nossa "civilização", apresentando conceitos e preconceitos que acentuam esse verniz. Mas, o que nos interessa agora é Antonio Abujamra. O ator selecionou alguns de seus pensamentos sobre política, cultura, liberdade, América Latina, e outros assuntos que o mobilizam e dão vida a seu programa "Provocações", e os dividiu com o público daquele bairro.
      A "aula master", se assim a podemos chamar, tem um formato teatral. Leia-se, porém, que se trata de uma anti-masterclass, com ênfase nas intervenções arrebatadas, e às vezes hilariantes, do diretor/ator. Embora, no conceito de Abujamra, o professor deva ser um ator - e a interferência que ele faz, contando como eram as aulas de Nabokov sobre literatura russa é inesquecível: poesia pura (talvez por isso, por sua veia poética, é que o tratam carinhosamente de Abu, eu não sei). O teatro lota, os jovens deixam seus afazeres habituais para escutá-lo e a plateia testemunha, apreende, pensa a respeito, e se diverte. O resultado é um espetáculo inteligente, e que não deixa ninguém tranquilo. Intranquilidade, teu nome é Antonio Abujamra.                          
     A palestra, como ele gostaria de explicar, tenho certeza, e não tem paciência nem para explicar para repórteres (e dizer que já foi um deles!), se divide em "Provocação", "Coragem", "Risco", "Compromisso", Resistência", "América Latina", "Cultura", "Palco", "Mediocridade", "Liberdade", "Cotidiano" e "Vida". Querem mais? Ele se recusa a comentá-la, a essa divisão: deve ser porque está saturado de vida. Querem mais? Esse homem coloca seu pensamento em cada um dos itens acima. No início de sua conversa, convida a plateia para pensar sobre os clássicos da literatura. É aí que Antonio Abujamra reproduz os movimentos de Wladimir Nabokov, ao dar uma aula na Universidade de Nova Iorque (essa será a única vez que vou me reportar diretamente ao texto): "...uma sala enorme, maravilhosa, três grandes janelas, três grandes cortinas (...) Nabokov entra na sala de aula com uma elegância que, quando o russo atinge essa elegância, o inglês é um mendigo. (...) Aí ele entrou na sala de aula, eles olharam para ele, ele olhou para aquelas janelas... Foi na primeira janela e fechou a cortina, foi na segunda janela e fechou a segunda cortina, e foi na terceira janela e fechou a terceira cortina. Ficou aquela penumbra. O que ele vai fazer, o que ele não vai fazer? Ele veio na primeira janela, abriu quase até a metade, entrou aquela luz, ele disse: isto é Puchkin. Vai na outra, abre até depois da metade, e diz: isto é Gogol. Vai na última, abre inteira, e diz: isto é Tolstoi. Vamos falar sobre literatura russa" (e Abujamra conclui: "Quer dizer, o professor tem que ser um artista. Tem que ter esses golpes teatrais. Tem que saber fazer isso".      
     Só essa abertura do "monstro" com o público já comprou a sala inteira. Querem mais? A voz de Abujamra cresce, torna-se potente, emocionada. Aí ele fala sobre a sua geração de artistas: Zé Celso, Antunes, Amir Haddad, e alguns que já morreram. E não posso deixar de citar esse momento em que Abu se pronuncia: "... essa geração nossa era uma geração com coragem (...) Nós jogávamos as coisas para a frente, nós jogávamos as coisas sem nenhum temor do que ia acontecer...".  CORAGEM: questiona os jovens de hoje, não levando em conta que hoje vivemos outro momento, não temos o "Ato Institucional de 68", como ele se refere ao Nº5, e o espírito de revolta contra a ditadura, que transtornava a juventude daquela época. RISCO: "Eu quero insistir com os jovens que o humor é indispensável, e que a gente não tem que ter medo de errar. Tem que caminhar no incerto, como pede Pascal... não leram Pascal... mas podem caminhar no incerto. (meu amado Pascal, é bom amar os mortos, digo eu, eles não nos decepcionam). E Abujamra prossegue: COMPROMISSO: "A vida é trânsito, é dia útil, não é domingo. Atue, atue, atue, não deixe nunca de atuar". (Vocês podem ver, pela maneira como Abu coloca a sua fala, o aprendiz de retórica que foi, tenho certeza. A frase enfatizante o trai. Não faz mal, somos sempre aprendizes). RESISTÊNCIA: "Na arte da criação, o ator deve esquecer as fórmulas fáceis. (...) Ele deve perder a confiança em tudo, deve esquecer todas as suas experiências. É preciso estar em estado de graça. O palco me chama, eu fico febril, vou aos extremos"
       Eis o diretor se pronunciando, se dando, passando a sua experiência para aquela plateia sequiosa, ouvidos atentos. É por isso que o monstro não fala, antes do espetáculo, não fala com ninguém, nem com essa crítica em seu papel de repórter. Murmura, irritado e irritante (para copiar-lhe o estilo). E passamos para a AMÉRICA LATINA e o índio mexicano Guaiakalpuru Caltemoque (e eu mato o Abujamra se esse índio for uma ficção, tal a palavra se assemelha), o índio para quem o pagamento da dívida europeia a seu país, ao México... se faz necessária. Ele quer a Europa inteira pelos quilos de ouro emprestados há 500 anos atrás, pela prata emprestada... Caltemoque está falando na comemoração do quinto centenário da descoberta da América, em uma reunião dos chefes de Estado da Comunidade Europeia. Querem saber porque Abujamra se irrita com tudo isso, com a vida? Por que a injustiça é demais, para um coração oriental...*            
*OBS: Ninguém pode me acusar de nada. Se vocês lerem com atenção o trabalho em meu blog verão que eu adoro o Oriente (frase de quem anda assustada com o recrudescimento da agressão do Ocidente em relação ao Oriente). 

4 comentários:

  1. Com tanta base não há de sofreres de acusação alguma...Muito bom.

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  2. Parabéns !!!!! Vc é tão monstruosa quanto o Abu, me tirou dos meus estudos sem perguntar se eu queria.... pois não consegui parar de ler depois que comecei!!!bjos

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