Elenco de "Oréstia", de Ésquilo.
(foto divulgação)
CRITICA
TEATRAL
IDA
VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional
de Críticos de Teatro)
(Especial)
Vocês querem a verdade? Pois a
verdade dói. A “Oréstia”, a tragédia dos Átridas, em cartaz no Teatro Laura
Alvim, direção de Malu Galli, é uma decepção. Como não quero atrair a ira dos
deuses sobre mim, e como essa nefanda missão crítica de apontar erros e acertos
em uma tragédia é também uma tragédia, procurarei amenizar as
consequências começando pelos acertos:
para contar essa historia de crenças, oráculos, previsões e lutos, há, entre os
atores dessa “Oréstia”, uma “pequena gigante” atriz, Daniela Fortes, no papel de Cassandra. Ela realiza as
previsões como se uma Isabelle Huppert brasileira fosse (a cena das visões é a
mesma em que Hedda Gabler
(direção de Eric Cascade, Théâtre Odéon), queima - no caldeirão - a obra-prima
de seu amante. As duas são bruxas, no melhor sentido). Há também outra atriz,
Gisele Fróes, que coloca a cena grega em seu lugar, ao interferir como Atená,
no julgamento final de Apolo, na visão de Ésquilo sobre a queda do matriarcado.
O mundo não mudou, pelo menos até agora, e a solução de conciliação
entre os sexos enfraquece os “fazedores de concessões” – como Atená, a deusa da
sabedoria. Neste texto de Ésquilo, a deusa, ao querer converter a humanidade em
um monumento à inteligência, acaba fazendo concessão à força. Sim, porque
Agamenon (em tempos de guerra) sacrificou sua filha Ifigênia e “não” atraiu a
cólera dos deuses, muito pelo contrario, os acalmou, ao dedicar a eles o
sacrifício, para vencer em
Troia. Esse gesto de Agamenon atraiu a cólera de uma mãe
ultrajada: Clitemnestra, a mais forte das heroínas gregas – e a mais
vulnerável. Malu Galli, interpretando-a e a dirigindo, deixou-se cair em uma
armadilha: não é tão fácil assim “falar” com Ésquilo. Ela reuniu, em pouco mais
de uma hora, a Trilogia, e fez os dois papéis: Clitemnestra e Electra. Podemos
até entender Malu Gali. Ela tentou, mas não conseguiu o seu “morceau de
bravure”.
Há momentos que poderiam ser belos, nesta versão de “Oréstia”, mas que
são mal aproveitados. Exemplo: o início, a narrativa da trajetoria dos gregos e
seus mitos. E tantos outros momentos, como a da tragédia de Ifigênia, enganada
e assassinada pelo pai, ou as libações funerárias de Clitemnestra. Quanto ao
elenco escolhido pela diretora, há acertos e erros. Luciano Chirolli, por
exemplo, possui péssima dicção (o que
não se perdoa em ator de tragédia grega), há momentos em que não entendemos o
que ele emite, há problemas de respiração. Entretanto, ele consegue um entrosamento
final, em seu papel de Corifeu (o que acompanha todos os momentos),
interpretando, no final, as Eríneas - as Fúrias - defensoras do matriarcado. Na
cena final da peça Chirolli acerta, deixando-se tomar pelo espírito das
“fúrias”. A tentativa de Atená (Gisele Fróes), de transformá-las em dóceis Eumênides,
não é por elas bem recebida, porém, com as doces propostas da deusa, acabam
capitulando. Essa capitulação só exalta a vitoria do patriarcado (de graves
consequências para a humanidade, pois não?). Sim, fiz uma leitura da “Oréstia”
do ponto de vista da mulher. Mas não do ponto de vista da matricida Electra, a
filha vingadora da morte do pai.
Quanto aos atores, Otto Jr. e Julio Machado não possuem carisma e força
para os papeis a que foram escalados. Machado ainda defende com bravura o seu
Orestes, o que não chega a ser uma vitoria. O imperdoável, mesmo, nessa
montagem, são os microfones para ampliar a voz do coro e para as vozes do
Olimpo, que não deviam precisar de microfone. Apolo (Otto Jr.), o
reivindicador, perde a força ao ter que segurar aquele erótico aparelho.
(Perdão!). Quanto à ficha técnica, a produção foi cercada de todos os cuidados,
pelo menos no que se refere à orientação corporal de Dani Lima e à luz de
Maneco Quinderé.
A preparação vocal de Leticia Carvalho deixa a desejar, o mesmo
acontecendo com os figurinos de Claudia Kopke e Marina Franco. Romulo Fróes e
Cacá Machado, com suas músicas, apresentam boas propostas. As letras das
canções, as declamações do elenco são dos mesmos autores, inspirados no texto
de Ésquilo. Se “direção de arte” envolve
perucas (o que não acredito), Afonso Tostes precisa impor detalhes técnicos a
elas, o mesmo não ocorrendo com o cenário, de sua autoria: esse causa um forte
impacto (positivo) sobre a cena. A tradução (direta do original) é de Alexandre
Costa e Patrick Pessoa, esse último também responsável pela dramaturgia. Malu
Galli fica nos devendo a matriarca enfurecida: ao tentar defender seu papel de
mulher enfrentando o domínio do homem, não ouvimos os gritos e protestos de
Clitemnestra! Vemos o patriarcado vencer (meio à força, aqui nos trópicos
ocidentais), no final da tragédia (preciso vê-la no Festival de Atenas!). Para
saber se Apolo é culpado ou inocente por instigar Orestes a matar sua mãe,
Atená (Gisele Fróes dá o tom certo para a deusa) comanda o julgamento. A
votação, na concepção de Malu Galli, é feita por dez espectadores. Apolo perde
– e não há “voto de Minerva” que o salve – ele perde de 8 a 2! As mulheres
sempre são maioria, na plateia! Quem quiser saber (um pouco) dessa trágica
historia de sangue e compulsão dos “Átridas”, vá assisti-la no Laura Alvim. Mas
vá prevenida. Tenham todos um bom espetáculo!
|
Você confundiu Malu Galli com Vanessa Gerbelli!!!!
ResponderExcluirFaço penitência. Para mim é uma dor muito grande ter que fazer observações negativas sobre um espetáculo.
ResponderExcluirO mal já foi sanado...O mesmo não acontecendo com a "contra-crítica" de Hermano Vianna. O belo início da nossa civilização - uma mistura de Oriente e Ocidente - não pode ser apagado assim. Os cariocas não têm nada a ver com essa bela história. Ou será que estou sendo rígida? Como sou pretensiosa, considerei a coluna do sociólogo uma resposta às minhas ponderações. Ou é muita coincidência? Ponto por ponto refuta o que escrevi. (O que me surpreende, agora, é essa minha volúpia por confrontos, ah, ah!)
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVocê tem razão, Rodrigo, foi uma coincidência. Fiquei surpresa ao ver os pontos abordados, o microfone, a ênfase na defesa à modernização (não tenho nada contra atualizar tecnicamente os grandes clássicos). O que me surpreendeu foi justamente a indicação de leituras, e a referência a espetáculos gregos realizados na Europa. Claro, ele pode abordar em sua coluna o tema que quiser. Pareceu-me, no entanto, querer orientar os que escrevem sobre teatro, no Brasil... ou então é insegurança de todo artista (considero-me uma), quando escreve sobre algo que ama. Valeu! Gostaria de saber quem é esse Rodrigo Moura, procurei no face, mas tem pelo menos uns cinco! Saudações
ResponderExcluir