Páginas

domingo, 30 de junho de 2013

"POEMA BAR"

João Vasco acompanha Alexandre Borges em "Poema Bar" (Foto Divulgação)






CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Quando, aos 23 anos, Alexandre Borges participava do grupo "Boi Voador", do diretor Ulysses Cruz, eles foram a Portugal apresentar "Velhos Marinheiros", de Jorge Amado. Corria o ano de 1986, depois vieram "Gota d'Água", "Pantaleão e as Visitadoras" e sempre Portugal.  Paixão antiga. Alexandre resolveu ficar, um ano e meio: "O jeito que os portugueses faziam teatro nos anos 90!" Ao permanecer em Portugal, caiu-lhe nas mãos um livro de poemas de Fernando Pessoa. Esse poeta, esse livro, ele os carrega até hoje!  Nunca esqueceu.  Voltou a Portugal várias vezes. Fez amigos. Eram muitos laços. Quando, por ocasião do intercâmbio luso-brasileiro, no ano do Brasil em Portugal, o pianista clássico João Vasco idealizou o encontro dos dois poetas e sugeriu a Alexandre o espetáculo. Assim, o lisboeta Fernando Pessoa e o carioca Vinicius de Moraes formaram o intercâmbio luso-brasileiro. Uniram-se quatro pessoas, além dos poetas: o pianista português João Vasco, o ator Alexandre Borges, a neta de Vinícius de Moraes, Mariana de Moraes, cantora e atriz -, e a cantora (uma soprano lírica) Sofia Vitória. Estava formado o quarteto.

     O mais interessante é que este espetáculo informal vai tecendo agenda, conforme os convites e a disponibilidade dos artistas. O entusiasmo é grande, e sempre há tempo para os poetas: o "quarteto poético" já fez Colônia e Berlim, na Alemanha; Lisboa (Porto virá agora). No Brasil estrearam, no Rio de Janeiro, em outubro de 2011. Era uma homenagem aos 98 anos de Vinícius de Moraes. A estréia foi na Casa Villarino, um restaurante do Centro do Rio, perto da Academia Brasileira de Letras. No tempo de Vinícius, lá se reuniam os intelectuais. Foi no Rio de Janeiro o primeiro, e informal, contato com o público. Depois veio o Teatro do Leblon e um encontro no Vidigal. Em São Paulo veio o SESI e tornou possível ampliar o projeto: primeiro no Centro Cultural Fiesp(SESI), depois Campinas, São José do Rio Preto, Sorocaba. E o espetáculo cresceu, se firmou. Iniciaram com Álvaro de Campos, agora estão com Ricardo Reis. Os heterônimos. 

     Com músicas de Claudio Santoro, executadas por João Vasco, cantos de Mariana de Moraes e Sofia Vitoria (cantora portuguesa), e poemas falados por Alexandre, com acompanhamento de piano de João Vasco - o público participa, sendo convidado a dizer poemas.  É um encontro informal que comunica beleza. Quem não conhece poesia, se delícia, quem já conhece os poemas, os revisita. Magnífico! 

     Não se sabe aonde será a próxima apresentação. Em junho de 2013 foi na Fundição Progresso, na Lapa/Rio de Janeiro. Não há data para o próximo, mas há expectativa. Hoje eles comemoram os 125 anos de Fernando Pessoa; depois, os 100 anos do nascimento de Vinícius de Moraes.  Os heterônimos de Pessoa vão mudando, nas apresentações, mas o impacto é o mesmo (embora Ricardo Reis seja mais desafiante...!).  E a voz dos poetas se faz ouvir: Mariana canta "Tenho dó das estrelas" - de seu avô -, musicado por José Miguel Wisnik: um luxo só: "Tenho dó das estrelas/ luzindo a tanto tempo/ tenho dó delas.../ Um cansaço de existir/ de ser, só de ser.../  Não haverá/  um cansaço das coisas/  de todas as coisas/  como das pernas ou de um braço.../".   OU, a lusa Sofia Vitória, cantando: "Dorme em paz, rosa púrpura/ dorme em paz em teu jardim/ [...] Meu amor se adormece/  e é tão suave o seu perfume../ Dorme em paz, rosa púrpura/   dorme o amor dentro de mim/". 

Alexandre Borges dizendo Ricardo Reis:
"A glória pesa como um fardo rico,/  A fama como a febre,/  O amor cansa, porque é a sério e busca,/  A ciência nunca encontra,/  E a vida passa e dói porque o conhece.../  O jogo de xadrez/  Prende a alma toda, mas, perdido, pouco...Pesa!/   pois não é nada/".   
   
Ou, dizendo Vinícius de Moraes:
"Elegia ao primeiro amigo" (quem assiste sente cheiro e gosto de Octavio de Faria!):
"Talvez seja o menino, que no dia dos teus anos/  fez um poema / em que o sonho das mulheres nos apavorava/   tu que inventaste a angústia e a abrigaste em ti/"

Ou: "Um dia dormi nos braços de uma mulher que queria me matar"/.

Lembra Vinícius aos 20 anos:
"A Mulher na Noite"
"Contudo... a volúpia entrou em mim e ulcerou/ a treva nos meus olhos./  Eu estava imóvel/  tu caminhavas para mim/  Como um pinheiro erguido/  E, de repente, não sei, eu me vi acorrentado no/  Descampado no meio de insetos./  E as formigas passeavam pelo meu corpo úmido/".
Esse poema, Vinicius o deixou para trás. Com ele ganhou o Prêmio Nacional de Poesia: aos 20 anos. O citado agora é apenas um trecho. Na verdade, "A Mulher na Noite" é um imenso poema moderno, simbolista. Não entrou no espetáculo.

Ou, Alexandre falando sobre a "Delicadeza" - lembra Arthur Rimbaud:
"sou um místico da delicadeza/  sou um monstro da delicadeza/  de algum lugar uma mulher me vê viver/ devo segui-la/  porque é meu destino/  Um secreto acordo/  uma promessa de socorro/  de compreensão/  de liberdade para a vida/". (Vinicius de Moraes)
 E Mariana cantando: "Eu sei, e você sabe/  já que a vida quis assim..."

Conclusão: "Poema Bar" é algo muito maravilhoso de se ver/ ouvir. A entrada é gratuita, e as pessoas que o frequentam e que nunca ouviram poesia, não conhecem poesia - aproximam-se, participam, lêm poemas... E a gente passa a acreditar na generosidade e na vida!
No piano, João Vasco acompanha, tocando Claudio Santoro.

Idealizador: João Vasco
Direção e Recitante: Alexandre Borges
Cantoras: Mariana de Moraes e Sofia Vitoria
Direção de Luz: Domingos Quintiliano;
Cenografia: Rogério Marcondes
Produção Executiva: Minas de Ideias - Fábio Amaral
Produção: Candice Frederico.

Quando será o próximo espetáculo? Talvez seja no Porto, em Portugal, comemorando a data de Fernando Pessoa. Ou talvez em Manaus, comemorando Claudio Santoro (amazonense) e Vinicius de Moraes? Fiquem atentos!





Nenhum comentário:

Postar um comentário