Pascoal da Conceição (Von Koren), Vanderlei Bernardino (Aleksandr Samóilenko) e Fredy Állan (Diácomo Pobêdov) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Talvez ninguém tenha registrado a avassaladora modernidade da
recente montagem de Tchecov, feita pela Mundana Companhia. A adaptação, para
teatro, de uma história curta, (novela), de Tchecov, "O Duelo", é uma
das mais belas e dantescas representações da natureza em fúria.
No início, o mistério do teatro simbolista. A entrega a essa inesperada
mistura de linguagens nos surpreende agradavelmente. A primeira cena, o
misterioso encontro do moderno e do supra-moderno: esse cadáver (fantasma?),
com gestos impulsionados pelo balanço da embarcação é também uma verdadeira
obra-prima de linguagem corporal, mérito de Tarina Botelho e do ator Sergio
Siviero.
Parece incrível que o teatro, somente agora, tenha destacado,
de maneira livre, o momento de Tchecov. Explico: oriundo de uma época cultural muito rica, o autor
russo procurou entender, passo a passo, nesta novela, o que prometia o futuro, ou seja, os conflitos
políticos e religiosos que viriam.
Nesta montagem de Tchecov não há estrelas, somente pessoas
querendo entender os acontecimentos. Há uma entrega total de seus participantes,
começando pelo trabalho de Georgette Fadel, na direção. A adaptação do texto, feita
por Vadim Nikitin e Aury Porto deve ter sido prazerosa, pois a novela "O
Duelo" é extremamente teatral. Primorosa e forte é a concepção da
cenografia e a direção de arte de Laura Vinci. A preparação corporal de Tarina
Quelho, como já foi observado, não poderia ser mais exata, estendendo a sua
sensibilidade à atuação do elenco. E Guilherme Bonfanti, na iluminação, unindo seu
trabalho à direção musical e operação de som de Otávio Ortega, fazem um belo dueto.
É tudo tão bem resolvido que temos a impressão de que as vastas terras do
Cáucaso e seus desmandos naturais, sempre estiveram ali, próximos de nós. Há
outro personagem, talvez o mais importante de todos: o Mar. A voz de Tchecov reforça
a poesia desse gigante: e "... foram encobertos por uma grande onda, que
depois foi quebrar nas pedras e, de volta ao mar, desabou uivando sobre os
pedregulhos". O espaço Tom Jobim,e a nossa imaginação, receberam muito bem
as embarcações e o mar.
Há um mundo isolado, e personagens que se adaptaram a viver
neste mundo. Há, porém, uma força desafiante, incorporada no personagem de Von
Koren, esse "mau leitor" de Darwin. Pascoal da Conceição defende
muito bem este ser provocador e culto. Talvez, para os espectadores mais
afoitos, esse mau leitor de Darwin seja o representante do Mal. Na verdade ele é
a força que analisa e discorda.
Pela primeira vez em seu trabalho Tchecov não nos dá a
representação da nobreza decadente, embora alguns dos personagens sejam
nobres (e decadentes!). O autor se debruça sobre uma sociedade acomodada, e
sobre os rígidos padrões impostos às mulheres. Dessa vez, ao que parece, os
padrões são ditados pela pequena burguesia. Não importa, para as mulheres todos
os tempos são iguais. Carol Brada, na sua magnífica interpretação da bem casada Mária Bitiugova, faz de sua intervenção um misto de bondade e preconceito. O ponto
alto de Brada é a visita que faz a Nadiejda Fiódorovna, (uma Camila Pitanga
inteiramente entregue ao teatro), tentando convencer a "desviada", que
abandonou o marido por outro homem, a voltar ao rebanho da sociedade. (Uma
observação: o figurino de Bitiugova , de Diogo Costa, é o responsável pela cena
que enaltece a sociedade estabelecida...Ele é belo).
São tantas as situações, nesta avalanche de seres. O médico
Aleksandr Samóilenko (há sempre um médico nos trabalhos de Tchecov) é uma figura
vaidosa e bondosa, interpretada com a emoção requerida por estes sentimentos, aliada
à rigidez com que controla seus servos Reginaldo (Rafael Matede) e Damião (Victor
Galli). Embora pareça estranho, esse é um toque bem humorado no espetáculo. Além
de, é claro, os momentos descontraídos de picnics e conversas de bar. Diferentes
dos servos de Shakespeare, Reginaldo e Damião não dão seu recado sobre a
sociedade em que vivem...
Há o sorridente Diácono Pobêdov (Freddy Álan),
personagem puro que troca memoráveis questões religiosas com o nosso Von Koren,
a quem chama de "judeu-alemão" (ou estarei delirando?) Há também
música ao vivo, orientada pelo "Mestre de Instrumentos" (Otávio
Ortega). E a excelente ideia de reunir profissionais apaixonados por teatro e
construir com eles uma comunidade livre foi de Aury Porto. Esse ator interpreta
o jovem e desorientado Ivan Laiévski, um nobre! A trajetória do homem egoísta
ao homem consciente é acelerada por Atchmiánov (Guillherme Calzavara) um jovem apaixonado
pela companheira de Ivan; por Kiríln (Sergio Slaviero) o capitão também apaixonado
por Nadedja... e Von Koren! (odiado por Ivan Laiéviski). Mas estou revelando o
final. Não posso deixar de acrescentar que, pela primeira vez em se tratando de
Tchecov, há um espaço aberto para o futuro. Verificamos que "avançar,
avançar sempre...", é o lema do autor neste "O Duelo". Trata-se de um trabalho
de imaginação e que faz pensar. É bom ver bom teatro.
e ler uma boa descrição crítica da obra...
ResponderExcluirObrigada! Valeu! Saudades, Ida
ResponderExcluirexcelente texto! o que melhor descreveu as sensações que tive ao ver (3 vezes) o espetáculo. Parabéns!
ResponderExcluirto procurando as informaçoes sobre a peça
ResponderExcluirEstá no Teatro Tom Jobim - interior do Jardim Botânico/RJ. Transporte: descer no Baixo Gávea. Podes ver no jornal horário e data de encerramento.
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