Gamzatti (Priscila Albuquerque) Mgadaveya, e Nikiya (Marcia Jacqueline) no ATO II - Nikiya tenta matar Gamzatti, movida pelo ciúme. (Foto apetecer.com) |
Ida Vicenzia
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
La Bayadère, ballett romântico de Ludwig Minkus, criado em 1877, e levado à cena no Rio de Janeiro por ocasião dos 105 anos do Theatro Municipal.
No
dia 14 de julho, dia da comemoração dos 105 anos do Theatro Muncipal, o povo da
dança, música e Arte estava todo lá. E também o público amante das artes,
o brasileiro, assistindo o que o ballet e a música têm de melhor para oferecer.
Um longo caminho foi trilhado, e podemos agora contar com um público atento,
organizado e satisfeito de estar ali, no templo da arte carioca.
O
caminho da integração palco/platéia, sem exclusões (no dia 14 de julho a
entrada era franca), foi feito com muito amor e dedicação pelos profissionais
da arte. Agora, neste 105º aniversário, temos à frente do Theatro Municipal
alguém de grande sensibilidade: Carla Camurati, a atriz presidente cuidando,
passo a passo, desse belo momento.
Vamos
nos deter em La Bayadère, o ballet das 20h, porém a programação dos 105 anos
começou pela manhã, às 10h, com o Coral Infantil da UERJ; apresentando, às 11h,
a Escola de Dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal. Às 13h os solistas e
coro do Theatro Municipal interpretando trechos da ópera de Mozart, As Bodas de
Fígaro. Duas horas depois, às 15h, foi a vez da orquestra infantil das
Comunidades Pacificadas, tendo em seu repertório gigantes como Beethoven,
Dvorak, Tchaikovsky, Villa-Lobos, Meyer, Bernstein e Leopold Mozart. E às 20h, o
Ballet de repertorio, La Bayadère, de Minkus, com acompanhamento da Orquestra Sinfônica
do Theatro Municipal, regida pelo maestro Tobias Volkmann.
A
grande atração da noite foi a recriação de um Oriente que habita a nossa fantasia. No
caso, a Índia, seu fausto e suas crenças. O enredo (folheto de Marius Petipa e
Sergei Khudekov) imagina, do final do séc. XIX, acontecimentos perdidos no tempo, ilustrando,
através de sua linguagem, sentimentos do ballet romântico, no qual o amor e a
morte são protagonistas. Talvez o mais deslumbrante nesta montagem do
Theatro Municipal sejam os cenários, os telões, e as trocas de cena. O cenário,
figurinos e adereços são de confecção do Teatro Municipal de Santiago do Chile.
Na
plateia muito especial daquela segunda feira, 14 de julho, havia pessoas que começaram
a amar o ballet naquele instante, como é o caso de uma garotinha de 4 anos,
apaixonada, se negando, no intervalo, a sair com a mãe, e dizendo, aflita:
"não, mamãe, eles vão mostrar mais...". Esta menina nunca mais vai esquecer
o que viu naquela noite. La Bayadère ganhou os palcos do mundo, desde que Ludwig
Minkus e Marius Petipa fizeram a sua dupla famosa. Desta vez, no Municipal, a
coreografia tem a inspiração de Luiz Ortigoza, a partir de Petipa. Esta encenação
foi coreografada, no final dos anos 90, por Natalia Makarova, no Convent Garden, e o
Grande Brâhmane foi interpretado por Anthony Dowell. Mas o impacto da montagem chileno/brasileira não ficou nada a dever à encenação russo/britânica,
apesar da interpretação deslumbrante da inglesa Darcey Bussel como Gamzatti, na
montagem londrina. Aliás, este personagem feminino é de grande impacto, sempre.
Cenários
e figurinos do La Bayadère do Theatro Municipal do Rio de Janeiro são do
chileno Pablo Nuñez. Tecidos e bordados magníficos compõem a cena. A suntuosidade
hierárquica dos trajes do Rajá e do Grande Sacerdote contrasta com a leveza dos
figurinos femininos. Guerreiros e Dançarinas do Templo estão bem definidos em
seus papeis, o mesmo não se podendo dizer dos encarregados do fogo sagrado.
Pelos seus gestos primitivos e sua nudez, podem ser interpretados como os párias
dos hindus "a poeira debaixo dos pés de Brahma". Somente Magdaveya, o
servo, não oferece esta ambiguidade.
Os
dois atos e cinco cenas apresentadas em La Bayadère nos trazem o retorno da
mímica teatral, como é habitual nos grandes ballets de repertório. É o teatro se
impondo. E a coreografia deste chileno argentino Luiz Ortigoza, acrescentando uma
vibração dramática além dos passos de Petipa. Principalmente nas cenas finais,
quando o romântico e o simbolismo se entrelaçam. As apaixonadas Nikyia e
Gamzatti apresentam uma bem dosada mistura de amor e ódio. Karen Mesquita com
Gamzatti, no ATO I, nos traz uma dança arrebatada, forte, carregada das
pulsações do ciúme. Para os românticos a cena é irresistível. Renata Tubarão,
como Nikiya, a bailarina escolhida do Grande Sacerdote, apresenta um solo precioso,
no mesmo ATO I.
O
trabalho de bastidores com os solistas, realizado por Ana Botafogo e Cecília
Kerche, é de grande precisão técnica e de expressão teatral, imposta pela mímica.
Entre os personagens masculinos destaca-se um grande bailarino, Cícero Gomes.
No ATO I ele representa Solor, o apaixonado, e no ATO II, faz a difícil apresentação
do Ídolo de Ouro. O trabalho de Cícero Gomes é marcante, fazendo a platéia
estremecer. Pela proporção e delicadeza de seu porte; pela expressão facial e dramaticidade
que transmite em seu domínio de palco, nos faz pensar na presença de alguém que
um dia se chamou Nijinsky. Impressionante. O Solor de Moacir Emanuel, no ATO II
é mais contido, o mesmo não se podendo dizer para as duas personagens
femininas. Com a mudança das cores os papeis se invertem, sendo agora o
vermelho para Nikiya (Márcia Jacqueline), quando tenta matar Gamzatti, e o branco virginal, de noiva, para
Gamzatti (Priscilla Albuquerque). Agora é a desesperada Nikiya que se entrega
ao instante fatal da depressão e da morte. As cores, na visão romântica, são
decisivas.
Nikiya
voltará à cena no Reino das Sombras, em seu impecável tutu branco, onde o
teatro/dança e o cenário simbolista acontecem. O corpo de baile do Theatro
Municipal apresenta grande domínio e integração na cena das sombras. O grand finale começa com os sonhos "opiácios"
de Solor e seu delírio com o Reino das Sombras, até a sua posterior traição a Nikiya. A destruição do templo pelos deuses
irados, e a alma de Nikiya levando o seu guerreiro amado para a eternidade, encerram
o ballet. O Theatro Municipal está de parabéns por mais esta iniciativa.
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