Maria Adélia e "A Velha Senhora" em seu "boudoir". Texto, Friedrich Dürrenmatt. Direção, Sílvia Monte. |
Maria Adélia (Claire) e Marcos Árcher (Sr. Schill) em seu 'encontro no parque'. "A Visita da Velha Senhora". |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
Ao assistir "A Visita da Velha
Senhora", de Friedrich Dürrenmatt, fazemos a ligação entre Moral e Poder - e
vemos que o problema é uma constante no ser humano. O dramaturgo suíço fez esta
ligação através da ironia cômica ou da comédia cruel, a mesma linguagem estabelecida por Nikolai
Gogol em seu "O Inspetor Geral". Como sabemos, este problema é
magnificamente abordado nas duas peças. Dürrenmatt está em cartaz no Centro
Cultural do Poder Judiciário, (CCPJ-Rio), no prédio histórico da Rua Dom Manuel. Mas,
antes de fazermos qualquer observação a respeito de "A Visita da Velha
Senhora" é necessário recordar o caminho do "Teatro na Justiça".
Este projeto foi pensado e desenvolvido
por Sílvia Monte e José Henrique em 1999. Assumido por Sílvia em 2010, no novo
local do prédio histórico da rua Dom Manuel, o projeto, na maioria das vezes, aborda
problemas da Justiça. Ao todo foram montadas 14 peças, nestes 15 anos agora
comemorados, entre elas "Testemunha de Acusação", de Agatha Christie,
"O Processo", de Kafka, lembrando aspectos jurídicos de maneira
"original". Houve também a encenação de "Doze Jurados e uma Sentença",
de Reginald Rose, ou "Um Inimigo do Povo", de Ibsen - e algumas montagens
com referência ao teatro clássico e seus aspectos jurídicos, como o inesperado
"Medeia no Banco dos Réus", com direção de José Henrique, texto
baseado em Eurípides; "Antígona", de Sófocles, e ainda o difícil
"Oréstia", de Ésquilo. O
interessante nisto tudo é que a
crítica à Justiça é feita em seu próprio espaço...
Mas o "Teatro na Justiça" não se
propõe a montar somente textos ligados ao processo judicial, também foram
montados textos cantados e contados, como "O Bilontra", de Artur
Azevedo, entre outros, sempre com uma visão crítica da sociedade. As montagens deste
projeto são muito bem cuidadas, e neste atual espaço privilegiado da Rua Dom
Manuel, o "espaço cênico" se faz notar como um coadjuvante dos espetáculos. Tal fato
aconteceu primeiramente com "Os Físicos", de Dürrenmatt, em 2010, estreia
de Silvia Monte como diretora. O espetáculo foi montado na sala das audiências,
no prédio histórico, por elenco de magistrados: o resultado foi inesperado.
Mas o primeiro espetáculo a que assistimos,
deste Projeto, foi também uma peça de Dürrenmatt, "A Pane", montada em
2004, em um espaço cênico convencional. O trabalho, primoroso, porém o teatro
em que foi encenado não possuía "alma". Felizmente a crueza da sala
comercial não prejudicou o espetáculo sutil, delicado ... e terrível! Neste "A
Visita da Velha Senhora", o espaço cênico é um dos fatores responsáveis
pelo sucesso do espetáculo: trata-se da "Sala Multiuso" do CCPJ, um
local privilegiado, desfrutando as possibilidades de um teatro de arena.
A
direção de Sílvia Monte privilegia a ação, deslocando os personagens em
constante emoção, sem necessidade de tempos mortos - há somente um pequeno intervalo para o público retomar o fôlego, tal como pede o texto de
Durrenmatt (tradução de Mario da Silva). Há, nesta montagem, soluções de grande
originalidade, com movimentos de cena inspirados: a concepção de Silvia Monte
nos traz florestas construídas escondendo seres humanos (alusão à Macbeth)?
desta vez porém o elenco reproduz o canto dos pássaros, marcando
"romanticamente" o local onde se renova o encontro dos (outrora) enamorados. Há momentos
de reflexão e desespero, como o do personagem Sr. Schill, sobre o qual caem
todas as culpas, e cujo procedimento equivocado, no passado, desequilibra o
pequeno lugarejo de Güllen, no presente. Personagem difícil, esse do Sr. Schill:
carregando a responsabilidade das emoções interiorizadas - muito bem resolvido
pelo ator Marcos Ácher, cuja interpretação atinge um desempenho profundo. Em
contraponto ao aniquilamento do Sr. Schill, a cidade decadente se revigora,
movida pela constatação do dinheiro fácil. O ponto de tensão, que leva os
habitantes do lugar a "desbloquearem" suas frustrações e desejos, é a Sra. Claire
Zahanassian, a "Velha Senhora" que chega ao local para se vingar,
carregada de dinheiro para corromper.
Neste embate, temos a oportunidade de assistir
a vigorosa interpretação de Maria Adélia, atriz que revela, através da
ex-prostituta Claire, a máscara obstinada e fria do poder do dinheiro. Este Poder tem o gosto sutil da maldade, que se destaca no elenco
afinado. Maria Adélia está magnífica em sua "Velha Senhora". O mesmo
podemos dizer de Marcos Ácher como o Sr. Schill. Paulo Japiassú (excelente), transmite a ironia
do Pároco, que, "com seu olhar bondoso" recebe os paroquianos com as mãos abertas,
as mesmas mãos que estende para receber o dinheiro de Claire. Para isto é
necessário um assassinato, e ele se realiza com um detalhe cruel, à moda do assassinato
de Júlio Cesar (uma citação da diretora?). Dürrenmatt não perdoa Igreja, padres,
prefeituras, prefeitos...
No espetáculo, Yashar Zambuzzi dá alma ao personagem do Prefeito, sendo responsável por bons momentos da peça. Eduardo
Rieche, no papel do professor indignado, que depois adere à farra do dinheiro
fácil, é um ator de inúmeros recursos, as modificações de seu personagem são
marcantes. Até a família do Sr. Schill entra na dança do dinheiro. Anita
Terrana, uma surpresa como a Sra. Schill, e a atriz Laura Nielsen,
interpretando a filha interesseira. Antonio Alves é o filho do Sr. Schill.
Todos traidores, todos Brutus...
André Frazzi, Pedro Messina e Pedro Lamin
têm presenças marcantes. Pedro Messina, como o gângster violonista, se destaca
também na música. Renato Peres completa o elenco, em vários papéis. A
transformação visual (o figurino), dos habitantes do vilarejo que troca a honra
pelo Poder do dinheiro, é outro fator do sucesso da peça. Os figurinos
magníficos, de Pedro Sayad (principalmente os de Claire, majestosos,
excêntricos), são, nas outras personagens, o primeiro sintoma da adaptação ao "dinheiro
fácil": detalhes como "sapatos novos, chapéus, roupas elegantes..."
e a mudança de hábitos... os novos desejos. A cenografia de José Dias abre
espaço para surpresas, como o inesperado "boudoir" de "Madame
Claire", ou os objetos de cena preciosos, como a "cadeirinha de
arruar" levando Madame pelas ruas; ou as coroas de flores, gigantescas,
transitando, "como uma morte anunciada".
A trilha sonora de Marcos Caminha funciona
com precisão, e a caracterização de Alexandre Rodrigues define os personagens, principalmente a máscara teatral de Claire,
ponto alto do espetáculo. Há também o suporte dos membros metálicos de Claire. A maneira como Maria Adélia soluciona os desajustes físicos do personagem
são interferências brilhantes, de uma maldade exemplar. A iluminação, que dá
vida ao espetáculo, é de Elisa Tandeta. Projeções de JP Andrade. Na Assessoria de
Imprensa, Mônica Riani. "Grave é a Vida, Alegre é a Arte" - Dürrenmatt.
É MUITO BOM VER BOM
TEATRO!