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sexta-feira, 3 de abril de 2015

RECUSA


Atores Eduardo Okamoto e Antonio Salvador - em Recusa, dramaturgia de Luis Alberto de Abreu, encenação de Maria Tahís. (Foto Divulgação).
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Em passagem rápida pelo Rio de Janeiro, convidado pelo Circuito SESC de Artes Cênicas - evento que acontece todo ano - surpreende-nos agora a Cia de Teatro Balagan, de São Paulo. Sua diretora, Maria Thaís, veio da Bahia e fez suas primeiras experiências, menina ainda, na Escola de Teatro Martins Pena, Rio de Janeiro onde passou a se interessar pela direção de espetáculos. Uma vez radicada na capital paulista, Thaís criou com amigos  e muito trabalho, esta Balagan que nos trouxe, por somente dois dias no SESC Ginástico, este espetáculo peculiar. (A palavra Balagan, significa, em vários idiomas, como o russo, turco, árabe ou hebraico - o teatro de feira - mas também pode significar bagunça, confusão, ou baderna. E é o que os dois atores conseguem em cena, uma "bagunça" acompanhada de muito riso, muita música e algumas sérias conclusões). Não podemos esquecer, neste espetáculo, a coabitação lendária dos elementos da floresta e dos seres humanos, vivendo experiências e se deglutindo para virar alma, para virar gente. Destacamos a cena do fazendeiro entrando no corpo do índio e de lá não mais querendo sair, na tentativa de tudo dominar.     

     Nesta primeira experiência com o trabalho da Companhia, percebemos que estamos diante de algo detalhado em perfeição e rico em idéias. As "historias do nascimento do mundo", contadas em várias tradições, nunca foram tão bem representadas como nesta cuidadosa mescla de pesquisa de grupo e trabalho apresentado pelos dois atores que dominam a cena: Antonio Salvador e Eduardo Okamoto. Não podemos decidir qual deles é o melhor, pois seu trabalho é tão entrosado, e tão respeitoso (em relação à parceria), que se realiza como uma sinfonia em homenagem à vida e à sua descoberta.

     Esta "Recusa" trazida pelo título, faz parte de todas as recusas que,
 imaginamos, fazem parte do caminho desenvolvido por aqueles dois seres que surgem do "nada" e se transformam eternamente, para não pertencer a nenhum dos mundos. Inesquecível a sequência em que vão se transformando de homens em bichos, em uma constante deglutição "antropofágica" (diríamos, se não estivéssemos querendo fugir do mito macunaímico que se faz presente, em cena, na recusa do herói de nossa gente - andradino - de se tornar um "herói"). Como vimos, o texto (dramaturgia do excelente Luis Alberto de Abreu), nos traz todas as possibilidades de encontro dos habitantes deste mundo em construção.


     São tantos os momentos marcantes. O primeiro deles, de estranhamento, é o exercício da fala daqueles povos das montanhas, da floresta e dos rios, que se estende até a estupefação. Ficamos de ouvidos atentos àquela fala estranha, da qual só podemos inferir algum sentido pelos gestos desse "povo-espírito", que se transforma pela fumaça até se fazer entender em nossa língua. O espetáculo é uma viagem a um mundo fascinante, que nos é desvendado pela perfeição de como nasce, toma consciência de si mesmo e do que o rodeia. São tantos os momentos. A encenação deste teatro-rapsódia é de Maria Tahís. Cenário e figurino de Márcio Medina, trazendo em leveza de palhas, bambus e tubos de som indígena; objetos de cena para a evolução acertada da dupla de atores em suas modificações em homens, cuñas, pássaros e feras... o homem branco, o fazendeiro! Uma perfeição, tanto dos atores, como das "citações" nos figurinos, nos gestos e no cenário que os cerca. Trata-se de um trabalho de equipe, onde "os atores são propositores de matérias para a dramaturgia". Sente-se, por trás do espetáculo, uma pesquisa de campo primorosa. A Iluminação de Davi de Brito corresponde à natureza fluida do mito, e a preparação de Butoh (ah, a semelhança de nossos ameríndios com a civilização que nos corresponde do outro lado do mundo!) ... é de Ana Ciesa Yokoyama. E, encerrando este trabalho impecável, a direção musical de Marlui Miranda. 

A CIA DE TEATRO BALAGAN É UMA SURPRESA EM NOSSO CENÁRIO TEATRAL - O ESTUDO, A RECRIAÇÃO DA LÍNGUA, AS TRANSFORMAÇÕES DOS ATORES, A PESQUISA, TUDO É SURPREENDENTE.             

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