Foto "KRUM" (Nana Moraes)
"KRUM". Autoria Hanoch Levin, direção Marcio Abreu. (Foto de Nana Moraes) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
KRUM, do dramaturgo israelita de origem
polonesa, Hanoch Levin (tradução de Giovana Soar, adaptação do diretor Marcio
Abreu e de Nadja Naira, tradução do hebraico de Suely Pfeferman Kagan), é uma
peça psi. Explico: ela vai se escrevendo através das idiossincrasias de seus
personagens e, aos poucos, no decorrer das cenas limitadas por blackouts, as
"neuras" dos jovens (e não tão jovens) começam a se tornar visíveis,
formando um texto possível. A ação se passa em de um lugarejo perto de Tel Aviv,
ou em seus arredores - wherever - o fato é que vive-se em um lugar claustrofóbico. Tal
façanha nunca foi fácil, como sabemos.
Podemos dizer que o mais interessante na "musculatura"
da peça é o relacionamento entre mãe e filho. O autor não abandona o arquétipo
"mãe judia", mas o faz com total independência dos mestres na questão
(não vamos falar em Woody Allen, por favor!), pois nos encontros e desencontros
dessa dupla, na peça, grita-se, sim, o tão famoso relacionamento umbilical de
dominação materna. Mas, olhem só: há uma interdependência quase escandalosa; há,
sublinhando o "quase indecente" da cena, uma antológica interpretação
de Grace Passô, que pode transformar em expressão (cênica) tudo o que o autor
quer transmitir. Danilo Grangheia, o filho, acompanha à altura o desempenho
desenfreado dessa atriz, que está perfeita tanto em seu papel de mãe quanto em
sua transformação em mulher fatal (aliás, outro dos grandes momentos do
espetáculo, dirigido a "corações de aço!"). Embora com as presenças
fortes de Passô, Sorrah (Renata), e
Vianna (Inêz), quem está encarregado de dar estrutura à peça é Danilo Grangheia,
(aliás, a "estrutura" dessa peça é algo interessante e fora do
comum).
Estamos lidando com seres medíocres e
desinteressantes. Muito bem. Mas tal espécie a temos em qualquer latitude. O
que o elenco, diretor e demais agentes dessa produção teatral, conseguem, é nos confirmar
o desespero em torno de algo tão insólito. Mais perfeito não poderia ser. Grangheia, em seu personagem Krum, por
exemplo, retrata o desespero sem se deixar sugar pelas aflições do personagem,
apesar de sua entrega total. Aliás, as frustrações existem porque nenhum dos
habitantes do lugar percebe "que a vida é uma causa perdida", como
diria o nosso querido mestre Antonio Abujamra. Mas Levin, como não é brasileiro (e esse
é um de seus grandes defeitos), não consegue transformar tudo o que vemos em
cena, em algo verdadeiramente insólito, para nós, que estamos vivendo o insólito
em nosso dia a dia. Mostram-se bumbuns, fala-se palavrões, desgosta-se com a
vida, mas não ficamos impactados, como acontece no espetáculo do Grupo Galpão, outra direção
de Abreu, porque os habitantes desse lugar, em KRUM, estão em um lugar fora do
mapa, perto de Tel Aviv, lugar esse que não nos fala ao coração, como nos fala o
Brasil atual!
Mas não é isso o que o diretor Marcio
Abreu está querendo nos dizer, quando escolheu este texto para montar com a sua
companhia brasileira de teatro. Ele estava pensando nas guerras, no obscurantismo,
nos nacionalismos crescentes ... porém,
o que assistimos na peça é o retrato da vida refletida na pobreza do cotidiano
de pessoas comuns. Elas parecem tão pequenas, em seus pequenos problemas, mas
são, pensando bem, estes problemas que movem o mundo! Neste segmento das
pessoas que "movem o mundo", em sua pequena/grande reprodução e
inutilidade, vamos ver refletida a personagem de Inêz Viana, patética em sua inadequação
para a vida. Ponto para Vianna. Não lhe fica atrás
Renata Sorrah, interpretando a mulher apaixonada em seu pequeno mundo do "amor
a qualquer preço". Sorrah e sua intensidade artística - dessa vez conduzida
com bom humor e certa visão critica - não caindo em dramaticidade desnecessária.
Ah! Quem não gostaria de ter Renata Sorrah em seu elenco?
Os atores são muito bons. Há Rodrigo
Ferrarini, como o apaixonado; Ranieri Gonzalez, o homem que resolveu viver; ou Edson
Rocha, Cris Larin e Rodrigo Andreolli, tornando possível um espetáculo
inovador, em se tratando desse povo tão sem chama própria, como é a pequena burguesia
de uma cidade do interior - ou "dos arredores de uma grande cidade",
como quer o autor Levin.
Não foi possível esconder o horror que nos
causa Israel e suas guerras. Talvez a intenção do autor seja esta mesma: causar
repulsa. Conseguiu. E o diretor conseguiu dar continuidade ao seu trabalho, "um
fator essencial" - segundo ele, manter viva uma companhia, apesar dessa condição política adversa que se estabeleceu em nosso Brasil. O
eco dos acontecimentos recentes (estamos em julho de 2016), ainda não se
refletiu em sua "companhia brasileira", e o diretor está certo, ao
procurar mantê-la viva. Coisas terríveis acontecem neste mundo, e a peça trata
justamente do tipo de pessoa que só se preocupa com problemas de seu cotidiano, enquanto o mundo ferve, e o egoísmo
impera. Também nesta pequena sociedade, retratada em KRUM, o egoísmo impera.
Diz
o autor Levin, que se trata de uma "comedia". O que mais se aproxima
deste gênero, em se tratando de KRUM, é o relacionamento do filho amante, o
homem desinteressado em outras mulheres, até o momento em que vê surgir a cópia
da mãe, em uma mulher livre e "fatal", que transforma o arquétipo - "a
mãe judia" - em um problema freudiano. E há um segundo momento em que
podemos considerar o texto uma "comédia": a maneira pela qual
os homens vêem aquela que surgiu "de um mundo estranho", até o
momento em que "a mulher" (interpretada por Grace Passô ), se transforma em modelo de
transgressão.
Passô, Grangehia, Sorrah e Vianna nos
brindam com momentos convincentes no espetáculo. De difícil andamento, para uns;
de possível inovação, para outros, assim KRUM surge, no mundo teatral
brasileiro. Não deixa de ser algo incomum, mesmo neste rico mundo que se apresenta, atualmente, no teatro carioca. Temos na ficha técnica a direção de movimento da
grande Marcia Rubin, que transforma Grace Passô em quase uma bacante, na cena erótica
com
o "italiano" (será Rodrigo Ferrarini?), em excelente jogo cênico. O movimento
dos atores, em sua totalidade, é preciso, incorporando e acentuando a
personalidade de cada um. Ponto para Rubin. E as várias modalidades que se
entrelaçam, nesta transformação da concepção de cenário (KRUM entra nesta "concepção
pós-dramática"?), se podemos assim chamar, o pós-dramático tomou conta da
cena atual, quando um certo "simbolismo" (ou o mistério que nos ronda) torna-se uma complementação da imaginação - ou do "caos" - levado em cena. O cenário é de Fernando Marés. Iluminação precisa de Nadja
Naira; efeitos sonoros e trilha de Felipe Storino. Figurinos (ótimos) de
Ticiana Passos. Interlocução artística, Patrick Pessoa. Assessoria de Imprensa,
Factoria Comunicação. VALE Á PENA
ASSISTIR KRUM!
Oi Ida, acabei de chegar do teatro. Ver "Krum" depois de ler a sua crítica faz toda uma diferença. Seu olhar é fundamental para a gente apreciar ainda mais o espetáculo. Beijos.
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