Ester Jablonski e Fernanda Nobre na cena final de "O Corpo da Mulher Como Campo de Batalha", peça de Matéi Visniec, com direção Fernando Philbert. (Foto Nil Caniné) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"O
CORPO DA MULHER COMO CAMPO DE BATALHA"
Em cartaz no Teatro Poeira, temos
novamente Matei Visniec. Vimos, no
Poeirinha, "2 X Matéi", em que Godot, o personagem extraído de
Beckett, reclama, contestando a escolha do autor ao não colocá-lo em cena:
"em Shakespeare até os fantasmas aparecem!" O argumento, e a encenação, eram tão loucas e
tão divertidas (com Guida Vianna e Gilberto Gawronski), que nos conduzia ao
teatro do absurdo. Dessa vez, não! Em "O Corpo da Mulher como Campo de
Batalha", o romeno Matéi Visniec
surge com um argumento devastador, que nos leva além do palco,
jogando-nos na realidade da vida. A
tradução de Alexandre David nos ajuda a entender a "dança das
palavras", de Visniec.
E, na verdade, essa "dança" é
arrepiante, colocando a nu a bestialidade da guerra. Os combatentes, desde
tempos imemoriais, estupram as mulheres dos guerreiros vencidos... para
humilhá-los! As mulheres são o complemento do 'campo de batalha'.
E essa barbárie continua, mais viva do que
nunca. Em seu texto, Visniec coloca duas mulheres, duas vítimas de seu sexo,
lutando para conseguir entre si um mútuo entendimento. Elas são vitimas do mesmo horror, mas, a um
primeiro olhar, pensamos ser a jovem bósnia Dorra (interpretada com intensidade
por Fernanda Nobre), a única vítima dessa crueldade, pois sofreu as
conseqüências da guerra.
Ledo engano, o olhar de Visniec busca uma
maneira de colocar as duas mulheres em um patamar de ultraje e violência, que
as torna igualmente fragilizadas, e estabelece uma situação de desconforto entre elas. A jovem
bósnia não aceita a norte-americana e sua civilização. Esta, por sua vez, "só
quer ajudar", e tenta entender a
psique da mulher que foi agredida em seu mais íntimo, e que engravidou, em
consequência do estupro! (Visniec não esquece nenhum detalhe do que ele chama
de seu "teatro engajado").
Ester Jablonski entrega-se ao personagem Kate.
A psicoterapeuta Kate (que talvez seja o personagem da vida dessa atriz,
terapeuta que é), sente-se cansada da luta sem tréguas, cansada de enterrar os mortos e querer enfrentar os
males do mundo. Jablonski nos dá um desempenho forte e enternecedor,
transmitindo ao seu personagem grande empatia.
Mas Kate não é culpada de algo que não
ajudou a criar. Sente-se culpada, e se engaja como "voluntária", para
ajudar. É aí que se coloca o grande dramaturgo, que trafega em questões-limite
entre o bem e o mal. E o diretor, Fernando Philbert, consegue equilibrar o
furacão que a peça desencadeia. Seu olhar sensível permite às atrizes se
entregarem ao tema cruel, sem caírem no excesso de emoção. Também a direção de
movimento de Marina Salomon se faz sentir, nas diversas manifestações de controle
da emoção física das atrizes. O fator "equilíbrio"
sustenta a ação, e o resultado é um espetáculo enxuto, contundente e, ao mesmo
tempo, poético!
O romeno Visniec, com a mesma desenvoltura
com que se diverte com os autores ocidentais,
Beckett, Garcia Marques, ou Oscar Wilde, mergulha em seu teatro engajado
que quer desvendar a Utopia, e seus enganos. Ainda há muito a ser desvendado,
desse autor...
Na ficha técnica temos a cenografia de
Natalia Lana, que transmite ao palco do Poeira uma impressão de infinito. Há um
jogo de espelhos dividindo os tempos. Os figurinos, simples, também trazem a
sua assinatura. A iluminação é de Vilmar Olós. O artista consegue dar uma
sensação de solidão, com a sua luz às vezes fria! A música (original) é de Tato Taborda. Fotos
de Nil Caniné; Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco. É BOM VER BOM TEATRO!