"Abaporutação" - espetáculo encenado em Manaus, pelo ator performático Dimas Mendonça, no Espaço das Companhias. (Foto Divulgação) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional dos
Críticos de Teatro – AICT)
(Especial em Manaus)
“PENSA QUE SABE” é o nome do panfleto que recebemos
no início da Performance Teatral “ABAPORUTAÇÃO”, no Espaço das Cias, teatro de Ricardo
Risueño.
Que nome complicado é esse, que leva à Tarsila do Amaral e ao seu “Abaporu”? Pois leva mesmo... esse “gente que come
gente” (que vem do Tupi Guarani, ou ‘Língua Geral’, como nós no Sul a
conhecemos), alimenta um espetáculo que tem como subtítulo um ‘Processo
Natimorto’. Vá entender! Há ramos e ramos dessa Língua Geral... dessa
ABAPORUTAÇÂO, mas vamos ficar por aqui, nessa “natimorta” ação!
Obedecendo a um impulso de assistir (e destacar)
artistas e teatros experimentais das cidades que visito, e aproveitando a minha
visita a Manaus, fui assistir a um dos bons atores da região, Dimas Mendonça,
em cartaz ‘por um dia’, na performance criada por ele. Ao chegar ao
teatrinho de Ricardo Risueño ficamos em dúvida se o público vai assistir ao
espetáculo, aos personagens que irão ser retratados, ou à equipe do teatro, que se desvela, proporcionando o espetáculo? Claro, fui assistir a
tudo isso. Afinal, quem “Pensa que Sabe”? Como não temos nada a perder, fomos assisti-lo.
(Só como esclarecimento: o ator em questão pertenceu ao extinto TESC (Teatro
Experimental do SESC do Amazonas), fez parte de alguns grupos de palhaçaria de Manaus,
e assistiu cursos em São Paulo. A seu favor, ainda, o público jovem
que lotou o pequeno “Espaço das Cias”,
do paraense Risueño. O “teatrinho” está situado no quarteirão do Teatro
Amazonas, “o local onde as pessoas se encontram”.
Pois bem, em sua única apresentação, Mendonça
escolheu seis personagens para representar a potencialidade de sua performance:
primeiramente, um “amante do teatro” (um egocêntrico fanático); depois uma mãe
amantíssima - seguida por um pastor evangélico; um cantor (que não consegue cantar,
mas que, com o desenvolver da performance, encontra o seu tom), e também um bailarino.
Pelo que podemos compreender, os personagens saem da criação do ator - que poderíamos chamar
de ‘o diretor do espetáculo’. (Não há ficha técnica).
Como podemos perceber, essa é uma
apresentação sem pretensão de receber criticas, tal a sua simplicidade, porém, a criação e o desempenho do
ator é tão boa que é necessário registrá-la! Dimas
incorpora também o personagem do raivoso “machoman”, e tal composição de “elenco
de seis em um só ator” mostra o grau de desafio que o ator se propôs enfrentar.
Ao chegar ao teatrinho recebemos uma pequena
publicação, uma única folha de papel – um ‘jornal’, o nº 1 - escrito pelo ator, e por amigos convidados. O “Pensa que Sabe” (assim se chama o jornaleco), convidou o poeta e acadêmico Aldísio
Filgueiras, nome bastante conhecido e prestigiado em Manaus, para abrir o
programa com um poema de sua autoria: “Ai de ti, Manaus”: ..”tu viste/na televisão/ o crime/ suprir/ tua
lei – no teu olho – & preferiste/ voltar/as costas/ para o rio/ & a floresta//... Este poeta
nos deve uma visita ao Sul, talvez para o lançamento de seu livro de poemas “A Dança
dos Fantasmas”.
Diz Mendonça, no "Pensa..." : ”Para um país
invadido, um estado roubado e uma cidade inventada, um eterno esforço de reconhecimento
de origens. Para isso, um inútil processo de pesquisa e experimentação
artística numa busca burra pelo novo, diferente e original nas artes.” É o que veremos, a seguir. (Se é “novo”, e
“diferente”, não sabemos... mas é inesperado, principalmente para quem visita a
região), é o “grito” de um ator não deixando a sua arte cair no “oblivium”. A
performance de Mendonça nos faz encontrar personagens fortes, angustiados, passíveis
de crítica, caricatos, mas sempre em uma procura que se agiliza, conforme o
espetáculo vai se desenvolvendo. Assim, temos, sempre as inesperadas reações do
“amor ao teatro”, que levam o “ator-amante” representado a realizar malabarismos
impensáveis para defender o seu amor. (A concepção, direção e desenvolvimento do espetáculo, inclusive a coreografia, é de Dimas Mendonça, que também atua). O ator interpreta o ‘bailarino’
- excelente - ou o ‘cantor’, que inicia desafinado e aos poucos vai encontrando
o seu tom. A seleção de músicas - ou o que podemos chamar de ‘a trilha sonora do
espetáculo’ é um destaque positivo, seguindo a proposta.
Dimas Mendonça ultrapassa, com ímpeto, a todos
os desafios. Trata-se de uma performance profissional que pode ser apresentada nos
principais centros de nosso país. (ATENÇÃO, PATROCINADORES!). O desenvolvimento
dos personagens vai em um crescendo quase insuportável, atingindo uma
velocidade digna dos ‘modismos internacionais’ encenados, atualmente, nos
teatros do Sudeste. Há o mesmo afã de contar histórias em 30 minutos!... os outros 30 minutos do espetáculo sendo preenchidos pela comunicação de Dimas com o público... que interage com
entusiasmo, terminando todos de mãos dadas com o ator!
O que se apresenta no palco de Risueño, inclusive
o cenário, coberto de plantas, e com
seus bancos surgidos no meio das “árvores”, onde as luzes se assemelham a borboletas
noturnas, e onde o breu finalmente se estabelece - deixando espaço para uma luz ao fundo
da cena, filtrada pelos vidros da "parede-janela" que integra o exterior, tornando-se
a sua respiração! É a iluminação dos edifícios que, ao fundo da cena, se acendem e apagam. Um belo espetáculo
extra, a luz dos edifícios. Elas dão um bonito efeito final
ao espetáculo. Talvez o bom resultado de ABAPORUTAÇÃO dependa, mesmo, desse
improviso, dessa união com o espaço exterior. Não sabemos se o espetáculo funcionará, com o mesmo encanto, em
outro espaço cênico. Talvez sim. E talvez essa experiência funcione, em outros Estados
do país. ONDE ANDARÁ O “ABAPORUTAÇÃO” AGORA?