CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro –
AICT)
(Especial)
EM CENA:
(Foto Fernando Valle)
“CICERO – A ANARQUIA DE UM CORPO SANTO”
Texto e Interpretação de Samir Murad.
Direção: Daniel Dias da Silva.
A ficha técnica está
fortemente ligada aos acontecimentos. A trilha sonora de André Poyart, salvo engano,
é cantada pelo ator Samir Murad. O desenho de Luz é de Russinho e os Figurinos (ambos
muito acertados) criação: Karlla de Luca.
NUNCA saberemos se teatro é exagero ou
contenção. Ou melhor, podemos dizer, como Mario de Andrade dizia a respeito de
poesia: “ teatro é tudo o que dizemos que é teatro”. Esta última afirmativa
procede, e se faz presente no espetáculo sobre o Padre Cícero, o “padrinho” dos
cearenses, ora em cartaz na Casa 136 da Rua Ipiranga, em Laranjeiras – Rio de
Janeiro. Quem tiver curiosidade de ver como foram as aventuras de Cícero no
campo religioso é só estar presente na Casa até o dia 15 de dezembro de 2019. Não
se sabe ainda para onde se mudará o personagem, ou se ainda fará seu porto nesta
casa, o que sim temos certeza é que suas andanças são típicas de regiões onde o
misticismo e o fanatismo fazem a sua morada. Vale lembrar.
O que mais nos surpreende neste espetáculo
é tomar conhecimento do personagem e perceber que ele nunca foi considerado um
santo pela Igreja Católica, (apesar de suas façanhas no mundo dos milagres), ou
talvez mesmo pelos excessos de sua maneira de praticar a religião. E é por
estes excessos - no espetáculo seu intérprete canta, dança e sapateia - e ainda
chama em seu auxílio Antonin Artaud e sua loucura, o que faz o público ficar sobressaltado,
tendo que escolher entre loucura ou religião. Ou talvez as duas coisas juntas!
Como público ficamos indecisos entre assumir estes dois polos.
Ou terá a religião intimidade com a
loucura. Preparando-se para colocar em cena Padre Cícero Romão Batista, a
primeira providência de Samir Murad foi ler a biografia do “Santo de Juazeiro
do Norte” e, para surpresa sua diagnosticou a tendência dos estudiosos do Santo
não o considerar como tal. Para surpresa também do público, a respeito da Igreja
Católica. Podemos dizer que o ator (e seu diretor, o cearense Daniel Dias da Silva, um
entusiasta do texto), dividiram o espetáculo
em quatro movimentos, sendo o primeiro marcando as andanças do Padim e seus
encontros com nordestinos notórios, como Antonio Conselheiro e Lampião que,
como ele, mudaram a imagem da região. (Dizem, autor e intérprete, que os três
nordestinos foram contemporâneos, e que estes encontros são reais).
Para Samir Murad, a sua narrativa “possui
vários registros culturais”, levantado questionamentos que lhe parecem próximos,
“como a quase sempre nefasta intercessão da política com a religião na cultura
de um povo, assim como da necessidade de se fabricar e destruir
mitos e verdades, que sempre estão de acordo com os interesses das minorias
dominantes”. Para passar este recado ao público Samir utilizou linguagens como a
de Antonin Artaud, o Butoh japonês ou o Livro Tibetano dos Mortos - e não ficamos
sabendo se tal preocupação do autor trouxe algum esclarecimento sobre a vida de
Padre Cicero, pois o que testemunhamos em cena é um espetáculo de difícil leitura.
O diretor Daniel Dias da Silva, por sua vez, procura explicar tanto
estranhamento: “buscamos, mais do que reproduzir (...) os relatos turvos e dar
respostas aos enigmas que ainda orbitam a sua história, buscamos revelar suas
distintas facetas (...) o homem por trás do mito, com suas dúvidas, falhas e
fraquezas”.
A imagem que o
espetáculo passa ao público não se assemelha ao que se tornou conhecido como a
História do Nordeste. Em todo caso o encontro do Padre Cícero com vários personagens e mitos, inclusive
Antonio Conselheiro e Lampião, parece marcar o espetáculo, intensificando-se
no decorrer do mesmo. A imagem do sertão e de Juazeiro, vistos dessa maneira, nos
leva a caminhos nunca antes imaginados. Vale a pena conferir.
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