Páginas

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

VÍSPORA

Resultado de imagem para fotos Vispora Teatro
Na foto, o elenco de VÍSPORA: Samuel Toledo (Iacov), Claudia Barbot (Macha), Paula Vilela (Nina), Luiz Furnaletto (Trigorin), Rosa Abdallah (Arkadina), Philipp Lavra (Treplev). (Foto: Rodolpho Pupo).


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

VÍSPORA

Em cartaz até o dia 16 de fevereiro, no Teatro Poeira, VÍSPORA, uma mélange dos males dos nossos dias, com os descalabros dos dias do teatrólogo russo Anton Tchecov.

     Como assim? Simples, meu caro espectador: peguemos uma sala de bingo cheia de jogadores, uma plateia vazia, e contemos os acontecimentos de hoje em nossa vida social, mesclada com as ambições e consumos que nos fazem felizes. Felizes?

     Vemos, como nos tempos de Tchecov, um Treplev (ótimo Philip Lavra), filho de Arkadina, querendo se suicidar por falta de uma ocupação que preencha a sua aspiração pela arte, pelo belo... pelo teatro! Sim, ele é teatrólogo, dramaturgo em primeira mão – como o Treplev de Tchecov – sim, ele quer viver mergulhado em Arte, com A maiúsculo, e o que se apresenta para ele?

      Um universo de nossos dias (não que os dias de Tchecov fossem mais alentadores), mas os do moderno Treplev são coroados de inaugurações das “maravilhosas” Drogarias Venâncio (bem ao lado de sua casa), e de restaurantes apinhados de gente que quer somente comer, comer, comer! e reunir e conversar asneiras, amenidades. Onde se escondeu a Arte? – pergunta-se Treplev. E seus companheiros – assim como em A gaivota, de Tchecov, não entendem a sua fúria suicida... eles estão satisfeitos com o dia a dia “pleno” que lhes toca, cheio do mesmo vazio... Seus companheiros aceitam o presente, o vazio... sem maiores espantos.

     E assim nos vemos, como plateia, em meio a um jogo de víspora: atores e plateia jogando, aceitando prêmios e 1 cheque de 8 mil reais para quem conseguir preencher a cartela...

     Arkadina ( a excelente Rosa Abdallah), parece não se alarmar com o que está acontecendo, parece querer controlar seu desesperado filho que, suicida, está à procura da Arte. Por seu lado, o marido, o grande  escritor, reconhecido e famoso, não nos desaponta diante de sua vaidade tchecoviana, quando perguntado se continua a escrever e como anda a sua grande literatura, ele entra em um monólogo sobre pesca, dizendo que pescar é o seu estímulo para pensar. Esta comunicação de Trigorin (Luiz Furnaletto) (e aqui abro um espaço para comentar que, sem o talento destes atores, dificilmente o texto teatral funcionaria. Sua disposição anárquica e ironia confundiria o espectador, somente atores acostumados a desenvolver uma linguagem caótica poderiam sustentar tão inesperado espetáculo).

     Estes atores – como vamos aos poucos desvendando na peça - estão orientados pelo surpreendente texto de Paula Vilela e Juuar (quem será? quem será?), com direção de Paula, que também atua. Então: a lembrança de colocar tal espetáculo (do século XIX)  entrelaçado com os nossos dias - um Tchecov em outro diapasão – nos surpreende, pois seus personagens só pensam em dinheiro, dinheiro, dinheiro! Nos tempos de Tchecov a aristocracia só pensava em atirar dinheiro pela janela... e os servos que se danassem para servi-los.

     Mas continuemos: enquanto público e personagens estão ocupados jogando víspora, os acontecimentos tchecovianos vão se intercalando. Assim, Arkadina se aborrece com tudo, enquanto Nina (Paula Vilela), a infeliz personagem da Gaivota, ajuda a dirigir, com animação e furor,  o jogo de Iacov. Ela também é uma amimadora do circo maldito em que se transformou o mundo moderno. E uma também ótima Claudia Barbot, como Macha, recepciona e julga o que ocorre em cena. Outros personagens foram cortados, como o mordomo, o velhinho que fica abandonado na casa dos patrões.

     Mas todos os atores estão muito à vontade, sendo difícil estabelecer diferenças entre atuações, embora Samuel Toledo, no papel do “cantador” da víspora (ele interpreta Iacov), surpreenda pela sua concentração e fôlego – além de convencer o público de que sua função sempre foi esta! A ligação direta com o espectador ( que Tchecov propõe) e a encenação do jogo de Vispora transformam o espaço cênico em jogatina para todos os presentes, onde personagens e público querem  ganhar alguma coisa, um prêmio, um dinheiro, não importa o que, desde que seja uma satisfação imediata, pouco se importando com a Arte, ou a necessidade da arte. Não existe mais vida espiritual em nossos dias. Ou parece que não...

     Há uma frase, que não será reproduzida, pois não possuímos o texto de Paula Vilela e só podemos esboçá-la, que diz assim: a Arte (com A maiúsculo) é o que nos transforma em seres humanos.

     Neste espetáculo, propositadamente, o teatro, a música, a arte em seu papel espiritual, passam longe: tudo é feito para atrair público, para ganhar dinheiro, prêmios, e o que mais vier. Duros tempos, os nossos. Dá vontade mesmo de se suicidar, o mesmo impulso que atrai Treplev, em Víspora e no Jardim da Cerejeiras... com a diferença que nos tempos do simbolismo/romantismo tchecoviano as coisas aconteciam pra valer!

     As belezas do espírito, nos tempos de Tchecov, cercavam as pessoas sensíveis e as faziam sofrer pela sua falta. Hoje tudo está indo em direção contrária: sofre-se pela falta de dinheiro, de coisas materiais...  Esta peça é um alerta sobre o diabólico que toma conta da nossa sociedade. Consideramos Víspora um espetáculo necessário, que nos mostra o momento do vazio, da falta de  alimento para a nossa alma,  nosso espírito.  Trata-se de uma advertência. 
VÍSPORA É UM ESPETÁCULO NECESSÁRIO.  IMPERDÍVEL!      

2 comentários:

  1. Uau! Como sempre, seu amor pelo teatro transborda no texto lúcido, inteligente, sensível. Como sempre, a gente lê e dá vontade de sair correndo para assistir. Obrigada Ida, por nos brindar com seu encantamento.

    ResponderExcluir