Miguel Thiré, Ricardo Blat, Bruce Gomlewsky, Tonico Pereira em "O Homem Travesseiro" (foto Guga Melgar) |
CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Sempre que alguém se lembra de
montar o dramaturgo irlandês Martin McDonagh, no Brasil, tem como resultado um
ótimo espetáculo, teatro puro, e, talvez por isso mesmo, enfrenta uma luta sem
trégua para vê-lo reconhecido. Acontece que "O Homem Travesseiro",
texto que vamos comentar agora, é dramaturgia bem trabalhada, tensa, e guarda,
para seus intérpretes, a marca e o mistério do talento. São tantas as oportunidades
de reconhecer essa marca, distribuída entre os atores, no presente espetáculo, que
nos daremos ao luxo de, antes de começar a crítica, falar um pouco do
"aquecimento" que nos levou ao texto de McDonagh. Trata-se de um
espetáculo que está colado ao do diretor Bruce Gomlewsky, e que acontece aos
sábados e domingos, no mesmo teatro Laura Alvim, algumas horas antes de
McDonagh começar. Trata-se de um espetáculo infanto-juvenil, "Histórias do
Medo", dirigido a um público que mais tarde descobrirá, se tiver sorte,
Martin McDonagh. As histórias da contadora Priscila Camargo, com direção de Aracy Cardoso, são, provavelmente, saídas da pena dos irmãos Grimm, e têm como alvo as criancinhas, e muito em
comum com as histórias de McDonagh. Elas também vivem no mundo da Literatura.
As modificações que Priscila consegue de
seus pequenos ouvintes é um caso a parte. Porém, as reações dessas criancinhas
são muito semelhantes às do irmão do escritor/personagem de McDonagh, o Michal,
interpretado por Ricardo Blat. Perdão, mas o que posso dizer agora é que, dessa
fábrica de Priscila saem os futuros apaixonados por histórias de ficção,
histórias como as que ilustram a peça do dramaturgo irlandês, abstraindo,
talvez, a obsessão de McDonagh pela figura materna. No final do século XX foi
montado, no Brasil, "A Rainha da Beleza de Leenane" (região na qual o
autor passou a infância), e é impressionante a presença materna, a obsessão que
ronda, para sempre, a dramaturgia do irlandês, proporcionando-lhe impacto e prêmios:
inclusive dois Tony, e um Laurence Olivier. Ele se diz influenciado por David
Mamet. Aí voltamos ao mistério do
talento.
São quatro atores: Bruce Gomlewsky, no
papel do escritor; Ricardo Blat, o irmão (cujo surgimento abre uma ruptura na
história, esclarecendo-a); Miguel Thiré: o talentoso ator está irreconhecível
como Ariel, o "aprendiz de detetive"; e Tonico Pereira, o delegado,
dublé de escritor, que nos dá uma inesquecível aula de como se organiza uma
história para contar. Aliás, preparar histórias e contá-las faz parte deste
texto desafiador. No fundo, trata-se de uma homenagem do autor aos escritores, à
sua sensibilidade e maneira de ver o mundo, transmitidas principalmente no
embate entre Tupolski (Tonico Pereira) e Katurian (Bruce Gomlewsky). Uma
homenagem meio torta, digamos, porém uma bela homenagem à literatura.
Quer o autor que o caso se passe em um
país onde os métodos truculentos fazem parte de seu dia a dia. A história pode
ser sufocante, entretanto, há vários momentos de respiração. E citamos o caso de Tonico
Pereira (só para falar em algum deles), um momento em que a música pára - a
música imaginária, de horror, que os nossos ouvidos escutam, ao ritmo da fala
dos atores - para ouvir "o solo do menino tolo e o trem que ameaça a sua
vida". A maneira que o ator vai narrando a sua história, que parece ser inventada
naquele momento, dá a dimensão da transfiguração do talento. O episódio vai se
concretizando, e é Literatura. Fiquemos com este exemplo. Eles são muitos, e os
mais variados conteúdos se alternam, dando espaço e expressão ao elenco. A
imaginação de quem nos lê, e assiste ao espetáculo, complementa e dá a dimensão
certa ao que acontece em cena.
Direção sensível de Bruce Gomlewisky;
Cenário Marcos Flaksman; Luz, de Luis Paulo Nenen e Thiago Mantovani;
Figurinos, Rita Murtinho; Música Original, Borut Krzisnik. Há, no elenco, a
sustentação dos papéis dos pais, feita por Ricardo Ventura e Glauce Gima, que
também interpreta "Menina Jesus" - uma das histórias contadas. Julia Limp
Lima é a "A Menina Muda" e Gabriel Abreu interpreta Katurian criança.
Aconselho com veemência o comparecimento do público para assistir a esta peça.
Trata-se de uma experiência emocionante.
Ida, é possível alguém que leia suas críticas não ser sua fã? Obrigada por me proporcionar sempre esse prazer. Vou seguir seu conselho. Beijos.
ResponderExcluirBoa noite Ida.
ResponderExcluirAcabei de assistir o espetáculo Homem Travesseiro no Festival de Curitiba e fiquei muito impressionado com a história e a atuação dos atores.
Porém, detalhe, assisti a peça na versão do grupo do Rio de Janeiro. Neste ano o Festival disponibilizou ambas as versões existentes no Brasil, a paulista e a carioca.
A que assistimos é a carioca. Você viu a dos paulistas?
Abraços
Paulo,
ResponderExcluirnão assisti a dos paulistas. Que bom que você gostou da carioca. Bruce ganhou o prêmio de melhor diretor da Associação de Produtores de Teatro do RJ. Gostaria de ter assistido a versão paulista.
Abraços
Que bacana IDA!
ExcluirParabéns pelo blog e plas críticas pertinentes.
Abraços