Páginas

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"O CASAMENTO"

Guta Stresser (Glorinha), Nello Marrese (Antonio Carlos) e Carolina Helena  (Maria Inêz), em "O  Casamento", de Nelson Rodrigues
(foto Ana Paula Abreu)





CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da  Associação  Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


     Perdi a apresentação de "O Casamento", em 1997. Nunca imaginei que iria assistir a essa adaptação do romance de Nelson Rodrigues com o seu elenco original. Nunca imaginei a estatura de comediante de João Fonseca, por exemplo (também não assisti "O Auto da Compadecida" (não estava no Rio), outro sucesso dos "Fodidos Privilegiados", o grupo. Quanta gente boa saiu dali! Ou já existia, e o grupo divulgou. A adaptação do romance, e a direção feita pelos dois artistas, Abujamra e Fonseca, deu no que deu: a comemoração dos 100 anos de vida do sempre atual, e vivo, Nelson Rodrigues, e o reconhecimento do Brasil a respeito de seu maior dramaturgo. Nelson é encenado pelo mundo, e isso é a  máxima glória para os nossos palcos, para nós, que temos complexo de cachorro vira-lata, não é mesmo?  Assim vai a vida. Nunca, neste país, um dramaturgo foi tão festejado. Ainda bem. E "O Casamento" foi uma das forças propulsoras, para a nossa juventude.           
     Pois não é que esse romance, que se transformou em peça de teatro graças a Abujamra e Fonseca, sintetiza o pensamento de Nelson? Está tudo lá, e não é do "teatro desagradável" que se trata, porém da comédia pura, centralizada na loucura dos homens. Nelson Rodrigues ri, apesar de ter sido atingido, no peito, pela tragédia. Ou serão as suas comédias um novo tipo de tragédia?
     Coroando essa história toda, temos o diretor que projetou Lilian Lemmertz e Glauce Rocha - Antonio Abujamra - criando, e selecionando, ator por ator, o seu grande elenco. E tudo deu tão certo que daí surgiu João Fonseca, ator e diretor. Alguns ficaram, nem todos. Houve outras surpresas (ao menos para mim) além de Fonseca. Nello Marrese, o cenógrafo. Pois não é que nunca o tinha visto em palco? Ele protagoniza Antonio Carlos, o filho do ginecologista Dr. Camarinha (interpretado por Thelmo Fernandes). Há também a surpresa de Carolina Helena no papel de Maria Inêz, a namoradinha apaixonada. Nelson Rodrigues entrou na cabeça das menininhas e escancarou essas cabeças, mostrando a curiosidade que nelas impera. Uma das maiores delícias da peça é o trio Antonio Carlos, Glorinha (depois falo nela) e Maria Inêz, em ação.     
      E as frases. Há as de Nelson, e as de Abujamra. Antonio Carlos é o responsável por um dos "bordões" (o Abu me mata) do diretor: "A vida é trânsito, é dia útil, não é domingo" - porém na boca do alucinado Antonio Carlos adquire outro sentido. E o "coveiro" (Lincoln Oliveira) e "policial", "narrador da história dos quatro ceguinhos"? E as frases do "homem de bem", o Dr. Sabino (João Fonseca), os provérbios de Salomão, "o sentimento de culpa nos salva", e as expressões faciais do Dr. Sabino. E o Padre de Roberto Lobo. A secretária Noêmia, interpretada por Rose Abdallah. Permitam-me destacar grandes atrizes, e grandes momentos, ali. Porém os Fodidos fazem de propósito, não dizem quem é quem, para os pobres dos críticos ficarem se puxando os cabelos. Tudo bem. Para mim há três atrizes: Rose Abdallah, Guta Stresser e Carolina Helena, responsáveis pelos momentos mais hilariantes e desconcertantes da peça.
     Thelmo Fernandes faz o ginecologista que desencadeia toda a tragédia, contando, para o pai que o noivo da filha é um homossexual. Acontece que ninguém está preocupado com isso. E a expressão facial do noivo-bicha (Alexandre Contini), de completa inocência, é uma transgressão. Filomena Mancuzo faz a puta escolhida e Denise Sant'Anna, a mãe. Sei que Christina Mayrink é Sandra, a amiga da secretária Noêmia. Xavier, o marido suicida, é interpretado por Claudio Tizo, com resquícios brechtianos da primeira montagem! (só a conheço pelas fotos ). No elenco temos Isabelle Cabral, Isley Clare, Kátia Sassen,  Márcia Marques, Marta Guedes fazendo os xipófagos. Não podemos esquecer do Zé Honório (Humberto Câmara), a criança que é chicoteada pelo pai que o descobre homossexual, e diz para ele "engolir o choro" enquanto apanha. Mais tarde Zé Honório dá o troco, sacrificando o velho pai. E a frase de Nelson: "A pederastia pinga das paredes em Copacabana". (Seria Nelson um puritano?).
     Tudo começa por causa da homossexualidade do noivo de Glorinha (Guta Stresser é "hors concours" com a sua "garota papo firme"); e culmina com o amor incestuoso de seu pai. Entre uma cena e outra, adultério explícito, "onanismo", e a maneira com que o Dr. Sabino conclui que não há pecado, quando a gente tem fé em Deus. Na ficha técnica, figurinos e cenário originais de Charles Möeller, remontagem de figurinos de Filomena Mancuzo; remontagem de cenário de Nello Marrese; música de André Abujamra, com citações de vários compositores, inclusive Wagner. Assistência de direção Paula Sandroni, que também aparece em algumas cenas como "A Santa". 
    Prêmio Shell de 1997 - Melhor Direção (Antonio Abujamra e João Fonseca), Melhor Figurino (Charles Möeller), indicação de melhor atriz, Guta Stresser.
É bom ver bom teatro!              


2 comentários:

  1. Melhor do que ver bom teatro só mesmo ler uma boa crítica.

    ResponderExcluir
  2. Hahaha! Ida, como é bom reler o que você escreve com tanta paixão. Como é bom ser sua amiga e como é bom ver bom teatro! Beijos.

    ResponderExcluir