"Nó no Coração" - Guida Vianna (Barbara), Monique Franco (Nina) e Camila Nhary (Ângela) |
CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
OU: "DO AMOR INCONDICIONAL"
Estreou, no Teatro Ewa Herz, a
peça "Nó no Coração", do dramaturgo inglês David Eldridge, com
direção de Guilherme Leme. É a segunda produção dessa casa de espetáculos
carioca cujo nascedouro é São Paulo e a Livraria Cultura. O Ewa Herz foi inaugurado,
no Rio, com "A Alma Imoral", monólogo do rabino Nilton Bonder, interpretado
por Clarice Niskier. Localizado no
coração da Cinelândia, o Herz é uma grata surpresa, com suas poltronas
vermelhas em aclive, possuindo ótimo recurso visual onde quer que o público se
instale. Neste novo teatro estamos livres do "jogo de cabeças" que se
instala em quase todos os teatros brasileiros, mortificando o espectador. Modernamente,
há arquitetos que se preocupam com esse importante detalhe: o da visibilidade. O que planejou o Ewa Herz/Rio
se preocupou.
O autor de "Nó no Coração", David
Eldridge, é da "geração século XXI" do teatro inglês, (embora tenha
nascido em 1973), sendo seu primeiro sucesso uma adaptação livre de "Senhorita
Julia", de Strindberg, em 2012. Ao
que parece, a primeira amostra de seu trabalho, individual, no Brasil, é este "Nó
no Coração", um texto dedicado a investigar a hipocrisia imposta aos relacionamentos
familiares. O texto busca a mudança das regras. A atriz Monique Franco, em uma
viagem a Londres, descobriu David. É desse autor
o bom e velho drama universal (e inglês),
que o Ewa Herz nos apresenta agora. Algumas cenas a que nos foi dado apreciar são
uma pequena tradução do teatro realista. Algumas cenas. É quando Nina, interpretada
de forma inquietante pela atriz Monique Franco, mostra o seu bem desenhado personagem,
cujo "caráter de artista", unido ao desencontro de uma juventude que
não sabe viver as suas frustrações, nos leva ao mundo das drogas. Nessa viagem
ela é acompanhada pelo seu introdutor
neste mundo, interpretado pelo ator Daniel Granieri.
As intervenções de Monique/Nina, no
decorrer da peça, nos revelam a mão firme do diretor Guilherme Leme, impedindo
que a revolta da personagem ultrapasse o perfil "idealista" proposto pelo
autor. O jogo de Nina se estabelece quando ela confronta o seu potencial com o desconforto que é, para ela, enfrentar a
realidade. Ângela (Camila Nhary), advogada
e irmã mais velha de Nina, traduz, através de sua lucidez e ressentimento, o
relacionamento das três mulheres. As
duas irmãs são personagens de múltiplos desafios, entretanto, a estrutura da
peça nos é dada pela trajetória de Barbara, interpretada de maneira brilhante
por Guida Vianna. O assunto é: culpa. Essa mãe, que segue o "amor
incondicional", vai revelando aos poucos, através dos diálogos, o que a faz
seguir esse caminho em direção ao amor: culpa.
A presença masculina é realizada em doses
muito pequenas. O "Nó no Coração" é das mulheres. Entretanto, o ator Daniel
Granieri destaca-se ao dar ênfase ao "agente
do vício". O papel de Fernanda Thuran como Marina é discreto.
Há muitas possibilidades de reflexão sobre
as escolhas de David Eldridge. O fato de ele desenhar a personalidade de Nina
como a de uma garota mimada e sem limites pode tornar crível o desvio da mesma
em direção ao vício. O que ficamos sabendo é que, ao perder o emprego, o seu desequilíbrio se
acentua. Algumas das referências da peça são nossas conhecidas, fica-nos apenas
a missão de destacar as que mais impacto nos causou. Talvez a credibilidade do
autor se deva mais à criação do diretor, cuja mão lúcida torna essa leitura
possível.
A direção
é exata e a encenação, simples. Cenário (Guilherme Leme) servindo ao diálogo.
Há, ao fundo, um a parede de cerca viva (bela) onde "as minhocas" se
escondem ( uma alusão aos destemperos da mente?). Os figurinos de Ana Roque são apropriados e a Iluminação de Thomás Ribas ilustra bem a ação. Destaque para a trilha sonora impactante
de Marcelo H. (A acústica do Ewa Herz é excelente, em todos os sentidos). Tradução
de Washington Gonzales. Co-Direção de Gustavo Rodrigues. Assistente de Direção:
Pedro Osório. Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa.
Trata-se de um espetáculo com ótimo padrão
de execução. Ele vem somar. Há, em nosso teatro, um interesse, renascido, a respeito da questão dos relacionamentos
(familiares). O título em inglês, "The Knot of the
Heart", levanta o problema dos nós que precisam ser desatados. Uma frase da esperançosa Nina esclarece o título e convida as mulheres da casa a desatarem os nós. Essa fórmula é atribuida por ela ao misticismo oriental, aquele que visa trabalhar para a harmonia entre iguais. Assistir ao espetáculo, para o público é uma boa oportunidade: conhecer um novo espaço e confirmar os padrões de comportamento do novo século, eis a questão.