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sábado, 17 de agosto de 2013

"TALVEZ UMA HISTORIA DE AMOR"


Cynthia Reis e Eduardo Pires em "Talvez uma história de amor", direção Vinicius Arneiro. (foto Antonio Garcia).


CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Quase sempre os pressentimentos dão certo. Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, "Talvez uma história de amor", de Rafael Gomes, adaptado do romance de Martin Page, é um "pressentimento" que deu certo. Em primeiro lugar, nem sempre é fácil fazer uma adaptação fiel de um romance, sem perder-lhe o rumo. Não conheço o original, mas, parece-nos, Gomes não perdeu. Conseguiu, e a interpretação dos dois atores, Cynthia Reis e Eduardo Pires se reveste (principalmente a de Cynthia), dos mais variados tons e dos mais variados textos.
     Um linguagem instigante, para Cynthia, a atriz se transforma em analista, em amiga, em amada, Amélia, enfim, apresentando uma descontinuidade em suas  apresentações, dando oportunidade, para quem a assiste, de conhecer uma atriz versátil. Mas não é só isso. Os dois atores trabalham com várias realidades, algumas delas têm a contribuição da música incidental de Tato Taborda. Os figurinos dos atores são os do cotidiano, casuais, adaptáveis, de Flávio Graff. Também é adaptável a sua cenografia onde, apenas com duas poltronas, uma mala e uma janela quebrada, o cenógrafo desenha todos os ambientes. Ah! E as taças, que surgem, como que por encanto, e armam cenas, destacadas por uma iluminação que as modifica. Um achado, do cenógrafo Graff e do iluminador Paulo Cesar Medeiros. E temos a interpretação precisa do angustiado Virgili, intervenção do ator Eduardo Pires, uma adaptação para a vida.
     As frases, extraídas do romance de Martin Page, são deliciosas. No contexto dado pelo adaptador Rafael Gomes (não conhecemos o original), elas se apresentam, como: "calma é a palavra mais preocupante do mundo", ou, "as marcas são as pirâmides de nossas vidas", ou ainda: necessita-se de "defesas imunológicas para se defender do amor". Os protagonistas, em seu vai-e-vem, vão apresentando "sintomas" que revelam curiosidade a respeito do "grande tumulto que é a vida".
     "Talvez uma história de amor..." se eleve à categoria de um texto contemporâneo, fazendo com que o espectador entre em contato com pequenos acontecimentos do cotidiano e com os "insights" do autor... "insights" esses que bem poderiam ser os seus, espectador! A plateia entra em uma identificação à primeira vista, reação bem encorajadora, para quem está no palco.
     Mas os personagens não acreditam em "amor à primeira vista", e nos propõe um "acidente com a realidade", o que, em outras palavras, consiste em "Viver!" Vinicius Arneiro, que dirige o espetáculo, resolve muito bem esses impasses, tornando-os bem legíveis para a plateia. Conhecendo o trabalho de Vinicius desde "Cachorro!", um espetáculo por ele dirigido e que poderia ser considerado uma "despudorada" homenagem a Nelson Rodrigues (parece que, no Brasil, nossos os diretores (e autores) de talento começam exercitando-se com o maior dramaturgo brasileiro). O texto de "Cachorro!" foi redigido por Jô Bilac, outro talento também descoberto na Escola de Teatro Martins Pena.
     Pelo que se pode concluir, trata-se de um espetáculo divertido... e real. Fala-se em amnésia, amores esquecidos, recados em secretárias eletrônicas (coisa tão obsoleta como o amor), e procuras... As coisas da vida acontecem assim mesmo, com pequenas gradações. Mas esse "medo de que a felicidade tenha dado certo" persegue os atores na cena... e a todos nós, na vida! Se tal acontece, o que faremos depois? Viver não é simplesmente ser feliz, angustiar-se também faz parte do pacote, e tem o seu encanto.
    A iluminação é de Paulo Cesar Medeiros. Como sempre, a iluminação é um marco na montagem de uma peça, e a sua dose, bem definida artisticamente, dá respiração à cena. Como sempre, Paulo Cesar consegue essa magia: estamos distraídos assistindo as cenas e acabamos estarrecidos com o surgimento dos objetos em destaque. No caso, são taças que ganham vida, iluminadas, pontuando o caminho dos amantes. Temos, assim, em Paulo Cesar Medeiros um grande iluminador. Dito isso, passemos aos atores:
     Cynthia Reis é, para mim, uma descoberta (e ela ainda usa aparelho nos dentes!). Possuidora de um rosto maleável (de borracha, como o de Fernanda Montenegro), às vezes transforma-se em uma bela mulher, às vezes em uma profissional cujo maior destaque é a inteligência, sem maiores atrativos físicos. Nas transformações da atriz percebe um talento especial. Quanto a Eduardo Pires, extremamente desafiado por sua companheira de cena, apresenta um desempenho carregado das dúvidas de seu personagem, ora transformando-se em um menino em busca de conselhos, ora em um ermitão solitário que não precisa dos conselhos de ninguém.
     E esse "talvez..." do título fica expresso no "vai e vem" dos sentimentos dos protagonistas. A grande façanha de ter descoberto do texto fica por conta de Pablo Sanábio, amigo e parceiro da dupla. Em boa hora surgiu esse moderno Martin Page, um autor que deixa entrever tal contemporaneidade, estimulando a curiosidade de ler o original, ou seja, o seu romance, editado pela Editions de L'Olivier, Paris, 2008. Aonde encontrá-lo?!!!Uau!
Trata-se de um espetáculo imperdível, para qualquer idade.
Preparação vocal, Isabel Schumann.
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias, Fábio Amaral e Carlos Gilberto.



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