(Foto Paula Kossatz).
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
O
diretor Daniel Herz exercita a sua já conhecida verve criativa neste As Bodas de Figaro, de Beaumarchais, no
teatro da Casa de Laura Alvim. Local
precioso, para um trabalho precioso. Finalmente, para regozijo do público, foi-lhe
dada a chance de assistir a uma peça em que tempos políticos e acontecimentos
sociais se misturam. Um momento muito particular.
Podemos
dizer que montar Beaumarchais, agora, no Brasil, não é somente um caso de
diversão. O Figaro do século XVIII, na França, lutava contra os privilégios da
nobreza; agora, no Brasil, a audácia inteligente de Fígaro talvez já esteja aí,
desejando a dessacralização das "Excelências". Talvez seja um caminho
aberto, como o de "uma certa deputada gauchita" que trata a todas as
excelências com o "tu és"; "tu dizes" dessacralizador.
Por isto destacamos a maravilhosa cena em que
Beaumarchais/Herz mostram o julgamento de Fígaro. No caso de Herz, um juiz caquético
(um excelente Alexandre Dantas), faz o que costumam, em geral, fazer os
magistrados: uma confusão que não leva a nada.
Mas
vamos falar agora do Conde de Almaviva e seus desmandos. Ernani Moraes é,
realmente, aquele ator que dá vida a uma cena teatral. Está, claro, um
excelente Almaviva, desafiando com vigor aquela juventude (atores e
personagens) que o cercam. Todas as vezes em que ele joga com sua expressão
facial, tudo para. O único reparo, no dia em que fui assisti-lo, refere-se a
algum problema com a sua possante voz, que se desmontava, quando dirigida ao
fundo de cena. Algum problema, talvez, de respiração, desmentido logo em
seguida pelo vigor com que enfrentava o seu canto. Mistério.
Há,
para quem assiste ao espetáculo, uma deliciosa brincadeira com sutilezas de
linguagem. E voltamos ao julgamento de Fígaro (um ótimo Leandro Castilho, por
sinal. Soubemos, pela ficha técnica, que ele também é o responsável pela
inacreditável música do espetáculo e pela distribuição dos instrumentos a cada
ator, que os executam com esfuziante perícia).
Fígaro/Leandro
Castilho está ao piano, ele dá o tom. O servo do Conde de Almaviva ensina também
as sutilezas da linguagem, para o representante da Lei e seus
"cúmplices". Esta brincadeira, em português, como em francês, é deliciosa.
Ao que nos parece, o diretor Herz se baseou muito na montagem recente da Commédie Française, e nos faz pensar em quanto
os franceses se transformaram em burgueses acomodados, frente à viva
interpretação carioca. Principalmente As
Bodas... da Commédie. Nem é bom lembrar
que os franceses tiveram o extravagante Luís XIV, que era um artista embalando todo o movimento teatral da França.
O
início da ação, em nossa As Bodas... é
fascinante. Estamos sendo apresentados a uma mélange de Mozart com maxixe e
samba. E não há um momento do espetáculo em que os acontecimentos não possam
ser trazidos para o Brasil, inclusive a parceria "serva e dama", amizade
mesmo, tão comum entre nós (desde a escravidão), e que as duas atrizes, Carol
Garcia (Suzana, a serva, amada de Fígaro) e Solange Badim (a Condessa de
Almaviva), fazem com perfeição.
Em
resumo: a história das peripécias de Fígaro para salvar a amada das
"primícias" exigidas (por debaixo do pano) pelo Conde, na primeira
noite de amor do casal, é o enredo. A ação se passa em um dia, e todos sabem
como termina. A acrescentar, e com destaque, a presença cênica e boa atuação de
Querubino (Tiago Herz), o adolescente apaixonado por todas as mulheres. E
também a da ótima atriz que é Claudia Ventura, em uma inesquecível mulher que
transborda amor, Marcelina. Suas peripécias para conquistar o amor de Fígaro tornam-se,
no final da peça, um fator romance de folhetim. Sua atuação é perfeita.
A
registrar a participação de Ricardo Souzedo como o Dr. Bartolo, outro que
carrega um segredo. Barbarina (Carolina Vilar), como a serva que capitulou aos
encantos do Conde, e seu pai, o jardineiro (Adriano Saboya), importantes peças
para ligar os acontecimentos. Como a arte é um caminhar contínuo, estas Bodas refazem
o interessante caminho da comédia. Constata-se que Beaumarchais utilizava, a
seu bel prazer, todos os tipos de comédia, e de personagens; desde o esperto
servo da Commédia dell Arte, passando por Molière e seu teatro
de caráter, e chegando até o que viria a ser a comedia de intriga, com o seu
contato direto com o público. Em uma palavra, As Bodas de Fígaro, no Laura Alvim, é um momento fascinante do
melhor teatro.
A
ficha técnica conta também com a participação sempre brilhante de Marcia Rubin,
na direção de movimento; a cenografia, um constante abrir e fechar de portas e
janelas, muito bem resolvido por Nello Marrese com cadeiras de acrílico, e a movimentação
de flores e jardins (iluminados por Aurélio de Simoni), dão dinamismo ao
espetáculo; figurinos de Antonio Guedes (não sabemos se é um homônimo do querido
diretor, ou o próprio, em suas variadas funções artísticas). Muito bom, o
figurino, com achados preciosos: a crinolina de Barbarina, as meias debruadas
de vermelho de Suzana... Detalhes picantes; Iluminação perfeita, como sempre,
do mestre Aurelio de Simoni; preparação vocal, Pedro Lima; aderecista Anna
Luiza Azevedo; visagismo, Junior Leal; fotos Paula Kossatz; assessoria de
imprensa Paula Catunda e Fernanda Lacombe. Parabéns a Leandro Castilho pelo seu
trabalho com as versões das músicas e letras de Mozart e Da Ponte (?). A tradução, divertida e competente, é de
Bárbara Heliodora.
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