Ivone Hoffmann, Carla Faour e Celso Taddei, em Os Intolerantes, direção Henrique Tavares. (Foto Divulgação) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
Os
Intolerantes, dramaturgia de Carla Faour e Henrique
Tavares, em cartaz no CCBB/Rio, desperta uma série de questões sobre o gênero humano. Há quem diga que
este gênero é um projeto inviável. Há humanidade nas pessoas? Os autores basearam-se, para escrever o texto, em um fato
real que os deixou extremamente chocados: a visão de um ser humano amarrado a um
poste, pela suspeita de ter realizado um furto. A foto, que saiu nos jornais,
era realmente chocante: um jovem negro, preso a uma corrente, parecia ressuscitar
os tenebrosos tempos da escravidão. Colocando em nossos tempos, a agressão talvez
nem seja mais uma questão de raça, mas de degradação social. Ou os dois.
Sim, estamos perdendo a
humanidade. Para provar isso, Tavares e Faour colocaram em cena diversos tipos
de gênero humano, cada um interpretando o ocorrido conforme a sua visão de
mundo. Apenas uma jovem estudante, Guida (Day
Mesquita), consegue externar revolta pelo que está testemunhando. Ela, que
poderia ser um "novo patamar para a civilização ocidental", ao se indignar
é desrespeitada.
O que o teatro tenta
fazer, e algumas vezes com sucesso, é mostrar essa indignação. No caso, a jovem
estudante não tem, sozinha, o poder de modificar a rota errada em que nos
colocamos, mas representa um novo caminho. Ao se indignar, começa a mudar o que
parece imutável. Faour e Tavares lançam um olhar atento sobre os humanos. Este Os Intolerantes
atinge tal patamar de indignação que faz os autores colocarem uma espécie de
ponto de interrogação, no final. É impressionante o final "oswaldiano"
(de Oswald de Andrade), ou talvez felliniano (de Federico Fellini...), de todo
mundo ir para a praia, ou para o deserto... dançar!
Muito bom.
Quanto às
interpretações, destacamos o poder de intérprete de Ivone Hoffmann no papel de
Edith, uma representante do "lado errado da indignação". Edith, uma
senhora desamparada, que foi assaltada, revela-se uma verdadeira fraude quando sua indignação é
posta em questão. Nada é óbvio ou gratuito, neste texto, embora a colocação dos
personagens, na primeira cena, levante a suspeita de tal conclusão. Há situações esperadas, como
a do casal Suzana e Amadeo, interpretados por Carla Faour e Celso Taddei, mas os
atores conseguem colocar em suas cenas um humor inesperado. Preconceituosos, os
dois, a dondoca classe média de subúrbio (Carla Faour) e seu marido nordestino
(Celso Taddei), fazem um casal quase folclórico. Imagina-se que tal colocação
se manifesta pela necessidade dos autores de colocar alguma coisa tipicamente brasileira
em cena.
Nada preconceituoso, no
caso, pois o espetáculo se propõe a batalhar contra o preconceito. Vendo-se sob
este aspecto, trata-se de um espetáculo difícil, pois os intolerantes que
desenvolvem a ação representam o próprio preconceito! Há que iluminar essa
contradição. A proposta é gigantesca, e merece a nossa atenção. É muito fácil rotular
um espetáculo. No caso de Os Intolerantes
não há rótulos, mas procuras.
O foco é Caco, o jovem
semi enforcado, brilhantemente interpretado por Eder Martins de Souza. Há, no final,
a redenção da raça negra, exaltada em sua formosura e orgulho por Eder Martins
de Souza. Aí sim, o espetáculo transforma-se em pura alegoria. Em geral, os
atores seguram bem os seus papeis. Há uma certa frouxidão em Sérgio Abreu (Pan),
nada de muito grave, mas que deixa em aberto a dubiedade de seu personagem. E não
se trata de sutileza. E Leandro Santanna é um herói
brasileiro, é Batman...
A dupla de realizadores deste espetáculo é das
mais interessantes da nova geração. É bom acompanhar o seu caminho. Henrique Tavares,
na direção, procura enfatizar o absurdo da situação. Texto e direção parecem
desenvolver uma tensão constante entre eles. Uma procura. Ficamos em dúvida, assim
como seus criadores - o ato da criação trás
as suas surpresas - de que o texto os pega, continuamente, em sua profundidade.
Vale à pena dar uma olhada, no teatro, nesta representação do gênero humano em
vias de falência.
Na ficha técnica (excelente)
temos José Dias na cenografia; Patricia Muniz nos figurinos (muito boas as
mudanças de personalidade, no final, e seus figurinos extravagantes); Iluminação de Aurélio
de Simoni; Diretor Assistente Anderson Cunha; Direção de movimento Hayla
Barcellos; Visagismo: Evânio Alves; Operador de luz: Marcelo de Simoni; Operador
de som: Claudio Lisboa; Assessoria de Imprensa: Ney Motta.
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