Viviani Rayes (Una) e Yashar Zambuzzi (Ray), em Black Bird, direção de Bruce Gomlevsky. |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Vejam só, meus amigos,
a crítica emudeceu. E, para ganhar tempo, volto a falar a respeito de espaço
cênico. O impacto que espetáculos dramáticos, cuja carga emocional colhe de
surpresa o espectador, perderiam a sua força em um palco italiano de 700 lugares?
Penso que sim. É impossível pegar o público com tal intensidade se o espectador
não sentisse, face a face, a respiração do ator. O espaço Rogerio Cardoso, do
Centro de Cultura Laura Alvim, proporciona este contato.
E não só isso. É preciso
também que o espetáculo tenha força o suficiente para tal arrebatamento. Estamos
falando de Black Bird, e seu
inesgotável poder de atrair o público. O Grupo Tapa, há algumas semanas atrás, nos
trouxe algo referente ao assunto, porém, se a extensão do problema estarrecedor
é tocado quase como um detalhe em Retratos
Falantes, de Alan Bennet, o autor de Black
Bird, David Harrower, nos coloca frente a frente com este problema
ocidental.
Não conheço estes
autores que nos remetem à tensão de um Eugene O'Neill, mas eles sempre serão
bem vindos. No caso de Bennet, já o conhecia de A Loucura de George III, o filme, o mesmo não acontecendo com David
Harrower, este autor impregnado de compaixão.
Falei acima em um
problema ocidental, e volto a ele. Os adolescentes, como todos nós sabemos, são
criaturas fascinantes, do ponto de vista sexual. Na sociedade oriental não há
este problema de atração de opostos, pois o assunto é resolvido colocando em
prática, muito cedo, toda a emoção que uma jovem (ou um jovem) pode causar a um
adulto. Isto faz parte da natureza humana. A sociedade ocidental criminaliza
(ou criminalizava) também outros tipos de atração, como o das pessoas do mesmo
sexo.
Mas no caso de Black Bird, a emoção dos atores, a
perfeição de sua atuação, nos deixa duplamente surpreendidos. Como o homem se
sente culpado! Como a ex-adolescente não perdoa algo que a fascinou! Estes são problemas
advindos de um preconceito social. O caso que se relata não foi estupro, foi
atração, amor, e respeito. E é isso o que nos deixa estarrecidos, como a nossa
sociedade ainda é dominada pelo medo do sexo. Há, porém, um agravante nesta história
toda: do sequestro da menina, e a pena de quatro anos e meio que, na vida real,
sofre o fuzileiro naval americano. O autor, em Black Bird colhe apenas o início da confusão mental, e sexual, em
que Ray (interpretado por Yashar Zambuzzi), se debate. Para quem não conhece a
história, é fácil imaginar que a aventura de um adulto com uma adolescente abriu-lhes
as portas para o amor proibido. Para Ray, foi a sua condenação definitiva. No final
da cena temos a intervenção de uma jovem (Bella Piero), e o texto de David
Harrower nos leva por caminhos que irão ao encontro de uma nova Lolita e sua
vítima, e a historia de Ray deve continuar.
Não conhecia o ator Yashar
Zambuzzi. Em sua surpreendente interpretação de Ray, o personagem que se condena
como um criminoso, há o jogo selvagem de alguém que domina os mistérios da
interpretação. A dupla de atores põe fogo naquele ambiente limitado entre as janelas
fechadas de um porão, e a porta que poderia levá-los à salvação. "Una"
(interpretada por Viviane Rayes), é a jovem mulher que quer acertar as contas
com o seu primeiro amor. Insolência, entrega e perplexidade fazem da personagem um trabalho de exceção para qualquer atriz.
Viviane Rayes, em sua fragilidade, aumenta a credibilidade da situação. Bella Piero é uma bela presença de Lolita, que abre caminhos novos - e
aterrorizantes - para quem não resiste aos encantos de uma ninfeta.
Na ficha técnica temos
a mão segura de Bruce Gomlevsky na direção, em pleno acerto com o tema
escolhido. Tradução de Alexandre J. Negreiros; Cenario de Pati Faedo (muito bom);
Música Original de Marcelo Alonso Neves; Iluminação, com todas aquelas nuances
e sutilezas de um pincel de artista, de Elisa Tandeta; Figurinos de Ticiana
Passos (nos quais o "esconde-revela" dos personagens dá um suporte essencial à
cena). Excelente espetáculo.
Perfeita critica!
ResponderExcluir