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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

BLACK BIRD

Viviani Rayes (Una) e Yashar Zambuzzi (Ray), em Black Bird, direção de Bruce Gomlevsky. 
   


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Vejam só, meus amigos, a crítica emudeceu. E, para ganhar tempo, volto a falar a respeito de espaço cênico. O impacto que espetáculos dramáticos, cuja carga emocional colhe de surpresa o espectador, perderiam a sua força em um palco italiano de 700 lugares? Penso que sim. É impossível pegar o público com tal intensidade se o espectador não sentisse, face a face, a respiração do ator. O espaço Rogerio Cardoso, do Centro de Cultura Laura Alvim, proporciona este contato.
E não só isso. É preciso também que o espetáculo tenha força o suficiente para tal arrebatamento. Estamos falando de Black Bird, e seu inesgotável poder de atrair o público. O Grupo Tapa, há algumas semanas atrás, nos trouxe algo referente ao assunto, porém, se a extensão do problema estarrecedor é tocado quase como um detalhe em Retratos Falantes, de Alan Bennet, o autor de Black Bird, David Harrower, nos coloca frente a frente com este problema ocidental.
Não conheço estes autores que nos remetem à tensão de um Eugene O'Neill, mas eles sempre serão bem vindos. No caso de Bennet, já o conhecia de A Loucura de George III, o filme, o mesmo não acontecendo com David Harrower, este autor impregnado de compaixão.
Falei acima em um problema ocidental, e volto a ele. Os adolescentes, como todos nós sabemos, são criaturas fascinantes, do ponto de vista sexual. Na sociedade oriental não há este problema de atração de opostos, pois o assunto é resolvido colocando em prática, muito cedo, toda a emoção que uma jovem (ou um jovem) pode causar a um adulto. Isto faz parte da natureza humana. A sociedade ocidental criminaliza (ou criminalizava) também outros tipos de atração, como o das pessoas do mesmo sexo.         
Mas no caso de Black Bird, a emoção dos atores, a perfeição de sua atuação, nos deixa duplamente surpreendidos. Como o homem se sente culpado! Como a ex-adolescente não perdoa algo que a fascinou! Estes são problemas advindos de um preconceito social. O caso que se relata não foi estupro, foi atração, amor, e respeito. E é isso o que nos deixa estarrecidos, como a nossa sociedade ainda é dominada pelo medo do sexo. Há, porém, um agravante nesta história toda: do sequestro da menina, e a pena de quatro anos e meio que, na vida real, sofre o fuzileiro naval americano. O autor, em Black Bird colhe apenas o início da confusão mental, e sexual, em que Ray (interpretado por Yashar Zambuzzi), se debate. Para quem não conhece a história, é fácil imaginar que a aventura de um adulto com uma adolescente abriu-lhes as portas para o amor proibido. Para Ray, foi a sua condenação definitiva. No final da cena temos a intervenção de uma jovem (Bella Piero), e o texto de David Harrower nos leva por caminhos que irão ao encontro de uma nova Lolita e sua vítima, e a historia de Ray deve continuar.   
Não conhecia o ator Yashar Zambuzzi. Em sua surpreendente interpretação de Ray, o personagem que se condena como um criminoso, há o jogo selvagem de alguém que domina os mistérios da interpretação. A dupla de atores põe fogo naquele ambiente limitado entre as janelas fechadas de um porão, e a porta que poderia levá-los à salvação. "Una" (interpretada por Viviane Rayes), é a jovem mulher que quer acertar as contas com o seu primeiro amor. Insolência, entrega e perplexidade fazem da personagem um trabalho de exceção para qualquer atriz. Viviane Rayes, em sua fragilidade, aumenta a credibilidade da situação. Bella Piero é uma bela presença de Lolita, que abre caminhos novos - e aterrorizantes - para quem não resiste aos encantos de uma ninfeta.
Na ficha técnica temos a mão segura de Bruce Gomlevsky na direção, em pleno acerto com o tema escolhido. Tradução de Alexandre J. Negreiros; Cenario de Pati Faedo (muito bom); Música Original de Marcelo Alonso Neves; Iluminação, com todas aquelas nuances e sutilezas de um pincel de artista, de Elisa Tandeta; Figurinos de Ticiana Passos (nos quais o "esconde-revela" dos personagens dá um suporte essencial à cena). Excelente espetáculo.
                                                  

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