Juliana Jullie Vasconcelos (Regina Lucia) e Márcio Louzada (Tenente Zé Luis), em Constellation. Foto Milton Menezes. |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
Raramente
assisto musicais pelo simples fato de que eles, em sua maioria, são óbvios. Mas
este Constellation tem respiração
nova; é a historia de nosso querido Rio de Janeiro enquanto Capital Federal, e abrange o espírito carioca, sem folclore. Um
período em que havia delicadeza entre as pessoas, galanteria, educação entre os
homens. Havia charme. O idealizador do espetáculo, e criador do texto, Marcos
Magnavitta, sabe muito bem do que está falando. Eram tempos de namoros
contidos, de mulheres inteligentemente irônicas, de papéis sociais definidos...
Lovie Elizabeth, por exemplo, interpreta uma funcionária do Ministério da
Educação, Gilda Maria - mãe da protagonista Regina Lúcia - e se refere ao seu
trabalho federal com sendo uma grande "ação entre amigos". Aliás,
esta atriz talentosa, para mim desconhecida, revela-se uma grande interprete e
encerra a cena cantando Unforgettable,
trazendo o espírito da época, qual uma Ethel Merman brasileira. A compostura
cênica e a voz de Lovie são invejáveis.
Há também o papel da nossa Marinha, a mais
sofisticada das Três Forças Armadas, representada com discrição pelo Tenente Zé
Luis (Marcio Louzada), o personagem que não perde a compostura mesmo diante dos
maiores desafios. Ele é do tempo do namoro vigiado, e dos gestos que se
tornaram simbólicos. Uma delícia. O ator transmite estes
limites com muita clareza. Correspondendo ao namoro, com entusiasmo de mocinha
ingênua, a ótima Regina Lúcia, interpretada por Juliana (Jullie) Vasconcelos. Revelação
de um programa de calouros de nossos dias (como acontecia antigamente na Radio
Nacional), a atriz cantora é jogada diretamente para o centro das atenções, tornando-se
a protagonista do espetáculo. A bela voz, o canto livre e controlado de
veterana nos faz supor que há algum play back na cena, porém é puro controle
vocal mesmo, pura técnica. Constellation é uma caixa de surpresas.
Citamos
três papeis de destaque. Há mais dois. O do surpreendente Franco Kuster, cuja
voz e interpretação se encaixam no trabalho bem orientado pela direção de
Jarbas Homem de Mello, e consegue mutações, como na cena em que interpreta Jorginho
Guinle e se apresenta com a música The
Great Pretender, dando o tom de playboy, e de cafajeste elegância, à ovelha
negra da família. Como seria recebido hoje este herdeiro de um porto, que outrora
proporcionava uma fortuna inconcebível à família, tudo cedido por Vargas, e só
comparável ao porto de Daniel Dantas "o outro", e seu fundo
imperdível. Não nos indignamos, mas nos divertimos com Jorginho. Afinal, como todos
os herdeiros perdulários, ele acabou da mesma maneira, em um pequeno apartamento,
vendendo os seus pertences, até morrer (que maldade, mas é verdade). Franco Kuster é uma surpresa, é um artista
total.
E agora a "tia" Maria da Penha, que de tia não tem nada (pelo
que hoje se conhece por tia), mas é uma muito bela Andrea Veiga, no papel de
uma vedete de Carlos Machado. Canta bem, é bonita, faz tudo acertado, mas falta-lhe
o que Lovie possui às toneladas, o amor recíproco do palco. Às vezes Veiga
passa uma certa malícia natural, mas, em geral, seu tom artificial não colabora
com o seu desempenho. É excessivo. Pensando bem, talvez este seja o
comportamento de uma vedete. Não sei.
Os locutores e boys band que compõe a cena
estão muito bem afinados, Cleiton Moraes, Daniel Cabral, Draysoin Medeiros e Ugo
Capelli. A seleção de acontecimentos que Magnavita selecionou dão a medida
daqueles tempos "honestos", onde até a torcida do America tinha vez! Trata-se
de uma cena de alta potência erótica, o desvendar dos belos jogadores. As músicas
fazem o espetáculo caminhar. Em se tratando de recado dramatúrgico, Stand By Me pega o público, quando o
elegantíssimo Tenente apenas sustenta, sem ciúmes, mas com eloqüência, o seu
amor pela requisitada jovem que vai para Nova Yorque e talvez o esqueça.
A
história narra os acontecimentos em torno de um concorrido sorteio feito pela
Radio Nacional, para escolher o vencedor que irá viajar nas asas da Varig, no primeiro
vôo do Super Constellation G para Nova Yorque, e todos os encantos que esta viagem
pode proporcionar. O frisson em torno do acontecimento se acelera, interrompido
apenas por 15 minutos de respiração para o elenco. A destacar as projeções de
Thiago Stauffer, Felipe Menezes e Aldo Aroldo, que dão vida e fazem o
espectador viajar. Aliás, todo o espetáculo é cuidado nos mínimos detalhes, fazendo
surgir um tempo brasileiro diante de nossos olhos. Os figurinos, impecáveis, de
Patrícia Muniz, correspondem à delicadeza da época. A direção musical e os arranjos são feitos por
Beatriz De Luca, uma respeitável maestrina que nos encanta com o seu trabalho.
A coreografia é de Vanessa Guillen. As músicas são executadas ao vivo por André
Barros, Wagner Bispo e Mazinho. Pianista Eduardo Henrique, que também é o Band
Leader. Pianista Ensaiador: Thaylson Rodrigues. Cenário Natalia Lama e Iluminação
Paulo Cesar Medeiros. Visagismo: Dicko Lorenzo. Fotos: Milton Menezes; Projeções
e Audiovisual Studio Prime. Sound Designer Fernando Fortes; Produção Geral
Frederico Reder. 3D, Raphael Coppola; Assessoria de Imprensa Minas de Ideias, Fabio
Amaral. Equipe de Comunicação, Luana Ribeiro, Rodrigo Trabbold e outros.
Acompanhamos a lenta saída do público, com
a plateia lotada, e ficamos observando o palco, e o que restou de seu mundo
encantado: uma cortina vermelha e alguns refletores piscando a sua luz
bruxuleante.
Este
Costellation é um espetáculo belo e
emocionante. Não percam!
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