Rio de Janeiro,
Teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, mês de março de 2015,
em cartaz, encenada pela primeira vez no Brasil, "Um Estranho no
Ninho", adaptação para teatro feita por Dale Wasserman, do romance
de Ken Kasey. É quase impossível fazer uma crítica a "Um Estranho no
Ninho" sem cair na pergunta: por que este tema, se os
manicômios já resolveram todos os problemas dos esquizofrênicos, e
Cia.? Porém, assistindo a este "Estranho" tão próximo a nós, vamos
percebendo que todos os problemas estão aí e ainda envolvem
"aquele" problema: o financeiro. Trata-se de pessoas que possuem
famílias que lhes proporciona(va)m, através de taxas e cooperações, a possível vida daqueles
"métodos científicos". Sabemos
que, ainda em nossos dias, camuflados atrás das portas secretas dos hospitais,
qualquer hospital, há o tratamento doente dado aos doentes... e a maneira de
perpetuá-lo é justamente através da experiência dos "métodos
científicos" e do dinheiro. Ninguém sabe nada de nada.
Pois bem: o pobre Mc Murphy, personagem
inquieta que se julga muito esperto, resolve, para evitar a cadeia, passar o seu
tempo de retenção em um asilo de loucos. Em outras palavras: resolve passar por
louco. Acontece que ele é um lúcido que percebe, imediatamente, a fraude que
sustenta a organização psiquiátrica. E aí começam os seus problemas. Claro que
não vamos narrar a historia, mas nos perguntar por que Ken Kasey vai, aos
poucos, se tornando tão... atual! A verdade é que nada mudou, desde os tempos não
muito remotos de Kasey - dos beatniks e dos hippies - e Dale Wasserman até nossos dias
"medievais". Há algo que não pode ser solucionado: o ser humano. Sim, aquele mesmo, o
"ser" inviável. Deixemos as conclusões para quem vai assistir a
peça.
São dezesseis atores dividindo, com
talento, o palco. O "morceau de bravure" que é o espetáculo deve-se
ao diretor Bruce Gomlevsky. Como não sabemos o tempo que foi necessário para
erguer este trabalho, chegamos à conclusão de que os atores foram escolhidos
com muito cuidado, pois a intervenção precisa, ajustada ao tempo do drama, só
se consegue com atores muito especiais.
Não há destaques, mas frases que se destacam,
como as de Mc Murphy, no que se refere a cada um de seus companheiros - Mc é um
"ser humano viável" - fazendo-os perceber, através da ação e da
palavra, a força que cada um possui. Trata-se de um "forte". (Tatsu
Carvalho (Mc Murphy), é um ator surpreendente). Também é surpreendente o
inesperado discurso racional - e intelectual - de Dale Harding, o personagem
interpretado por Felipe Martins. Harding nos brinda com seguras, e às vezes bem
humoradas observações, principalmente quando se refere às semelhanças dos
pacientes com os personagens de Kafka ou Mark Twain (não esquecendo que há um
adolescente entre eles, interpretado por Vitor Thiré, uma revelação). Temos
vontade de estrangular a enfermeira Miss Ratched (uma terrível Helena
Varvaki!), e temer a propositada "contenção" do especialista em almas
humanas Dr. Spivey (Isaac Bardavid). Charles Asevedo, como o índio - ou o que
foi um dia um índio - o Chefe Bromden, a mais impressionante testemunha do que pode
fazer um ser humano com seu semelhante, principalmente quando ele é o
"diferente". Enfim, esta peça é uma construção de estímulos e respostas
(pavlovianos?) aos que podem ser julgados "os mais fracos". Mas nem
sempre eles são os perdedores.
Há ainda o desempenho das duas
"amigas" de Mc Murphy, interpretando mulheres livres - e belas - como
Candy Starr e Sandra, (Hylka Maria e Tatiana Muniz). E os loucos convincentes interpretados
por Junior Prata, Marcelo Morato, Ricardo Ventura, e Zé Guilherme Guimarães, em
trabalhos marcantes. A assistente da enfermagem, Srta. Flinn, interpretada por Lorena
Sá Ribeiro, é justamente o coração tumultuado que se espera de uma assistente
de enfermagem numa casa de loucos. Há ainda os auxiliares, Warren, Williams e
Turkle (Ricardo Lopes, Rafael Oliveira e Henrique Gottardo), passiveis de
corrupção. Esta peça conta com o cenário de Pati Faedo, onde tudo é muito bem
resolvido, onde tudo é essencial. Na iluminação: efeitos de luz muito acertados de Elisa
Tandeta. A trilha original resgata músicas agitadas, e estrondosos efeitos de
ambientação: um trabalho de Mauro Berman. Ainda os figurinos corretos (sem
exageros), de Alessandra Padilha e Jerry Rodrigues. O visagismo é de Uirande
Holanda.
Ficha técnica:
uma peça de Dale Wasserman, baseada no romance de Ken Kesey, tradução de
Ricardo Ventura; direção Bruce Gomlevsky; Assistente de Direção: Lorena Sá
Ribeiro; Direção de Produção: Rafael Fleury e Tatsu Carvalho; Cenário
(incrível!) de Pati Faedo; Iluminação: Elise Tandeta; Figurinos: Alessandra
Padilha e Jerry Rodrigues; Fotos de Felipe Diniz. Assessoria de Imprensa Lu
Nabuco. Trata-se de um trabalho extremamente
profissional.
VALE CONFERIR ESTA
SELVAGEM EXPERIENCIA!
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